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domingo, 29 de maio de 2011

Livres para matar

 

Certa vez escrevi um texto com o título “mais um”, que fazia referência ao assassinato de mais um juiz de Direito pelas máfias do crime organizado no Brasil. Era uma analogia a um quadro de programa de humor, chamado de pegadinhas. Uma pessoa ficava escondida dentro de uma cabine com uma janelinha aberta e gritava: mais um, tá...tá...tá... Os curiosos colocavam o rosto e ele mandava uma torta na cara. Pois é. Com os seringueiros ou com qualquer pessoa que defenda uma causa nobre neste país, é certo ser mais um que vai morrer na hora conveniente aos seus algozes. Tão certos do abate quanto um cordeiro amarrado num tronco, alguns, apenas para deixarem registro, deixam mensagens gravadas de que estão perto do fim.

O Estado brasileiro, por meio de seus agentes, apenas justifica o que não faz para prevenir. Essa matança já vem de muito tempo. Pessoas mais renomadas são assassinadas como mecanismo de intimidação e para mostrar qual será o destino aos que tentarem preservar alguma coisa de boa neste país.

João Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo tornaram-se apenas números e seus assassinos, mentores e executores, ficarão impunes, para não fugir à regra em 99% dos casos.

Dá uma nítida sensação de que o Estado se omite de forma propositada. Não é admissível que não se tente ao menos fazer alguma coisa para proteger essas pessoas marcadas para morrer. O argumento principal de que não se tem um policial a cada esquina, nos centros urbanos, ou para cada pessoa nas matas, não se sustenta. As autoridades precisariam dizer se nos Estados Unidos, no Canadá, no Japão ou em outros países deste naipe, as mortes acontecem de forma rotineira e tão natural como por aqui. Se lá existem os tais policiais para cada cidadão ou eles teriam apenas mais eficiência na prevenção e mais comprometimento numa punição bem rigorosa. Trata-se de um discurso dissimulado, irresponsável, que denota pura incompetência ou negligência deliberada a mostrar que o Estado não está nem aí para quem inventar de defender causas de floresta ou lá do que for. Essa inércia ficaria claro apenas se respondesse onde estão agora os seringueiros e onde estão os seus assassinos.

A cereja dessa cadeia de incompetência veio com a ordem da presidenta da República para investigar. Alguém precisa avisá-la de que investigar um crime é atribuição e não precisa de ordem para execução de dever. No andar de cima talvez não seja assim tão óbvio. O pouco caso com os assassinatos fica evidente ao fato da presidenta vir a público para defender o enriquecimento milagroso do seu genial ministro da Casa Civil - sempre dela, mas não disse uma só palavra sobre o abate dos defensores da floresta.

Eis a prova de que este país precisa acelerar abruptamente seu desenvolvimento em algumas áreas e no aprofundamento de alguns valores. Enquanto há manifestações todo dia em defesa da liberação do uso de maconha, nada acontece contra o genocídio deliberado de seringueiros, de homossexuais, de sindicalistas e de outros grupos sociais.

Trata-se de comportamento natural de um país em que sua autoridade máxima defende o que não há possibilidade de explicação convincente, mas não mexe os lábios sobre mais dois seringueiros abatidos. A Polícia precisa de determinação para apurar e Justiça é um faz-de-conta. A solução é esperar que o milagreiro Palocci resolva expandir sua varinha de condão para a área da Segurança Pública. Se o milagre vier proporcional ao da sua riqueza, Palocci se tornaria santo antes de João Paulo II, por preservar a vida de muitos seringueiros. Enquanto ele não atua, os seringueiros vão sendo abatidos.

Pedro Cardoso da Costa – Interlagos/SP

Bel. Direito

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