Professores da Universidade Estadual de Campinas rebatem declaração de Eduardo Giannetti, atual assessor econômico da presidenciável Marina Silva (PSB), que chamou instituição de “produto típico do regime militar” e defendeu que o ensino seja pago para os que podem arcar com as mensalidades; “o assessor liberal de Marina tem o discurso novo de um velho conhecido: o Estado mínimo”, responderam os professores
27 de Agosto de 2014 às 06:06
247 – Professores da Unicamp reagiram às recentes declarações de Eduardo Giannetti, atual assessor econômico da candidata à presidência, Marina Silva (PSB) sobre a instituição.
Segundo ele, a Unicamp é um “produto típico do regime militar”. Ele se referia à formação dos economistas da Universidade Estadual de Campinas, que tenderiam a defender a regulação da economia pelo Estado.
Ele defendeu ainda que o ensino seja pago nas universidades públicas aos estudantes que podem pagar, como “os que fizeram nível médio em escola particular”.
As declarações provocaram uma reação de professores da Unicamp, que saíram em defesa da instituição. Leia abaixo o texto:
Eduardo Giannetti e a intolerância de um liberal
Em evento organizado na última segunda-feira pela consultoria Empiricus (que vem se notabilizando pelo pessimismo militante e previsões sobre o “fim do Brasil”), o porta-voz econômico da candidatura do PSB afirmou: “A Unicamp é um produto típico do regime militar”. O professor Eduardo Giannetti é um intelectual sofisticado, filósofo e economista, assumidamente um liberal – que a princípio defende e respeita a pluralidade de pontos de vista. Nesse episódio, esteve mais próximo de gente bem menos refinada, como o blogueiro Rodrigo Constantino.
De acordo com o relato da Rede Brasil Atual, quando questionado sobre a formação dos economistas do governo, suas palavras foram: “O regime militar é culpado disso (…) um grupo que se fecha religiosamente em torno de um pensamento desconectado do mundo”.
Indo além, sacou da cartola um suposto seminário “em 1978” em que Celso Furtado teria sido desqualificado em Campinas, com suas ideias consideradas “de interesse da ‘burguesia’, enquanto a preocupação dos presentes ao encontro seria‘a luta de classes, o imperialismo’”. Como cereja do bolo, teria afirmado que “o bolchevismo não aparece em países democráticos”.
Salvo algum engano do repórter, lamentamos o tom e os termos. Mas antes de tudo não conseguimos compreender o raciocínio do especialista em ideias econômicas. A desqualificação que procura obstruir o debate vem baseada em desconhecimento da instituição que critica de forma rasteira.
Celso Furtado foi o ponto de partida das reflexões originais dos fundadores do instituto, é Doutor Honoris Causa por esta instituição e parece pouco provável que suas ideias tenham algum dia sido contestadas aqui com este nível de argumento. Nem por este lado. A propósito, falar em “bolchevismo” e recorrer a este suposto episódio levanta a dúvida sobre quem está de fato com a cabeça em décadas passadas.
A Unicamp foi um dos centros que aglutinou o pensamento crítico brasileiro durante o período militar. Assim como outros economistas hoje no campo liberal – como Edmar Bacha e Pedro Malan, por exemplo – seus professores discutiram rigorosamente o significado das opções econômicas da ditadura e denunciaram seu caráter excludente. Ao contrário de “fechamento”, o que marcou a instituição naquele período de pouca abertura para a contestação foi sempre a busca do debate público, a explicação da realidade brasileira e de seus problemas reais. E assim se manteve ao longo das décadas seguintes, em vários outros temas.
Se o conteúdo destas explicações hoje desagrada a quem não participou daquele debate, é outro problema. Discordamos de Giannetti e do discurso do “Estado que não cabe no PIB”, da privatização dos bancos públicos e da redução dos gastos sociais. Mas jamais vincularíamos suas ideias à falta de inteligência ou a motivações religiosas. Muito pelo contrário, são claros os interesses econômicos e financeiros a sustentar tais posicionamentos.
Além disso, a pluralidade política dos economistas da Unicamp desautoriza qualquer generalização ou associação direta. No instituto estudou a presidenta da República, mas também quadros que serviram a outros governos antes de 2003. São professores da casa o atual presidente do BNDES e o ministro da Casa Civil, mas também tiveram grande importância em sua história José Serra e Paulo Renato Costa Souza.
Do ponto de vista teórico, o curso de Economia, conhecido por apresentar Marx e Keynes a seus alunos, também estuda obviamente Hayek, Friedman e seus discípulos mais recentes. A existência de um eixo teórico que organiza o curso não significa bloqueio ou desconhecimento de outras abordagens.
Quem faz isso, aliás, é a maioria das escolas convencionais de economia, em atitude muito questionada nos últimos tempos. Se estar “conectado” significa este tipo de postura, agradecemos mas rejeitamos o conselho.
No final das contas, a caricatura geralmente feita dos economistas da Unicamp revela uma vontade de reinar sozinho em um debate onde só há uma alternativa, a do liberalismo econômico. E que todos que pensem diferentes sejam desqualificados. A “nova política”, no caso específico da política econômica, tem como ingrediente principal um velho conhecido: o Estado Mínimo.
Luiz Gonzaga Belluzzo
Ricardo de Medeiros Carneiro
André Biancarelli
Pedro Rossi
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