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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Vida brasileira: "The United States of Sobral"

É assim que os cearenses chamam a cidade de Cid Gomes, o ex-escoteiro socialista que implantou no sertão uma amostra do american way of life


Leonardo Coutinho, de Sobral

Fotos Manoel Marques
Paris e Nova York
Sob inspiração francesa, Sobral ergueu seu arco do triunfo. Agora, usa ônibus escolares americanos e incentiva a prática do beisebol

Encravada no sertão cearense, a cidade de Sobral cultiva estrangeirices com tal entusiasmo que passou a ser conhecida no resto do estado pelo título desta reportagem: "The United States of Sobral". Lá, circulam ônibus escolares americanos (originais), que, além de serem amarelos como os que se veem nos filmes, ainda trazem a inscrição em inglês: School Bus. Lá, pratica-se beisebol – ou uma versão rudimentar do jogo, segundo a confederação brasileira desse esporte. Lá, o Kentucky Derby, uma das mais tradicionais competições do circuito do turfe dos Estados Unidos, inspirou a criação do Derby Club Sobralense. A diferença é que, sob o sol do agreste, os jóqueis treinam com calção de futebol. Lá, a população apelidou o parque da cidade de "Central Park", parodiando seu congênere nova-iorquino. A veia, digamos, cosmopolita de Sobral não é nova, mas ganhou força entre 1997 e 2004, quando a cidade foi administrada por Cid Gomes, do PSB, o atual governador do Ceará. Desde então, já há quem veja semelhanças entre o Rio Acaraú, que corta a cidade, e o Hudson, que banha Nova York.

Antes de Gomes, a cidade mimetizava europeísmos, por obra e graça (muita graça) de um bispo que mandou e desmandou naquelas bandas durante a primeira metade do século XX: dom José Tupynambá da Frota. Ele queria conferir a Sobral um ar francês e, entre outros lampejos geniais, teve a ideia de homenagear Nossa Senhora de Fátima com um monumento inspirado no Arco do Triunfo, erguido em Paris por Napoleão Bonaparte, para comemorar suas vitórias militares. O monumento está localizado na Avenida Boulevard do Arco. Como tem bares e restaurantes, os sobralenses fazem uma associação imediata. "Ela lembra a Champs-Elysées de Paris", diz o colunista social Arnaud Cavalcante. Sob o domínio do socialista Cid Gomes, Sobral passou a se espelhar nos Estados Unidos. Ele começou a imaginar a aparência globalizada de Sobral em 1996, ainda na condição de deputado estadual. Escalado pela assembleia cearense para a árdua tarefa de fazer um périplo pelas câmaras legislativas americanas, Cid voltou dos Estados Unidos cheio de projetos. No ano seguinte, ao assumir a prefeitura, passou a pô-los em prática.

Seu irmão mais velho, Ciro Gomes, ajudou-o a dar os primeiros passos na americanização de Sobral. Em 1998, Ciro, que frequentou um curso de inglês básico na Universidade Harvard, convenceu uma fundação a doar 36 school buses usados para a prefeitura do irmão. O município precisou arcar somente com o frete dos veículos. Pena que houve um inconveniente: no Ceará, não existem peças nem mecânicos especializados para esse tipo de ônibus. Por isso, eles foram sendo encostados à medida que precisavam de manutenção. Dos 36 ônibus, só três ainda estão em circulação. Numa boa iniciativa, inspirada pelo empenho acadêmico do irmão mais velho, o então prefeito Cid resolveu que daria proficiência em inglês aos alunos das escolas públicas. Para tanto, instalou o Palácio de Ciências e Línguas Estrangeiras em um casarão neoclássico onde funcionou aquele que foi o clube mais elegante da cidade, o Palace. Construiu também um museu em memória da missão de cientistas ingleses que foi a Sobral em 1919, para tentar comprovar a teoria da relatividade por meio da observação de um eclipse. Hoje, o prédio abriga um relativamente bom observatório astronômico.

Sob a influência de Cid, a cidade foi adotando costumes de climas temperados. A 27 quilômetros do centro, a Serra da Meruoca, um maciço rochoso de 920 metros de altura, sofisticou-se. Em casas com lareira, os ricos aproveitam temperaturas que dizem ser 15 graus mais baixas do que a média de Sobral (30 graus), para usar seus casacos elegantes – um deles, como não poderia deixar de ser, é Cid. Nos restaurantes da Meruoca, saboreiam-se fondues, sopas e chocolate quente. E um festival de inverno oferece atividades culturais aos turistas. É a Aspen do Ceará.

Fotos Manoel Marques

Paisagem globalizada
Um dos carrões "Miami Vice" da polícia local, o museu que celebra Einstein e a versão do turfe americano

No fim de sua gestão como prefeito, Cid patrocinou três equipes de beisebol e prometeu construir um campo exclusivo para a prática do esporte nas margens do Acaraú – que jamais saiu do papel. "Mas, quando ele era prefeito, nós tinhamos prioridade para usar o campo de futebol", pondera Reinaldo Marques Filho, treinador de todos os times de beisebol locais. Marques Filho é amigo de Cid desde a infância, quando eles viviam sempre alertas como escoteiros.

Esses rasgos modernizadores garantiram a Cid uma enorme popularidade. Muitos sobralenses o chamam de "El Cid" e o identificam como o redentor de uma profecia feita pelo bispo Tupynambá da Frota, o do arco do triunfo. Ao morrer, em 1959, ele previu três décadas de estagnação para Sobral – estancada pelo socialista yankee. Hoje, boa parte do maior reduto eleitoral do ex-prefeito e atual governador ainda é abastecida por carros-pipa, não fornece água tratada a toda a população nem dispõe de saneamento. Em Sobral, as principais causas de morte são as doenças infecciosas e parasitárias. Mas as ruas são iluminadas e a polícia se desloca, no confortável estilo "Miami Vice", em carrões equipados com ar-condicionado e câmbio automático. Graças à Votorantim e à Grendene, que empregam 12% da população, o comércio local é vigoroso. Cid agora quer mais um retoque à sua Nova York: metrô. No início do mês, lançou uma licitação para começar as obras. Em Fortaleza, a capital, cuja população é catorze vezes a de Sobral, o metrô local ainda não transportou ninguém. Está sendo construído desde 1999. Very good, Cid.





Fonte: Revistas » Edição 2132 / 30 de setembro de 2009

Postado por Jacinto Pereira

2 comentários:

  1. continuação... concordo no que diz respeito a entrada de conceitos estadunidense em nossa cultura, devemos sim reforçar os traços culturais brasileiros; contudo o texto é uma critica politica piega, não tinha desculpa melhor para atacar o governo. Um efeito[o da entrada de culturas extrangeiras] visto em todo o país, de diferças formas diferentes deve ser tratado não como algo particular... Devemos preservar sim nossa cultura! Jogo político piega!

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  2. Também concordo que temos que valorizar e ressaltar os nossos traços culturais... Mas vamos imaginar Sobral sem essas 'modernizaçoes' estrangeiras... Seria mais um alvo de piada pra os anti - nordestinos!!! Não sei o porquê desse ataque aos politícos locais... Tudo bem em falar da possivel perca da "brasilidade" por parte dos moradores da cidade, mas por quê esse ataque político?
    A reportagem também critica a falta de atençao à diversas áreas...agora imagine se junto a elas somassemos falta de lazer e infraestrutura?

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