Por Xico Graziano*
Uma variável fundamental reside no crescimento da população. A crise ecológica que afeta o mundo somente passou a se manifestar quando os seres humanos ultrapassaram certo limite na pressão sobre os recursos naturais do planeta. Assim nasceu o conceito da pegada ecológica.
Seu cálculo determina a extensão do território – em terra e no mar – necessária para sustentar uma pessoa, ou a sociedade, considerando o nível de tecnologia e o modo de vida. Calculado em hectares, o seu valor permite avaliar a sustentabilidade da civilização.
Os dados da Global Footprint Network, entidade que propôs originalmente a ideia, indicam que a pegada ecológica global atingiu 2,7 hectares por pessoa (2007). Multiplicando esse valor pela população mundial, resulta em 18,1 bilhões de hectares. Esta seria a área necessária para sustentar a demanda, ambientalmente falando, da sociedade global.
Acontece que a disponibilidade biologicamente produtiva no mundo soma 13,4 bilhões de hectares. Ou seja, a pegada ecológica da humanidade já ultrapassou a capacidade de suporte do planeta Terra em 35%. Das duas, uma: ou se modifica o modo de vida, tornando-o menos perdulário da natureza, ou se reduz a população humana. A primeira providência será dificílima; a segunda, quase impossível.
Vale o raciocínio: o nível de consumo médio da sociedade global estabelece uma pressão sobre os recursos naturais capaz de sustentar, no máximo, cinco bilhões de habitantes. Mas a população mundial, conforme estima a Organização das Nações Unidas (ONU), deverá atingir nove bilhões de pessoas próximo de 2050. O colapso da sociedade, portanto, somente será evitado com a alteração do padrão civilizatório.
É bem verdade que essa trajetória rumo ao mundo sustentável vai afetar desigualmente as nações. Os países ricos detêm 20% da população mundial, mas consomem 80% dos recursos naturais do planeta. Mais populosos, os países em desenvolvimento lutam para escapar da miséria e atingir o invejado modo de vida dos povos ricos, europeus ou norte-americanos. É trágico perceber que dificilmente essa hora chegará para eles.
Mesmo com as esperadas inovações tecnológicas, que possivelmente elevarão a oferta de energia limpa, entre outros ganhos ambientais, é inimaginável supor que a totalidade da população humana possa vir a manter, no futuro próximo, um padrão de vida semelhante ao dos ricos de hoje. Um azar histórico se configura.
A visão antecipada da tragédia poderá ser, por outro lado, a sorte da humanidade. Decisões políticas, locais e globais, chegarão para consignar a mudança civilizatória. Esse necessário adeus ao sonho de consumo ocidental, entretanto, atormenta a imaginação. Como estaremos vivendo no final deste século?
Ninguém sabe direito. A incerta trajetória rumo ao mundo sustentável trabalha com raciocínios utópicos: novas tecnologias se combinarão com profundas mudanças culturais; os desejos de consumo e as expectativas de vida ter-se-ão modificado; os direitos e os deveres incluirão normas da sociedade global; a educação ambiental prevalecerá. Haverá harmonia entre homem e natureza.
Na dura realidade, para ser bem resolvida, a equação sustentável dependerá do sucesso de uma variante fundamental: a segurança alimentar. Aqui o problema fica mais complexo. A necessidade crescente da produção de alimentos vai elevar a pressão sobre o território natural.
A alimentação humana navega no fio da navalha. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que a demanda mundial por alimentos cresça entre 70% e 100% até 2050, bem acima do aumento populacional. Isso porque a urbanização e a melhoria da renda familiar nas economias em desenvolvimento exigem mais proteína na mesa das pessoas. China e Índia que o digam.
É certo que a capacidade produtiva da agropecuária venceu, por enquanto, a disputa com a população. Todos reconhecem que tal êxito se deve à fantástica evolução tecnológica combinada com a queda na taxa de natalidade. Ponto pacífico.
Houve, porém, um terceiro fator decisivo: a farta disponibilidade de terras virgens. Nos últimos 200 anos, desde que Malthus publicou seu famoso ensaio sobre a população, o desmatamento progressivo de imensos territórios garantiu a expansão da base produtiva rural. Não faltou comida.
É dramático perceber que o processo exploratório sobre a natureza bruta se esgota. Anda no limite a capacidade da agricultura norte-americana e europeia, tanto quanto na China, Índia e Austrália. Pior: milhões de hectares de terras produtivas sofrem com a salinização, o rebaixamento do lençol freático e a desertificação.
Conclusão: será cada vez maior o esforço para aumentar a produção de alimentos. Por outro lado, a pressão ambientalista requer novas áreas protegidas, em nome da biodiversidade planetária. No passado, o desmatamento corria solto. Hoje, é inaceitável na opinião pública.
Comete crasso erro de análise quem invocar o velho dilema malthusiano como desculpa para a inércia. O desafio alimentar que a humanidade enfrenta agora surge em outro patamar. A inédita demanda proteica, puxada pela queda progressiva da pobreza mundial, ocorre em tempos de reclamo preservacionista. Sinuca de bico.
Torna-se ridículo, nesse complexo cenário, verificar as querelas egoístas e sectárias entre ambientalistas e ruralistas, que brigam pelo Código Florestal olhando o próprio umbigo. Para vencer o grande desafio da humanidade, em vez de inimigos, necessariamente eles terão de se irmanar.
* Xico Graziano é ex-secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo, é engenheiro agrônomo, mestre em Economia Rural e doutor em Administração.
** Publicado originalmente no site EcoD.
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