Por Marcio Pochmann, na RBA - É traço característico da classe (dos criados) o pouco amor ao trabalho. Sempre que podem, furtam-se ao cumprimento de suas obrigações. Hoje em dia, porém, não valem eles nem o que comem nas casas dos patrões. (GIL, 1893) [...] Cozinheiras e cozinheiros são bêbados e ladrões, copeiros são gatunos, denunciadores, criminosos vulgares, a criadagem feminina participa de todos os vícios e de todos os desequilíbrios. As queixas à polícia são constantes. (RIO, 1911).
O condomínio de interesses dominantes que viabiliza o governo Temer desde o ano de 2016 parte do princípio de que o atraso brasileiro se deve à insistência do povo em participar do orçamento público. Repete, nesse sentido, a cantilena da elite do final do século 19, que produziu o projeto de branqueamento nacional para excluir do mercado de trabalho, a população pobre conformada por negros e ex-escravos e que, junta com os índios, representava cerca de 2/3 dos brasileiros em 1872.
Com isso, a inserção dos pobres ficou reduzida ao rendimento gerado nas ocupações mais simples. Entre elas o serviço doméstico, que no ano de 1872 representava a segunda ocupação mais importante do país, com o abrigo de mais de 1 milhão de trabalhadores. A primeira ocupação era a de lavrador, com 3,3 milhões de ocupados. Para cada um trabalhador na construção civil, por exemplo, havia mais de 12 ocupados nos serviços domésticos.
Ao mesmo tempo em que as poucas possibilidades de reprodução da vida pelos pobres encontravam-se nos postos de trabalho mais simples, emergia a preocupação com a ordem e a segurança. No final do século 19, inúmeros são os registros de ação policial e da elevação de seguranças contratados, o que não deixava de apontar a visão dominante de suspeita sobre os pobres.
Nos dias de hoje, as “reformas” do governo Temer para as despesas públicas (emenda do teto sobre os gastos não financeiros), a seguridade social e o trabalho visam abater quase 10 pontos percentuais do orçamento governamental com os pobres. Com isso, a pressão das pessoas ativas tende a ser crescente e dependente da obtenção de algum rendimento pelo exercício do trabalho existente.
Entre o último trimestre de 2014 e o primeiro trimestre de 2017, a quantidade de desempregados aumentou 7,8 milhões, pois passou de 6,4 milhões para 14,2 milhões pessoas. Neste mesmo período de tempo, o número de empregados no setor privado foi reduzido em 3,1 milhões de postos de trabalho.
Mas o trabalho doméstico cresceu em mais de 200 mil vagas, assim como o de segurança privada aumentou em quase 30%. Nesse caso, percebe-se que em 2017, a quantidade de trabalhadores envolvida na ocupação de segurança pública e privada, formal e informal, deve se aproximar dos 2 milhões de ocupados.
Com isso, a segurança pública ameaça comparar-se ao número de postos formais atualmente existentes no setor da construção civil, tão fortemente abatido nesses últimos anos de avanço na recessão e de atuação da chamada operação Lava a Jato. Além disso, o perfil urbano das cidades modifica-se gradualmente com a consolidação da arquitetura das fortalezas civis voltada à segurança.
Na habitação, verdadeiros “fortes apaches” disseminam-se na forma de condomínios residenciais, seguidos de quase “cidades proibidas” para o exercício do trabalho e de “templos do consumismo” aos segmentos privilegiados. Todos crivados pelo que há de mais avançado em termos de segurança e tecnologias de proteção.
Na contramão da expansão da atividade econômica e ocupacional da segurança, emergem maiores informações sobre a barbárie da violência praticada no país, que registra mais assassinatos do que atingidos por ataques terroristas e em países no estado de guerra. Segundo o Atlas da Violência de 2017, de responsabilidade do Ipea, e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a população negra, jovem e de baixa escolaridade continua totalizando a maior parte das vítimas dos quase 60 mil homicídios contabilizados no país.
Em pleno início do século 21, a atual elite dirigente oferece cada vez mais ao conjunto da sociedade, o passado como a verdadeira ponte para o futuro. Quem diria...
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