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sexta-feira, 1 de julho de 2011

Olhar para ver e ouvir para escutar

Faz algum tempo, li uma entrevista em que uma famosa atriz de televisão dizia ter tomado conhecimento que seu filho estava envolvido com drogas somente após quatro anos de uso. Lembro-me de ter ficado chocada na época. Uma década depois, continuo perplexa com essa situação, analisando como é possível viver ao lado de alguém sem olhar para os seus olhos ou ouvir suas estórias. Isso é algo muito sério.

Por incrível que pareça, esse quadro está se repetindo nos dias de hoje com mais frequência. Os pais não veem, não ouvem, não percebem nada que possa desalinhar a ideia de família perfeita. Eles sentem que algo não vai bem, mas preferem ignorar a sensação de incômodo que, volta e meia, insiste em cutucar. Costuma ser complicado olhar para as lacunas da educação decorrentes do comodismo, ou justificadas pela ausência de tempo. A família risonha agora chora. É tarde demais para evitar o que já aconteceu.

Ira, indignação, raiva, culpa, tudo junto. Uma miscelânea de sentimentos ora insuportáveis de administrar. “Onde foi que erramos? O que aconteceu? Em que momento fomos abalroados pelas exigências sociais e de trabalho descuidando do principal? Nossa família deveria ser prioridade, mas estávamos tão ocupados com outras coisas. Nem percebemos que aquelas companhias poderiam não ser as melhores para os nossos filhos. Bem que sentimos algo estranho, mas preferimos não pensar bobagens, afinal, isso não iria acontecer justamente conosco.

Sem querer, deixamos de olhar nos olhos de nossos filhos, e já não ouvíamos suas estórias mirabolantes, por considerá-las fantasiosas demais. Se ficavam trancados no quarto ou no banheiro, tudo bem; entendíamos como a necessária privacidade. Não perguntávamos com frequência para onde iam, pois não queríamos passar a ideia de pais inseguros ou desconfiados. Sempre que dormiam fora, acreditávamos no que diziam, e nunca fomos checar se estavam sendo sinceros; afinal, bons filhos não mentem para seus bons pais.

Quando a verdade finalmente veio à tona de forma irrefutável, nossa casa caiu! A sensação de fracasso quase nos esmagou, e demoramos em admitir que já havíamos intuído algumas possibilidades, agora concretas. Talvez, se tivéssemos verdadeiramente olhado nos olhos de nossos filhos, teríamos visto o distanciamento que o tempo nos havia imposto. Se tivéssemos lhes dado ouvidos, escutaríamos seus pedidos de socorro, ainda que através das costumeiras brincadeiras e gozações, pois, ainda hoje, assim se dizem grandes verdades. Bem, mas a vida caminha para frente, e nós decidimos que a partir de agora vamos olhar para ver e ouvir para escutar. Ninguém muda o passado, mas com uma nova postura podemos mudar o presente, e assegurar um futuro melhor.” Quem tiver olhos – veja! Quem tiver ouvidos – ouça!

Maria Regina Canhos Vicentin (e.mail: contato@mariaregina.com.br) é escritora

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