Há um ponto de interrogação em negrito na trama que levou à prisão do senador Delcídio do Amaral e do banqueiro André Esteves. Ele indaga sobre como o banqueiro teve acesso a um rascunho de acordo de delação premiada no qual o ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró falaria de muita gente, incluindo os dois.
A partir do momento em que teve acesso ao documento é que o banqueiro teria decidido “tirar este assunto da frente até o final de novembro”, como diz Delcídio na gravação. E o senador, também interessado em evitar a delação ou ser poupado se ela viesse a ocorrer, entra como operador do mirabolante plano de comprar o silêncio de Cerveró, com alternativa de obter do STF um Habeas Corpus, o HC de que tanto falam na gravação, para libertar condicionalmente o ex-diretor da Petrobrás e a seguir dar-lhe fuga do país.
O pecado capital de Delcídio foi esta passagem em que insinua poder influenciar ministros do Supremo neste sentido, diretamente ou com a ajuda de terceiros, como Renan Calheiros e o vice-presidente Michel Temer. Seus colegas senadores acham que ele bravateou para impressionar o filho de Cerveró, mas com isso feriu os brios da corte, que respondeu com a medida nunca antes vista neste país, a prisão de um senador não condenado no exercício do mandato. Aliás, os advogados de réus da Lava Jato acham que agora ficará mais difícil obter HCs do STF para seus clientes, o que já não era fácil.
Voltando ao rascunho da delação que Cerveró tentava fazer mas não era levado a sério pela cúpula da Lava Jato, ela acende uma luz vermelha na mesa do juiz Sergio Moro. Agora ficou claro que ali ocorrem vazamentos de duas naturezas. Uns, os chamados seletivos, para a imprensa, têm o objetivo de criar embaraços políticos e alimentar a crise, que não pode amainar. E entre estes inscrevem-se os vazamentos de informações sobre o ex-presidente Lula, como sua movimentação financeira, violando seu sigilo bancário que nunca foi quebrado, pois não é investigado nem processado.
De outra natureza são vazamentos como este de que se valeu o banqueiro para tentar calar Cerveró. Pode haver ali, em algum escalão da Lava Jato, um comércio de informações e documentos entre agente da operação e suspeitos abonados como Esteves. Para não desmoralizar “a voz que clama no deserto”, o juiz Moro precisa colocar o assunto em sua pauta interna. Cabe sobretudo ao procurador-geral Rodrigo Janot tirar a limpo este tráfico de documentos sigilosos, que podem frustrar ações e procedimentos investigativos.
O caso Delcídio-Cerveró explicita também que muitas delações premiadas podem ter suas validades comprometidas caso fique provado provado que houve omissão seletiva de informações por parte dos delatores. Fernando Baiano nada falou sobre André Esteves mas as conversas gravadas sugerem que ele calou informações sobre o banqueiro.
Coisa parecida houve antes quando Júlio Camargo omitiu o suposto pagamento de propina ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em sua primeira delação. Depois, o advogado de Baiano, Nelio Machado, pediu a reinquirição de Camargo e ele falou sobre os US$ 5 milhões que teriam sido pagos a Cunha pelo contrato de navios-sonda. O novo depoimento foi vazado e começou o inferno para Eduardo Cunha.
Em seguida houve a nebulosa renúncia da advogada Cata Preta à defesa de seus clientes alegando estar sendo ameaçada. Por quem, nunca disse. Saiu de cena. Dizem que ela garantiu a omissão de clientes em relação a algumas pessoas e eles acabaram abrindo o bico. Não entregou a mercadoria, ficou na corda bamba e resolveu ir para Miami.
A Lava Jato pode ser o farol que ilumina o escuro da corrupção, pode ser a voz que clama no deserto, mas tem lá seus escurinhos, que o juiz Moro e o procurador-geral precisam iluminar.
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