Da Folha, por Wilson Gomes
A defensora pública Vera Ximenes Ponte, 62 anos, foi brutalmente assassinada ontem à noite, por volta das 19h, na casa onde morava, na travessa 14 de Abril, bairro de São Brás.
O funcionário que trabalha num escritório próximo à residência da vítima foi quem encontrou o corpo. Ele contou que foi até a casa da defensora e tocou a campainha duas vezes, mesmo vendo que o portão da frente e a porta de madeira que dá acesso à casa estavam abertos. "Estranhei, porque ela não deixa o portão aberto. Então voltei para o escritório para chamar um amigo para entrarmos na casa", contou. Ele disse ainda que ao empurrar a porta entreaberta, ambos se depararam com o corpo no chão do corredor. Em seguida chamaram a polícia.
Policiais militares isolaram a área e peritos do "Renato Chaves" realizaram o levantamento do local. O diretor do Instituto de Criminalística, Vamilton Albuquerque, disse que "a dona Vera estava no piso, amordaçada com uma blusa de cor laranja e com os pés amarrados com fios de punho de rede. Gavetas e armários foram encontrados abertos". O encaminhamento da perícia, segundo ele, aponta para crime de latrocínio. "Acredita-se que não houve luta corporal e sim uma busca incessante por objetos ou dinheiro", afirmou Albuquerque, explicando que "o criminoso primeiramente amordaçou a vítima, em seguida a matou, e depois amarrou os pés".
Segundo o médico legista Cleiton Baeta, informações preliminares apontam estrangulamento como causa da morte, possivelmente realizada quando a vítima já estava imobilizada no chão, e de costas para o criminoso. O médico informou ainda que Vera enfartou durante a ação criminosa. Vários exames foram solicitados, dentre eles o DNA de três pêlos encontrados na mão direta da vítima. Caixas, pastas e impressoras foram apreendidas e serão periciadas para coleta de impressão digital. A perícia vai solicitar ainda a gravação das câmeras do prédio ao lado.
Câmeras podem ter registrado o crime
Vera Ximenes foi comprar pão entre 18h e 18h15, em uma panificadora localizada na esquina da avenida Gentil Bittencourt com 14 de Março, de onde voltou para casa, supostamente andando sozinha, de sombrinha, pois chovia naquela hora. O delegado Robério Pinheiro, da Seccional de São Brás, disse que a informação é de que ela era extremamente cuidadosa. A hipótese de que o assassino seja uma pessoa conhecida ou de confiança da vítima não foi descartada.
Gravações de câmeras de segurança de dois prédios próximos podem colaborar nas investigações, esclarecendo se Vera voltou da padaria para casa sozinha ou acompanhada, ou, ainda, se foi abordada na porta de sua residência. Pelo menos uma câmera pode ser chave nesse processo, pois está posicionada em direção à entrada da casa da defensora pública.
No imóvel existe uma porta dos fundos, mas estava trancada. Acredita-se que o autor do crime tenha saído pelo portão da frente. "A perícia foi feita. Tudo indica que foi latrocínio", disse o delegado, que vai solicitar as gravações das câmeras. O corpo foi removido ao Instituto Médico Legal (IML) onde foi necropsiado durante a madrugada de hoje. Ximenes está sendo velada na Capela 3 do Recanto da Saudade, na Beneficente Portuguesa. A família informou que o sepultamento será em Fortaleza.
CARÁTER - "Senhor, abençoe quem entrar nesta casa. Protegei quem fica e dai paz a quem sair". Essa frase, inscrita em um quadro de tecido na porta da casa da vítima caracteriza, segundo os vizinhos, o caráter de Vera. A vizinhança também ficou bastante abalada diante do crime. Uma das vizinhas contou que a defensora esteve por volta das 7h de ontem na casa dela, onde passou para tomar café. Nos relatos, os vizinhos contaram que a defensora pública era bastante conhecida e costumava parar para conversar com as pessoas.
24 anos na defesa dos mais humildes
Vera Ximenes trabalhava há 24 anos na Defensoria Pública, onde ingressou em 1984. Antes da carreira jurídica, Ximenes trabalhou como alfabetizadora do Estado. Um dos irmãos da vítima é o professor da Universidade Federal do Pará, Romero Ximenes, que também já foi reitor da instituição. Ele disse que o último contato com a irmã foi há cerca de uma semana. "O trabalho dela era defender as pessoas mais humildes. É a situação geral de violência generalizada. Você vai à padaria da esquina, e vai morrendo de medo. Qualquer pessoa está exposta a todo tipo de violência. A sociedade perdeu seus parâmetros. É uma sociedade da desesperança. Nada tem valor. Nem a vida, nada. Agora não tem um lugar menos violento na cidade", disse.
Natural do Estado do Ceará, Vera Ximenes chegou ao Pará há 40 anos. Possuia mais onze irmãos, dos quais três moram em Belém, e os demais em Fortaleza. Na Defensoria, Vera trabalhava com processos de ameaças, lesão corporal e delitos de pequeno potencial ofensivo e teve papel fundamental em vários casos, inclusive em situações de assalto com refém no bairro do Jurunas há alguns anos. Ela morava só. O coordenador criminal da Defensoria Pública, Manoel Figueiredo, disse que "Vera não tinha inimigos. Todo mundo gostava dela, que sempre foi muito interessada nos processos. Estamos fazendo visitas nas delegacias, trabalhando na questão da superlotação carcerária. Tiramos eles (criminosos) e eles vêm pra rua fazer isso", lamentou, ressaltando que "o sentimento é de impotência. Se foi assalto, com certeza ela deve ter tentado dialogar, deve ter dito que era defensora pública". A categoria deve fazer uma semana de luto. "Não deixa de ser um protesto. A intenção é que haja uma greve", disse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário