Publicado: 16 de abril de 2013 às 12:05 | Autor: Eliomar de Lima |
Com o título “Um serpentário wireless”, eis artigo do publicitário e poeta Ricardo Alcântara sobre o caso do suposto esquema de arapongagem denunciado pelo deputado federal Eudes Xavier (PT).
Na cultura política do Brasil real, a arapongagem é generalizada. O aspecto de ineditismo na abordagem da imprensa sobre o entrevero entre o governador Cid Gomes e o ex-prefeito Roberto Pessoa não significa que seja prática recente.
Episódio farisaico, um prefeito em partido de oposição ao governo Tasso aproveitava atos institucionais nos salões do Cambeba para elogiar o governo em rodas de bate-papo, escolhendo sempre as mais próximas a jarros e interruptores.
O astucioso adversário agia como quem usa “o feitiço contra o feiticeiro”: queria ter sua voz gravada com declarações supostamente espontâneas de apreço apenas com o intuito de amenizar as restrições que sua gestão sofria. Um artista.
Não posso afirmar que havia escuta embutida nas flores de plástico daquele salão, mas o quadro da inteligência policial com maior exposição naquele período presta hoje serviços profissionais em um shopping center da cidade. Virou “de casa”.
Em 2006, informado de que eu faria os programas eleitorais do governador Lúcio Alcântara, que buscava uma reeleição, veio me visitar alguém que se apresentou como um “intermediário disposto a colaborar”. Trazia uma proposta inusitada.
Mediante a módica quantia de cem reais ao mês ele me forneceria os meios para acessar tudo que fosse dito em um celular de número à minha escolha. Havia o atrativo de uma promoção tipo calçadão C. Rolim: cinco por trezentos.
Digo com sinceridade e com um traço de gratificação moral: não senti a menor vontade de fazer aquilo. Mas serviu para boa manobra: passei a soltar diversas pistas falsas ao celular na esperança de estar sendo monitorado à distância.
Estes são relatos periféricos. Perto do que não devo contar – seria impossível comprovar, caso judicialmente cobrado – são episódios quase cômicos, quando há, de fato, usual e amplo comprometimento do direito a privacidade a toda hora.
Ainda na era da comunicação analógica, Tancredo Neves tinha horror a telefone. “Ali”, dizia aos assessores, apontando para o aparelho sobre a mesa como quem mostra o ninho da serpente, “nem votos de condolências”. Uma figura.
E ninguém perdeu o emprego: os novos inquilinos do poder reciclaram o aparato de delação da ditadura militar. Foram muitos, os que saíram dos porões do velho regime para obter ganhos mais atrativos com a venda privativa do seu know-how.
É possível apontar uns dados viciados: Antonio Carlos Magalhães não se continha e às vezes jactava-se de suas arapongagens (seu neto, agora prefeito de Salvador, é conhecido nos bastidores de Brasília pela singela alcunha de “grampinho”).
Em outro estilo, o contido José Serra, a despeito de todas as evidências, há de morrer negando, mas foi por chafurdar nos abusos boêmios do colega Aécio Neves que levou de volta o dossiê Privataria Tucana porque, sim, é dando que se recebe.
Enfim, a tecnologia digital não tornou a bisbilhotice apenas mais eficaz: a fez mais barata e mais segura. O voyeurismo político (e o contra-voyeurismo) é amplo, geral e quase irrestrito. Quem disser o contrário está apenas e tão somente mentindo.
* Ricardo Alcântara,
Publicitário e poeta.
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