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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Um país sem defesa

A Europa havia acabado de entrar no verão de 1940 quando a Força Aérea Alemã iniciou uma gigantesca campanha de bombardeios a alvos civis britânicos, durante a II Guerra Mundial. As autoridades inglesas padronizaram então um conjunto de procedimentos para diminuir o número de mortes. O plano, que ficou conhecido como Defesa Passiva, atuava basicamente em três frentes: prevenção, alarme e socorro. Nascia assim o conceito moderno de Defesa Civil, até hoje usado como modelo para prevenção de catástrofes por vários governos em todo o mundo.

Infelizmente, setenta anos depois, o Sistema Nacional de Defesa Civil (Sindec) brasileiro ainda não consegue cumprir com eficiência a primeira e a segunda etapas, ou seja, prevenção e alarme. Sem mapas detalhados das áreas de risco, sem esclarecimento e treinamento da população e sem sistema eficiente de alertas preventivos, a Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec) se limita a entrar em campo depois da tragédia. Chega apenas para socorrer as milhares de vítimas que escaparam com vida e enterrar as centenas de corpos dos que não tiveram a mesma sorte.

Velhos vícios – As razões para a ineficiência do modelo são muitas, mas estão principalmente ligadas a dois dos piores vícios da máquina pública no Brasil: o apadrinhamento partidário no preenchimento de cargos e a destinação política de verbas.

Os sinais da inoperância estão por toda a parte. No mapeamento de áreas de risco, por exemplo, a Sedec levou quatro anos, entre 2004 e 2008, para mapear as áreas de risco em apenas 44 cidades – menos de 1% dos 5.560 municípios brasileiros. Destes, somente sete receberam efetivamente algum tipo de recurso para obras de prevenção a desastres. O Conselho Nacional de Defesa Civil (Condec), outra entidade do Sistema Nacional de Defesa Civil criado em 1988 para elaborar diretrizes, está há seis anos sem aprovar nenhuma resolução.

Estrutura e orçamento - Para não fazer o seu trabalho, a Sedec conta com 110 funcionários que ocupam um terço de um andar no prédio do Ministério da Integração Nacional. Tem um orçamento previsto de 133 milhões de reais para sua operação em 2011 e está estruturada em três departamentos:
  • Minimização de Desastres – seria o responsável pelos mapeamentos de áreas de risco, obras de prevenção e treinamento e esclarecimento da população para evacuação das áreas antes dos acidentes.
  • Articulação e Gestão – o grupo do alarme, responsável por articular a atuação conjunta das defesas civis estaduais e municipais nos planos de retirada da população antes das tragédias.
  • Reabilitação e Reconstrução – o único cujo trabalho aparece, todos os anos, para limpar a bagunça depois que os morros desabam e os rios transbordam.
Além dos departamentos, a Sedec ainda conta com o Serviço de Protocolo e Apoio Administrativo e com os dados do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad). Este último, equipado com um sistema informatizado de geoprocessamento de dados obtidos por satélites, é o responsável por monitorar e alertar sobre a ocorrência de eventos climáticos excepcionais como as chuvas que castigaram o Rio há 10 dias. O alerta até sai. O problema, é servir para alguma coisa.
“Os institutos de meteorologia, juntamente com todos os que conseguem calcular o nível de rios, oceanos e outras medidas que possam resultar em catástrofes, precisam estar aptos a passar o alerta de emergência”, explica João Willy Rosa, professor de Geociências da Universidade de Brasília (UnB). “Na outra ponta, os responsáveis pela Defesa Civil precisam estar aptos a receber esse alerta para agir corretamente em cada caso, em todos os estados e municípios.”
Salvos raras exceções , os alertas emitidos, em geral, se perdem nos caminhos burocráticos, na falta de treinamento para intervenções pré-estabelecidas, e não chegam a tempo às áreas de risco. Estão aí para provar os 765 mortos e mais de 13.000 desabrigados nas cidades serranas do Rio. Para entender melhor os passos dessa tragédia anunciada, é bom voltar ao dia 9 de janeiro.

Nessa data, três dias antes da catástrofe, as chuvas anormais na região Sudeste do Brasil começaram a ser detectadas pelos satélites da Nasa (Agência Espacial Americana) e do Instituto Nacional de Metereologia (Inmet). Em 11 de janeiro, por volta das 16h30, o Inmet disparou o aviso metereológico especial que apontava "acúmulo significativo de chuva em TODO o estado do Rio de Janeiro". As prefeituras da Região Serrana do Rio confirmam o recebimento do alerta. Que destino deram à informação? Nenhum.

“A Defesa Civil ainda carece da criação de uma linha de comando integrada para que esses alertas seja transmitidos com eficiência”, diz João Willy Rosa. Para a professora Ana Ávila, do Centro de Pesquisas Metereológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Unicamp (Cepagre), falta estrutura “em todos os aspectos para a emissão de alerta no Brasil”.

Pedido de socorro – Depois do desastre na Serra Fluminense, o Cenad vai ganhar mais um supercomputador, avaliado em 50 milhões de reais, e uma rede de radares meteorológicos mais avançada. Sozinhos, porém, esses investimentos não garantem uma prevenção melhor, pois não resolvem o problema da cadeia de emissão do alarme.
Manoel Marques

Um dos maiores entraves de todo o sistema, como admite o próprio governo, é a falta de estrutura nas cidades. O secretário nacional de Defesa Civil, Humberto Viana, afirmou nesta semana que apenas 426 dos 5.565 municípios brasileiros têm Defesa Civil.

A gestão de recursos repassados pelo governo federal a estados e municípios é outro problema. Dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM) dão conta de que, em média, somente 10% das cidades brasileiras tiveram gastos com ações de Defesa Civil nos últimos cinco anos. Isso num país que tem, segundo os mapeamentos deficientes do governo, pelo menos 5 milhões de pessoas morando em 800 áreas de risco – 500 para deslizamento e outras 300 para inundações.

fonte e artigo completo em  http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/um-pais-sem-defesa

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