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terça-feira, 19 de maio de 2009

Lula é o cara.

Eu gostei desse artigo, aposto que você gostará. Este Lula é realmente o cara.

Jacinto Pereira.

É dura a vida de colunista e escritor. Não adianta eu falar, insistir,
berrar aqui nesse espaço ou onde mais me deixarem à solta. Tem que vir o
Obama pra dizer em alto e bom inglês que o Lula é o cara, Lula is the man,
e aí sim, a imprensa repete aos milhões, o Fernando Henrique tem um choque
anafilático de tanta inveja e todo mundo cai na real.
Isso não significa que eu não tenha críticas ao Lula ou ao partido. Minha
relação com eles é mais ou menos a que eu mantenho com as mulheres:
gostaria que fossem muito diferentes, mas, olhem só as alternativas!
Vivemos em um mundo real, com defeitos reais, consequências infelizes da
nossa humanidade. Compreender esse mundo e governar para ele, tentando ao
mesmo tempo torná-lo melhor, com direito a alguma quantidade de sonho, é o
que diferencia um político competente de um estadista.

E Lula é um estadista, o maior que já tivemos.
Eu acho que boa parte desse preconceito contra o Lula é preconceito mesmo,
do ruim. Olhem o que eu ouvi ontem mesmo de uma moradora de um bairro nobre daqui... Ela explicou que não torce para o Corinthians, porque, afinal
"tenho todos os meus dentes e conheço o meu pai". Uffff.
Lula, por exemplo, que mal conheceu o pai, na infância, e não sei quanto
aos dentes, mas sei quanto aos dedos, torce para o Corinthians. E eleger o
Lula foi um momento sublime para os brasileiros porque ele representou a
nossa aceitação de nós mesmos por nós mesmos, condição essencial para uma
nação ser algo maior do que um mero país. Eleito, Lula nos libertou e o
Brasil deu o salto que todos vivem, mesmo que não queiram ver.
Na América Latina, e eu leio a imprensa dos nossos vizinhos, Lula é
idolatrado como um grande líder nacional, que ama seu povo e se dedica a
defender os seus interesses, ao mesmo tempo em que tenta sinceramente
ajudar e integrar os que nos rodeiam. Somos admirados por que passamos a
nos levar a sério e deixamos de puxar o saco do primeiro mundo, como fazia
o nosso pomposo FHC. Barramos espanhóis (inocentes, claro) na fronteira
exigindo tratamento decente aos nossos viajantes que entram na Europa. Lula
não tem medo de ninguém e exige estar no G-20, mas junto com o G-8, ou onde
quer que se decida alguma coisa.
Lula ajudou Chávez a sobreviver e hoje o enche de elogios, enquanto sabota
seus piores planos e ajuda o Brasil a vender e ganhar muito com a
Venezuela. Garantiu o empate na quase guerra de araque entre Colômbia e
Equador, fazendo o Brasil atuar como o líder que tem que ser. Lula abriu
agências da Embrapa em países africanos, onde nossa biotecnologia tropical
vai ajudar a combater a fome e criar uma agricultura moderna. Ele também
decidiu que não vamos exportar petróleo do pré-sal, coisa de país atrasado,
e sim derivados com alto valor agregado. Isso não é lá visão geopolítica e
estratégica? Viajou aos países árabes, nunca antes assunto para nossos
governantes e criou laços que hoje se transformam em comércio, bom para
todos.
Aqui dentro, já que o Brasil também é assunto, manteve sim a política
econômica anterior, mas lhe deu a direção social que faltava. E se alguém
acha que isso foi coisa pouca, imaginem as pressões que Lula sofreu, às
quais teve que resistir, enquanto a Argentina, aqui ao lado, experimentava
heterodoxias com o Kirchner e crescia 10% ao ano. Imaginem o que foi para
um ex-torneiro mecânico peitar toda a suposta elite econômica instalada nos
principais veículos de comunicação, que tentavam dizer a ele para onde
apontar o nariz e que aprendesse a obedecer ou o mundo iria cair, culpa
dele. Quem resiste a tudo e segue firme no caminho em que acredita é um
líder. L-Í-D-E-R. Acerta e erra, mas lidera.
O maior mérito do Brasil de hoje é nosso, do povo brasileiro. Fomos nós que
soubemos mudar, acabar com o PFL, optar pelo moderno e, por isso, hoje
nosso destino se divide entre dois partidos e projetos viáveis, PSDB e PT.
Se os dois são viáveis, o PT é mais generoso, e por isso a minha escolha.
Provavelmente seguiremos crescendo e nos afirmando como nação moderna e
emergente, capaz de alimentar a si e ao mundo, o que para mim já está uma
beleza, obrigado. Mas, alguém aí ousa comparar o Lula a gente um tanto
insípida, inodora e incolor, como Aécio, Serra e mesmo a Dilma? Vamos
talvez seguir rumo à prosperidade, mas de um jeito tão mais sem graça.
Vocês conseguem imaginar algum desses nomes acima fazendo a frase sobre
"banqueiros brancos e de olhos azuis, que achavam que sabiam tudo de
economia" que hoje é repetida no mundo inteiro?
Lula, para mim, representa o fim do enorme desperdício que nosso país
sempre praticou, ao ignorar a humanidade e inteligência do seu povo,
acusando-o de ser pouco escolarizado. Eu tenho o privilégio de, de tempos
em tempos, encontrar com leitores de grupos de EJA (Educação de Jovens e
Adultos), na prática turmas de pedreiros, domésticas, carpinteiros,
eletricistas; gente que deixou a escola quando criança e voltou agora, para
aprender, inclusive, a ler. E ser lido por essas pessoas é uma enorme honra
para um escritor que gosta de ser lido. E eles levem como ninguém, minha
gente. Com uma garra e encantamento de arrepiar. E raramente têm a chance
de trazer essa visão absoluta do mundo, essa experiência toda a para vida
do nosso país. Lula, prezados leitores, fez e faz exatamente isso.

Eu conheço meu ilustre pai, para o bem ou para o mal, tenho praticamente
todos os dentes e certamente todos os dedos, o que me coloca em uma camada,
digamos, privilegiada, no Brasil. Mas, mesmo que não seja exatamente a
minha cara, Lula consegue ser a cara brasileira da minha alma, de tantas
outras almas de nosso país e, por isso mesmo, ele é, tem sido e vai ser o
cara. O Cara, a nossa cara.
Pelo que eu conheço do mundo, essa coluna vai atrair toda uma desgraceira
pra cima desse colunista. Pois, muito bem, que venha. Esperar menos do que
isso, estar menos preparado do que estou para combater o que vier, seria um
desrespeito desse cidadão agradecido aqui, ao seu presidente, a quem tanto
admiro e por quem tenho mais é que brigar mesmo. Podem vir, serão todos bem
recebidos, e vamos em frente, nós e o Cara, fazer o debate e o país de que
tanto precisamos.
Dizer "Esse é o cara" afirma a negritude do Obama e sua admiração por Lula.
Vivemos melhor em um mundo assim, de aceitações, reconhecimentos,
sinceridades. Se eles, que são políticos, podem, então a gente pode tudo,
até mesmo torcer para o Corinthians, imagino, nesse admirável mundo novo
que o século 21 nos traz.

Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do
curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes
festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance
"O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do
Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão
sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo
Acabe".

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