Com os trabalhos da Comissão Nacional da Memória, Verdade e Justiça prestes a se concluírem, o escritor Agassiz Almeida, com apoio das entidades defensoras dos direitos humanos, encaminhou esta mensagem aos comandantes das Forças Armadas.
Agassiz Almeida: peçam desculpas à nação.
O que nos leva a esta mensagem em que expresso a posição de várias entidades defensoras dos direitos humanos? Por décadas, esta interrogação angustia o povo brasileiro. Por que em todos os países, como Portugal, Chile, Argentina, Grécia os torturadores e genocidas foram arrastados às barras da Justiça e no Brasil, não? O que responde o corporativismo? Houve anistia e uma guerra suja. Que anistia emanada de um Congresso castrado! Que guerra suja! Algumas centenas de delirantes jovens frente a um milhão de homens armados.
Quem eram aqueles resistentes nascidos nos chãos da Latino-América? Carregavam a obsessão dos místicos, a magia dos utópicos e o heroísmo dos revolucionários.
Para o encontro da verdade com a História o que espera o povo brasileiro das suas Forças Armadas? Abram os arquivos do terror e apontem os nomes daqueles que, à sombra do poder, se desandaram em crimes monstruosos.
Quem nos julgará hoje e amanhã, comandantes? A História. Instituições e homens carregam erros e deformidades. O que objetiva o povo brasileiro, por meio da Comissão Nacional da Memória, Verdade e Justiça? Conhecer os acontecimentos daquele período sombrio (1964/85), em que circunstâncias se desfecharam e os nomes dos personagens. Em todos os tempos, o homem sempre lutou contra a besta humana. Certos tipos carregam um Roubaud (personagem de “A besta humana”, de Émile Zola).
Olhemos os militares sul-americanos a partir do século XIX, especialmente o exército e a marinha do Brasil. O caudilhismo, sob o bafejo de um militarismo cego, despedaçou os ideais de Simón Bolívar, e retaliou a América hispânica em várias republiquetas. Numa grandeza de patriotismo as forças do exército e da marinha do país defenderam a unidade da nacionalidade com a salvaguarda da vastidão do território pátrio.
Em traços rápidos, conceituemos o exército do país cuja postura se firmou naquela e nestas passagens históricas: não se fez capitão do mato de escravos fugitivos, no martirológio dos 18 do Forte de Copacabana, na Revolução de 30, na Força Expansionista contra o nazismo nos chãos da Itália, não se atrelou à ambição norte-americana nas guerras da Coreia e do Vietnam.
Projetemos esta instituição armada nos anos de 1964 e nos dias atuais. Que contraste face àqueles momentos históricos. Embasado num fantasmagórico anticomunismo golpeou o regime democrático em 64 e implantou uma cruel ditadura por 21 anos. A partir de 1970, sob o tacão do ditador Médici uma diretriz estatal abominável adotou-se por estratégia do Pentágono e com alcance em toda a América Latina: institucionalizaram a tortura e o desaparecimento dos mortos. Sinistras ditaduras desabaram sobre os povos latino-americanos que iriam conhecer as suas noites de São Bartolomeu e de Auschwitz.
Rasgue-se o manto debaixo do qual se obscurece a verdade.
O Brasil fez-se signatário de tratados e convenções em defesa dos direitos humanos e projeta-se “tempora ad temporam”. Nós somos apenas meros passageiros do carrilhão da vida.
Comandantes, engrandeçam a nossa história com o gesto das desculpas à nação brasileira! Que dimensão patriótica nesta atitude! Constantino, imperador romano do século IV, desculpou-se pelas atrocidades contra os cristãos; Napoleão, vencedor de memoráveis batalhas, desculpou-se pelo massacre de Lyon, na França, comandado por Fouché; Brasil e EUA se desculparam perante os povos africanos pelas infâmias da escravidão; o papa Bento XVI se desculpou ante o mundo pelos crimes de pedofilia praticados por sacerdotes da Igreja Católica.
O gesto das desculpas encerra duas grandezas: o magnânimo em reconhecer a energia e a coragem dos intimoratos compatriotas que resistiram à ditadura e ao poder das armas, e sob outro aspecto, uma visão superior e compreensiva do mundo.
Apequena-se quem desconhece os instantes da história como estes: o heroísmo dos 300 combatentes das Termópilas há mais de 2.000 anos; o martirológio juvenil dos imolados do Araguaia, o destemor épico daqueles que lutaram contra as ditaduras. Mais grave do que o crime é o silêncio, debaixo do qual se encobrem os criminosos; a ambos transcende este fato: negar ao povo brasileiro o direito de conhecer como os delitos ocorreram e os nomes dos personagens que os praticaram.
Encerre-se esta mensagem, e que estas palavras ecoem na consciência da nação.
Comandantes, cesse tudo o que um dia eclodiu em ódio e resistência, erga-se o gesto que dimensiona esta grandeza, sob o signo pax ad infinitum: PEÇAM DESCULPAS À NAÇÃO BRASILEIRA.
Saudações histórico-democráticas
Agassiz Almeida
Obs. Agassiz Almeida é escritor, ativista dos direitos humanos, como deputado federal constituinte apresentou emendas entre as quais a que cria o Ministério da Defesa e tipifica a tortura como crime de lesa-humanidade. Autor de obras clássicas sobre o elitismo e o militarismo. É considerado pela crítica como um dos grandes ensaístas do país. (Dados colhidos no Wikipédia).
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