Charles Alcântara, que seria candidato da Rede Sustentabilidade ao governo do Pará caso o partido tivesse sido registrado no TSE, afirma ter sido levado pelo "sopro inspirador" de Marina Silva a apoiar a candidatura do PSB, mas que desde que se tornou candidata, suas declarações "foram em direção aos mercados"; ele diz considerar uma "fraude a pregação de que todos os interesses e todas as forças políticas podem ser conciliados sem conflitos" e constata: "Não, Marina, não posso acompanhá-la nessa jornada"
3 de Setembro de 2014 às 15:22
247 - Líder da Rede Sustentabilidade no Pará e candidato natural do partido caso ele tivesse sido registrado no TSE, Charles Alcântara declara que não votará mais em Marina Silva, com quem disse já ter tido "boas conversas" e de quem escutou "muita generosidade e sabedoria". Alcântara conta ter sido levado pelo "sopro inspirador" da ex-senadora a apoiar a candidatura de Eduardo Campos, do PSB, mas que "até o presente momento, desde que se tornou candidata presidencial, as declarações mais explícitas e compreensíveis de Marina Silva foram em direção aos mercados, em especial o financeiro".
Ele ressalta os "custos sociais" do "tal tripé macroeconômico" que prega a candidata: "menos recursos públicos para as áreas sociais; arrocho salarial e ameaça de mais desemprego". E afirma considerar "uma fraude a pregação de que todos os interesses e todas as forças políticas podem ser conciliados sem conflitos e sem escolhas que desatendam e contrariem os que sempre se beneficiaram da desigualdade em favor dos que sempre foram as vítimas dessa mesma desigualdade". O líder da Rede constata, em texto publicado no Facebook: "Não, Marina, não posso acompanhá-la nessa jornada, apesar que querê-la bem".
Leia a íntegra:
Há virtudes no velho, como há vícios no novo.
Imerso em minhas reflexões sobre a conjuntura político-eleitoral, decidi agora abandonar o recesso que me impus desde o meu afastamento da coordenação nacional da Rede, que se deu quando esta embarcou provisoriamente no PSB.
Também fui - e ainda estou - tocado pela ideia de que o exercício da política precisa ser radicalmente mais democrático e de que os partidos políticos, tal como funcionam, tomam suas decisões e disputam o poder, precisam reinventar-se porque se tornaram instituições anacrônicas e voltadas para si mesmas.
Somado a isso, fui atraído pelo magnetismo de um novo (chamemos assim) campo político sob a liderança de Marina Silva, a quem admiro e respeito por sua história e trajetória e também por atributos que andam em falta na seara política.
Levado pelo sopro inspirador de Marina e pela concordância quanto à saturação e inutilidade para o Brasil da polarização entre PT e PSDB, inclinei-me a apoiar Eduardo Campos - malgrado minhas críticas em relação à aliança PSB/Rede - quando veio o fatídico acontecimento que lhe ceifou a vida.
Até o presente momento, desde que se tornou candidata presidencial, as declarações mais explícitas e compreensíveis de Marina Silva foram em direção aos mercados, em especial o financeiro. Os que vivem da especulação financeira e que faturam bilhões com a dívida pública brasileira estão eufóricos com as declarações de Marina, reveladoras de uma crença quase religiosa nos fundamentos mais caros ao velho receituário neoliberal, fundamentos estes que colocam no centro das preocupações e da ação estatal os interesses do mercado e na periferia os interesses da sociedade brasileira, com o cínico argumento de que esses interesses são convergentes - e, mais ainda - que os interesses da sociedade tendem a ser satisfeitos se o mercado estiver satisfeito.
Institucionalização da autonomia do banco central e obediência incondicional ao tripé macroeconômico neoliberal são os compromissos mais enfáticos que Marina oferece aos brasileiros para acabar com a velha política e para mudar o Brasil.
Se não em nome de uma nova política (até porque se trata da velha solução neoliberal), mas ao menos em razão das virtudes próprias de sua formação religiosa, Marina tinha e tem o dever de dizer ao povo brasileiro as prováveis consequências de seu programa econômico.
Marina dá sinais de conversão ao fundamentalismo neoliberal como sinônimo de desenvolvimento, estabilidade econômica e inflação baixa, como se os índices inflacionários pudessem ser combatidos com a mera alta dos juros; como se a inflação no último período do governo de FHC - de fidelidade canina à sacrossanta fórmula neoliberal - não tenha sido ainda maior que a verificada nos dias atuais; como se o maior e mais indecente gasto público não fosse exatamente o pagamento de juros da dívida pública.
Pouco importa para os agentes de mercado os custos sociais do tal tripé macroeconômico: menos recursos públicos para as áreas sociais; arrocho salarial e ameaça de mais desemprego.
O tal tripé macroeconômico é uma boa maneira de manter os lucros do mercado financeiro de pé e o Brasil socialmente manco.
Não, Marina, não posso acompanhá-la nessa jornada, apesar que querê-la bem; apesar de admirá-la; apesar de considerá-la uma pessoa de bem e de bons propósitos.
Não posso acompanhá-la, porque o faria por mera crença nos seus bons propósitos e no seu carisma pessoal e porque isto é absolutamente insuficiente para considerá-la a melhor alternativa para o Brasil, principalmente depois do caminho que escolheste trilhar.
Não vou acompanhá-la porque considero uma fraude a pregação de que todos os interesses e todas as forças políticas podem ser conciliados sem conflitos e sem escolhas que desatendam e contrariem os que sempre se beneficiaram da desigualdade em favor dos que sempre foram as vítimas dessa mesma desigualdade.
Conheço pessoalmente Marina, com ela tive boas conversas e dela escutei muita generosidade e sabedoria.
Marina está crescendo nas pesquisas eleitorais e pode vir a comandar a República Federativa do Brasil; momento propício, portanto, para eu declarar a minha posição, que o faço baseado num conselho que escutei da própria Marina de que a boa (nova) política não se deve alicerçar no carisma pessoal.
Outra lição que aprendi com Marina é que muitas vezes é preferível perder ganhando a ganhar perdendo.
Resolvi, então, seguir os conselhos de Marina, não a apoiando nestas eleições, por convicção de que a sua candidatura não está oferecendo ao Brasil um caminho alternativo.
Votar por convicção, penso, é uma das coisas tradicionais da velha e boa política (sim, porque também há virtudes no velho e há vícios no novo) que eu não me disponho a abrir mão.
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