A Constituição Federal brasileira proíbe expressamente que qualquer servidor, ativo, aposentado e pensionista, em nenhuma hipótese, receba vencimentos acima do subsídio de ministro do Supremo Tribunal Federal – STF. Está no artigo 17 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.
São 25 anos que essa regra constitucional vem sendo reiteradamente descumprida por todas as esferas da administração pública, e, em muitos casos, amparadas por decisões judiciais, na sua grande maioria provisórias.
Poderia haver dúvida sobre quais rubricas seriam alcançadas pela regra do limite. O artigo 17 das Disposições Transitórias enumera alguns itens, que de forma genérica alcançam a qualquer rubrica que faça parte dos vencimentos, seja qual for a nomenclatura. Ao mencionar "as vantagens e os adicionais" parece não restar dúvida de que os constituintes não deixaram margem de dúvida sobre qualquer forma de remuneração, pois qualquer uma, ainda que com nome diferente, se torna vantagem ou adicional. Como direito adquirido é um princípio basilar e muito alegado, os constituintes fizeram questão de explicitar que não poderia ser alegado. O cerco estaria fechado constitucionalmente, sem maiores discussões.
Somente uma Constituição Originária poderia extinguir qualquer direito ou garantia, bem como trazer quaisquer inovações ao ordenamento jurídico, inclusive as chamadas cláusulas pétreas. Nem na doutrina há posicionamentos contrários ao poder absoluto de uma Constituição Originária, nem para manter, nem para inviabilizar a aplicação de uma norma inovadora. Também nunca se colocou em dúvida - nem os mais criativos doutrinadores - de que a Carga Magna de 1988 estivesse nessa categoria de Constituição.
A irredutibilidade dos vencimentos também não encontra guarida para sustentar aqui, pois o inciso XV do artigo 37 chega a ser cristalino ao prever, como exceção, a redução dos vencimentos para enquadrar no teto, incluindo até possíveis acréscimos surgidos posteriormente.
Também é pacífico que as normas constitucionais são autoaplicáveis, desde que o próprio texto constitucional não condicione a prazo futuro ou normas complementares. Não há nenhuma dessas restrições à aplicação imediata quanto ao teto constitucional.
E a discussão é antiga. José D´Amico Bauab, profundo conhecedor do Direito, elaborou um estudo sucinto e profundo, do qual extraí este trecho: "Com a devida vênia para a imagem a seguir, é como se fosse um anticorpo que atuasse ao primeiro sinal de um elemento bacteriano; após destruí-lo, voltaria a ficar "dormente" no organismo do indivíduo e com ele morreria se não houver mais necessidade de acioná-lo por outras razões bacteriológicas".
A citação acima ajuda a reforçar a necessidade de fiscalização permanente junto a todos os entes públicos, evitando que negligenciem e façam pagamentos indevidos acima do estabelecido pela Constituição Federal de 1988.
Desde 5 de outubro de 1988, sob qualquer forma de contrato e de regime de Previdência, nenhum servidor público federal, estadual, municipal, aposentado e pensionista poderia ser remunerado acima dos vencimentos do Presidente da República e, a partir da Emenda Constitucional 20/98, superior aos subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Apesar de a proibição ser cristalina, é compreensível que setores da administração pública, alguns apoiados por liminares judiciais, teimem em pagar supervencimentos, em muitos casos mais do que o dobro do limite, pois o zelo com o dinheiro público nunca foi uma marca dos gestores públicos. Estranho mesmo é a falta de ações judiciais que visem barrar essa farra de forma definitiva. Não se tem conhecimento de que a Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público e os Presidentes da República tenham apresentado Ações Diretas de Constitucionalidade ou tomado outras medidas judiciais, como não se sabe de posicionamento contrário dos respectivos Tribunais de Contas.
Perguntas que poderiam ser formuladas aos ministros do Supremo Tribunal Federal e aos demais operadores do Direito: uma Constituição Originária tem poder absoluto? A Carta Maior brasileira prevê um teto para os vencimentos/subsídios dos servidores? Essa norma é autoaplicável? Está explícito que não deve ser alegado direito adquirido? Por que não se aplica o teto constitucional desde 1988? Eis a grande questão.
Há respaldo jurídico a resguardar o dinheiro recebido flagrantemente contra ao que determina a Constituição? A boa-fé salvará a todos de devolver um centavo sequer; a "má-fé" fica por conta do pagamento pela administração pública. Para o ressarcimento aos cofres públicos não se aplica o mesmo princípio da boa-fé.
Pedro Cardoso da Costa – Interlagos/SP
Bacharel em direito
Nenhum comentário:
Postar um comentário