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terça-feira, 25 de março de 2014

A caramboleira


Eu pensava que estava no Éden, mas não; estava embaixo de um pé de
carambolas. Que coisa linda! Você já se sentou sob uma caramboleira?
Quando olhei para o chão, lá estavam elas, madurinhas, caídas do pé, todas
amarelinhas. Não conseguia acreditar que estava com tanta sorte. Sentar
bem ali, quando o clube é tão grande... Sombra fresquinha, tranquilidade,
e a companhia dos passarinhos que ora vinham para cantar ora para saciar a
fome. Evidentemente não resisti e acabei experimentando uma. Aquele
gostinho azedo e doce misturado. Tudo divino. Acho que viajei por alguns
instantes. Olhei para cima, e o pé estava literalmente carregado de
carambolas. Pelo ar, sentia-se o perfume da fruta. Cheiro da infância que
os anos não trazem mais.
Nunca havia reparado que as carambolas se aglomeram em pencas. Havia
dezenas delas, repletas de frutos. Davam a ideia de uma grande família.
Umas bem maduras, outras amadurecendo, algumas verdes ainda. Inevitável
não compará-las à nossa vida. Olhando para cima eu via famílias inteiras,
unidas e, paulatinamente com o amadurecimento, o desprendimento de algum
fruto.
Quando alguém se vai, fica uma lacuna no espaço que ocupava em nossa vida.
Olhamos em volta e nada vemos, pois essa pessoa já não se encontra no
mesmo lugar de antes. Ocupa local diverso, que muitas vezes não
conseguimos imaginar, pois simplesmente não enxergamos. Olhem as
carambolas. Num momento estão todas juntinhas, lá na copa da árvore, e, de
repente, uma delas se desprende. Cai ao solo. Sai do campo de visão das
outras carambolas. Ela não deixou de existir, apenas não está mais junto
dos seus. Em contato com a terra se transforma, desindividualiza-se,
assume novas características. Ela não desaparece; apenas se modifica.
Para os frutos que continuam no pé, surge a sensação de abandono, mas não
é isso em absoluto o que ocorreu. A vida tem o seu ciclo. Enquanto uma
carambola pende e cai, outra floresce, brota. A lembrança da que caiu nos
entristece e faz perceber que seguiremos o mesmo caminho. É impressionante
como com tantas lições ainda não aprendemos que temos de viver hoje, pois
é tudo o que temos. Olhar para trás deve servir apenas para evitar que
cometamos os mesmos erros; e olhar para frente deve assegurar que não nos
esqueçamos do principal: viver é amar e estar a serviço.
Despersonalizando-nos, somos húmus aos demais, e asseguramos a vida
eterna. Afinal, não é essa a função da carambola que caiu do pé: tornar-se
húmus e perpetuar-se através do serviço que presta às demais?
O que você faz? Chora a perda dos entes queridos ou agradece a Deus a
oportunidade que teve de partilhar momentos enquanto estavam todos no
mesmo galho? Existem muitas carambolas à sua volta neste mesmo instante.
Que tal voltar sua atenção para elas? Um dia todos nós feneceremos de
igual forma. Levaremos apenas a nós mesmos, nosso interior, e a satisfação
ou arrependimento pelas obras que praticamos. É sempre bom sermos
inteligentes, fazendo uma boa escolha. Ao cair do pé, teremos a certeza de
que cumprimos a nossa missão junto aos demais. Ninguém está livre de
grandes perdas, mas podemos enxergá-las sob uma ótica diferente. Com
certeza, doerão menos. E viva a caramboleira!
Maria Regina Canhos (e.mail: contato@mariaregina.com.br) é escritora.
      Acesse e divulgue o site da autora: www.mariaregina.com.br.

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