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terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Brasil247: Banco Master: ação do TCU visa evitar delação de Vorcaro

 

Processo sigiloso que apura conduta do Banco Central pode ser usado para enfraquecer investigações e blindar políticos ligados ao ex-banqueiro

Daniel Vorcaro, controlador do Banco Master (Foto: Divulgação)

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247 – Um processo mantido sob sigilo no TCU (Tribunal de Contas da União) tornou-se, nos bastidores de Brasília, um elemento central na disputa em torno do caso Banco Master e pode acabar funcionando como instrumento para reduzir o risco de uma futura delação premiada do ex-banqueiro Daniel Vorcaro. O procedimento, relatado pelo ministro Jhonatan de Jesus, apura falhas e omissões do Banco Central na condução do processo que culminou na liquidação do Master, decretada em novembro passado.

A movimentação foi revelada em reportagem da Folha de S.Paulo, que ouviu ministros e técnicos do tribunal, além de pessoas envolvidas no caso, sob condição de anonimato. Segundo os relatos, a estratégia em curso teria duas camadas: de um lado, questionar no TCU a legalidade e a consistência do procedimento administrativo do Banco Central; de outro, usar esse questionamento para enfraquecer a continuidade de um eventual processo criminal. Nesse cenário, a possibilidade de delação de Vorcaro, temida por figuras influentes com vínculos com o ex-banqueiro, ficaria mais distante.

Sigilo e disputa interna sobre o alcance do tribunal

Integrantes do TCU avaliam que a corte tem respaldo legal para investigar a atuação do Banco Central, mas há forte divergência interna sobre até onde o tribunal pode ir, especialmente no ponto mais controverso: a possibilidade de interferir no ato que liquidou o Banco Master. A visão técnica predominante é que o TCU pode realizar uma análise de “segunda ordem”, ou seja, verificar se o regulador agiu dentro de suas competências e se sua decisão atende a critérios como razoabilidade e proporcionalidade.

Nesse tipo de análise, não caberia ao TCU substituir o Banco Central na avaliação prudencial sobre qual seria a melhor decisão regulatória para o sistema financeiro. Ainda assim, a apuração pode produzir um efeito político e jurídico relevante, especialmente se apontar falhas no procedimento do BC — o que, para a defesa de Vorcaro, serviria como argumento para questionar a validade de atos administrativos e tentar impedir que eles sustentem medidas criminais.

O foco da defesa: anular o processo do BC, não necessariamente a liquidação

Relatos colhidos pela reportagem indicam que a prioridade da defesa do ex-banqueiro, neste momento, é buscar no TCU a nulidade do processo conduzido pelo Banco Central no caso Master — e não, obrigatoriamente, reverter a liquidação em si. A lógica seria simples: mesmo sem derrubar formalmente a liquidação, uma decisão que reconheça irregularidades na tramitação do caso no BC poderia abrir margem para enfraquecer as decisões da autarquia e sustentar que o processo criminal não deveria prosseguir.

É nesse ponto que o caso ganha uma dimensão ainda mais explosiva: segundo fontes ouvidas, afastar o risco de uma futura delação de Vorcaro seria um dos objetivos indiretos da estratégia. A eventual colaboração premiada do ex-banqueiro é vista como ameaça por políticos e autoridades que mantinham ligação com ele.

Pressões políticas sobre o relator e o perfil de Jhonatan de Jesus

O processo é relatado pelo ministro Jhonatan de Jesus, que chegou ao TCU em 2023 por indicação do centrão e é descrito por integrantes do tribunal como um ministro mais político do que técnico. Vorcaro, por sua vez, construiu nos últimos anos uma relação próxima com lideranças desse mesmo campo político, o que, segundo pessoas envolvidas no caso e colegas do TCU, teria ampliado a pressão sobre o relator.

Jhonatan foi deputado federal por Roraima e líder do Republicanos na Câmara — partido do deputado Hugo Motta (PB). Sua indicação ao tribunal, segundo a reportagem, resultou do acordo político firmado na reeleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara: o presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP), não disputou o cargo, e o partido foi contemplado com uma vaga no TCU.

Procurada, a assessoria do tribunal informou à Folha que o ministro não costuma falar com a imprensa. A defesa de Vorcaro também foi contatada, mas não respondeu.

Bastidores do julgamento e avaliação de votos no plenário

Apesar da polêmica sobre o alcance do poder do TCU para interferir no caso, a avaliação de ministros considerados mais influentes é que hoje não há votos suficientes para aprovar uma reversão da liquidação do Banco Master. Esse entendimento, porém, não se estenderia automaticamente a uma eventual responsabilização do Banco Central e de integrantes da autarquia, campo em que a corte de contas poderia avançar com maior segurança jurídica.

Um ministro do TCU, ouvido pela reportagem, lembrou que o tribunal já condenou dirigentes do Banco Central em episódios anteriores. O caso citado envolve a mudança do sistema cambial em 1999, quando foram condenados o então presidente do BC Francisco Lopes e os ex-diretores Demósthenes Madureira de Pinho Neto e Cláudio Mauch, além do banco FonteCindam.

Banco Central entrega documentos e julgamento deve ficar para janeiro

O caso teve novo avanço nesta segunda-feira (29), quando o Banco Central encaminhou documentação com esclarecimentos solicitados pelo relator. A resposta foi juntada aos autos e agora será analisada pela unidade técnica responsável pela fiscalização do sistema bancário. Depois dessa etapa, o processo sobe ao gabinete de Jhonatan de Jesus para exame.

Se o relator decidir conceder uma medida cautelar — decisão urgente e provisória —, a tendência é que o caso só seja levado ao plenário após o recesso de fim de ano. Segundo a reportagem, essa foi a sinalização transmitida pelo presidente do TCU, ministro Vital do Rego, a interlocutores na própria segunda-feira (29). A expectativa é de que eventual julgamento ocorra apenas em meados de janeiro.

Acusação bilionária e ofensiva jurídica de Vorcaro

Daniel Vorcaro é acusado de fraude de R$ 12,2 bilhões contra o sistema financeiro e contratou um grupo poderoso de advogados. Segundo a reportagem, a defesa tem abastecido o TCU com informações e sustenta que o Banco Central estaria usando o liquidante do Master como canal para obter dados internos da instituição e responder aos questionamentos feitos pelo tribunal.

Enquanto o caso se arrasta sob sigilo, o processo no TCU vai se consolidando como um ativo estratégico. Se a corte reconhecer falhas relevantes na atuação do Banco Central, isso pode não apenas colocar em xeque parte da condução do caso Master, como também fornecer munição para frear desdobramentos criminais. Em Brasília, onde política e sistema de Justiça frequentemente se misturam, o temor que ronda o episódio permanece: a hipótese de uma delação premiada de Vorcaro, com potencial de atingir figuras influentes, ainda é uma sombra que muitos preferem afastar antes que ganhe forma.

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Fonte: https://www.brasil247.com/brasil/banco-master-acao-do-tcu-visa-evitar-delacao-de-vorcaro

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