Menino lê o Corão em Kuala Lampur; aberto a interpretações, o livro sagrado dos muçulmanos gera controvérsias
Foto: AFP
- Daniel Favero
"No meu ponto de vista, há um problema do Ocidente nessa identificação de terrorismo e islamismo. Isso é uma questão política, que deveria ser trabalhada e discutida. Não é justo para o islamismo esse vínculo de terrorismo. O islã não é terrorista", diz a professora.
Para o professor de Ciência da Religião da (PUC-SP) Frank Usarski, especialista na religião islâmica, as autoridades religiosas se posicionam contra o terrorismo, mas a cultura islâmica, e suas sutilezas, como os motivos para o uso do véu, ainda são interpretadas de forma errada por culturas ocidentais. "A rejeição do terrorismo como algo anti-islâmico abrange geralmente alusões ao caráter pacifico do Islã, um aspecto já implícita na nomenclatura da religião cujas raízes etimológicas (= 's-l-m') apontam para um campo semântico que inclui também a palavra como salam = 'paz'", explica.
Segundo ele, diferente do que se pensa, o Corão não obriga as mulheres a vestirem a burqa - obrigatória em países mais ortodoxos -, mas cita apenas vestimenta que deve cobrir as partes do corpo da mulher. Os versículos que abordam a questão, no entanto, são vagos, e a interpretação é influenciada conforme os costumes regionais anteriores a chegada do islã. Segundo ele, a vestimenta era um sinal de status social e seu uso só foi sancionado pelo livro sagrado do islã, posteriormente.
A disposição de imigrantes em adotar símbolos da cultura islâmica em solo estrangeiro, conforme apontam estudos, pode ser explicada, segundo o professor, como uma tentativa de se integrar a um grupo. "A mesquita da minoria islâmica local atrai, pois lá podem ser encontrados outros indivíduos na mesma situação". Nesse contexto, o uso da burqa, afirma, pode ser interpretado de três formas distintas: como compromisso da retomada com uma vida religiosa mais rigorosa; sinal de pertencer a uma comunidade minoritária e fonte de identidade individual para a mulher geralmente excluída do processo de produção.
Violência no Corão
Usarski diz que existem três passagens no Corão sobre o uso da violência para fins religiosos: favorável, contrária e demarcada. "É importante ressaltar que todos estes versículos apontam para situações concretas na época de Maomé na busca de realização de seu projeto religioso contra a oposição de politeístas, cristãs e judeus da península arábica. Quem abstrai dessa contextualização e lê esses e ouros versículos literalmente encontra diversas justificativas potenciais para a violência contra não-muçulmanos".
A primeira passagem à violência é considerada inferior à virtudes como paciência e firmeza passiva. "Nesse sentido, a surata capítulo 5,2 diz, por exemplo: 'E que o ódio para com um povo, por haver-vos afastado da Mesquita Sagrada, não vos induza a agredir. E ajudai-vos, mutuamente, na bondade e na piedade. E não vos ajudais no pecado e na agressão'", cita.
A segunda passagem prega o contrário, o apelo à violência contra injustiça e descrença, diz Usarski ao citar trecho sobre o "combate aos que são combatidos, porque sofreram injustiça". "Algo semelhante encontra-se na 9ª surata, cujo versículo 25 diz: 'Com efeito, Allah socorreu-vos, em muitos campos de batalha'; e o versículo 29 acrescenta: 'Dentre aqueles, aos quais fora concedido o Livro, combatei os que não crêem em Allah nem o Derradeiro Dia, e não proíbem o que Allah e Seu Mensageiro proibiram, e não professam a verdadeira religião; combatei-os até que paguem al jizah (imposto para não-muçulmanos), com as próprias mãos, enquanto humilhados'".
Já a terceira passagem fala sobre a demarcação da violência para apenas em momentos de combate, explica Usarski. "E combatei, no caminho de Allah, os que vos combatem, e não cometais agressão. Por certo, Allah não ama os agressores. (2:190)", cita o professor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário