"O Brasil está adotando posturas de alinhamento automático com os EUA a despeito de cálculos estratégicos e pragmáticos", diz Ariane Roder, professora do Instituto Coppead de Administração da UFRJ. Para ela, os danos nas relações comerciais e na imagem do Brasil em nível internacional "levarão décadas para serem revertidos"
9 de março de 2020, 12:15 h Atualizado em 9 de março de 2020, 14:33
Donald Trump e Jair Bolsonaro (Foto: Alan Santos/PR)
No sábado (7), os presidentes de Brasil e Estados Unidos se reuniram para um jantar na Flórida. A Sputnik Brasil conversou neste domingo (8) sobre os desdobramentos do encontro com a pesquisadora Ariane Roder, especialista em Relações Internacionais da UFRJ.
Esse foi o quarto encontro entre Jair Bolsonaro e Donald Trump desde que Bolsonaro assumiu a Presidência, em janeiro de 2019. O presidente brasileiro tem desde o início de sua gestão demonstrado uma postura de alinhamento aos EUA, apostando no apoio às políticas de Donald Trump em relação a diversas questões, como a Venezuela e o Oriente Médio.
A visita de Bolsonaro aos EUA terá duração de quatro dias. Em nota, a Casa Branca afirmou que o encontro busca discutir uma aliança estratégica entre os países, sinaliza o início de conversas sobre acordos bilaterais na área militar e de comércio e reitera o apoio à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Para Ariane Roder, professora do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apesar de poucos anúncios pragmáticos, politicamente, Trump se aproximou de Bolsonaro.
"O que a gente tem até o momento é uma sinalização positiva do Trump em relação ao Bolsonaro do ponto de vista discursivo falando dessa relação harmoniosa que Brasil e Estados Unidos têm desenvolvido nesse governo", afirma a Roder em entrevista à Sputnik Brasil.
Entre as questões discutidas, a professora da UFRJ destacou que os EUA seguem tentando impedir a entrada da tecnologia 5G da China no Brasil, o que pode ser uma condição para a assinatura de futuros acordos e demonstra a contínua imposição dos interesses dos EUA na relação com Brasília.
"Por enquanto poucos foram os resultados práticos, objetivos. O que se tem é mais um resultado no plano discursivo de um alinhamento bastante afinado entre os dois presidentes e, por parte do Bolsonaro, mais até do que do próprio Trump, a questão de um alinhamento bastante automático por parte do Brasil em relação aos Estados Unidos", afirma.
Nesse sentido, a professora acredita que não houve mudança na postura de alinhamento do Brasil em relação aos EUA, e cita diversas concessões realizadas pelo governo brasileiro a Washington ao longo do governo Bolsonaro. Entre tais concessões e mudanças de postura do Brasil, Roder cita a liberação de vistos para norte-americanos, o acordo sobre a base de Alcântara e o apoio às posições dos EUA sobre a Venezuela, Bolívia e também no Oriente Médio.
Apesar disso, a professora reitera que há uma diferença de poder entre os países e que não se espera que haja acordos bilaterais com concessões mútuas de igual proporção, uma vez que o Brasil não estaria em condições de fazer exigências muitos grandes. Mesmo assim, ela sente falta da busca de uma contrapartida dos EUA.
"Espera-se um pouco, espera-se uma tentativa, um pragmatismo nas negociações que vise algum tipo de construção. Então o que se tem visto nesses 15 meses de governo Bolsonaro são muitas concessões em troca de muito pouco", avalia.
Para a professora, a postura brasileira está causando danos de difícil reparação, como no caso do Oriente Médio. Isso porque historicamente a diplomacia brasileira costuma optar pela neutralidade e vinha se mostrando como possível mediador de conflitos.
"Acho que o Brasil está adotando posturas de alinhamento automático com os Estados Unidos a despeito de cálculos estratégicos e pragmáticos de como essa aliança pode trazer impactos negativos em relações comerciais, o efeito na imagem que o país tem no âmbito internacional e que construiu diplomaticamente. Acho que esses são os maiores danos diplomáticos que a gente para reverter isso vai demorar décadas", afirma.
Vantagens para o Brasil e eleição presidencial nos EUA
Ainda sobre a relação entre Trump e Bolsonaro, a professora alerta que o presidente norte-americano não tem se mostrado aberto a concessões que não atendam interesses dos EUA em primeiro lugar. "O Trump já demonstrou, até na relação com o Brasil, que em algum momento quando ele entende que não é vantajoso para os Estados Unidos alguma concessão, ele não faz. Não faz e critica duramente", aponta.
Dessa forma, a postura de Bolsonaro traria, segundo a professora Ariane Roder, mais vantagens políticas para o próprio presidente, do que vantagens práticas para o Brasil.
"Existe por parte dessa cúpula bolsonarista a intenção de que essas estratégias de manutenção da política doméstica, ou de própria manutenção da sua base, estejam afinadas com as estratégias do Trump. Então, nesse sentido, para efeitos de governo - governo Bolsonaro e o que ele pode capitanear em cima dessas estratégias - aí eu vejo como um fator positivo", observa a professora da UFRJ.
A pesquisadora lembra, porém, que os EUA estão em ano de eleição e que a postura em relação a Washington pode mudar caso o resultado do pleito presidencial tire Donald Trump da Casa Branca.
"Vai ser interessante a gente observar, caso isso venha a ocorrer, se essa aliança preferencial com os Estados Unidos vai se manter nessa característica de subordinação ou se vai ser uma perspectiva mais pragmática", pondera.
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