Bruno Peron
Boas maneiras são um padrão de conduta que neutraliza conflitos potenciais. Elas estão no processo educativo e variam em função dos agentes educadores e da disposição de educar-se. Esta justifica as diferenças do significado de boas maneiras e por que estas eventualmente se entendem como más maneiras.
O gosto e o interesse relativizam o conceito de bom e ruim. O gosto determina a diversidade, enquanto o interesse motiva a ação segundo inclinações particulares. A preferência por alguns tipos de alimentos e vestimentas dá a indivíduos o prazer de digerir e portar aquilo que julguem de bom gosto.
Da mesma maneira que a noção de bom e ruim existe em todos os indivíduos, ela também se reproduz na sociedade através de certas práticas. Ela é notável nas interações sociais, relações de higiene e normas de conduta em cada país. Trata-se de seguimento de convenções do tipo não arrotar enquanto come em público, mastigar de boca fechada e não entrar sem camisa em restaurantes.
No entanto, boas maneiras não se confundem com boa educação.
Enquanto boas maneiras mostram-se mais consistentes como definidoras dos códigos de interação das pessoas em cada país, a noção de boa educação sofre contrastes em qualquer micromundo. Ainda dentro da mesma família ou escola, as pessoas educam-se (como ato voluntário) em níveis diferentes. O desempenho de estudantes é desigual, embora façam o mesmo curso; dois irmãos agem diferentemente, embora recebam as mesmas instruções em casa.
Forçar uma boa educação é um exercício de subjetividade desvairada. Alguém que não tenha tido oportunidade de frequentar escolas nem por isso deixará de ter boas maneiras; esta pessoa poderá surpreendentemente portar-se bem à mesa ou dar exemplos de cordialidade no recebimento de visitas em casa. Portanto, é um pouco mais fácil falar de boas maneiras que de boa educação.
Estabeleço uma comparação entre categorias de “civilização” e “barbárie”. Na “civilização”, as pessoas seguem um padrão de individualismo competitivo desconfiado. Um pedido de desculpas é uma breve sentença de distanciamento em vez de aproximação de quase-interlocutores. A troca de olhares é uma ofensa, enquanto o anonimato é regra de conduta. O direcionamento da palavra sem licença é uma invasão de privacidade. Prefiro as relações de “barbárie”.
O Estado brasileiro concentra seus investimentos educacionais nos extremos da escolaridade, ou seja, naqueles que estudam poucos anos e naqueles que se dedicam à formação em pós atrás de pós; por isso, não se tem estabelecido um meio-campo satisfatório. Nele estaria a maioria dos brasileiros, que alcançariam um nível médio de escolaridade que não os situe nem muito acima nem muito abaixo dos demais. Teríamos, assim, um país que forme para oportunidades.
A educação, porém, não depende só das condições políticas de um país, ideológicas de uma escola ou socioeconômicas de uma família. O processo educativo é um fogo que emana de uma faísca volitiva, um desejo de saber, uma paixão por situar-se bem na coletividade. Desta forma, a educação sempre será boa e dignificante, ainda que ela condicione seres que empreguem “más artes”.
Homem de “malas artes” (“más artes”, segundo a tradução do espanhol), Pedro Malasartes é um personagem tipicamente ibérico que teve boa aceitação em solo brasileiro. Embora a ele se faça referência desde o século XIII, inspirou o filme de Mazzaropi (As aventuras de Pedro Malasartes, 1960). Resta pouca dúvida de que Pedro Malasartes é um ser ficcional de má educação, astucioso, malandro e trapaceiro. Quanto às suas boas maneiras, já é outra história.
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