A Câmara tentará novamente votar hoje o projeto do governo que permite a regularização de ativos mantidos no exterior, adiado na semana passada por pressão da oposição que o chama de imoral e de facilitador da vida dos corruptos que têm contas secretas lá fora. É verdade que alguns deputados apresentaram emendas marotas ao projeto mas, no essencial, ele tem duas virtudes que pouco aparecem no debate.
A primeira é fiscal. Neste momento em que o déficit nas contas públicas deixou de ser problema do governo, tornando-se problema da economia brasileira, a chamada repatriação pode render ao Tesouro, com impostos e multas, algo em torno de R$ 100 bilhões, nas contas do ministro Joaquim Levy.
A outra é uma razão civilizatória. Embora a oposição se agarre à existência de uma lei nacional contra a evasão de divisas e a lavagem de dinheiro, práticas que podem estar na origem da maioria dos recursos depositados lá fora sem declaração à Receita, o projeto do governo brasileiro atende a um compromisso internacional do Brasil com a obstrução das fontes de financiamento do terrorismo. Todo dinheiro “clandestino” lá fora pode ter conexões com o financiamento destes novos bárbaros. O projeto original do governo não contempla recursos originários de corrupção, tráfico ou qualquer ilícito, limitando-se a permitir o ingresso legalizado dos que não foram declarados para fugir de impostos. Algo como um Refis.
O Brasil tem prazo até 2018 para aprovar uma legislação de repatriação de seus ativos ilegais lá fora, conforme acordo firmado no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e sob a égide do GAFI- Grupo de Ação Financeira Internacional, do qual partem várias recomendações relacionadas com o controle dos fluxos de dinheiro sujos, danoso ou duvidoso. Para quê esperar até 2018 se a repatriação, feita hoje, além de atender ao compromisso internacional pode contribuir com a solução do nosso grave problema fiscal?
O projeto do governo cria um regime especial de regularização de recursos mantidos no exterior sem conhecimento do Fisco, fixando um tributo único para sua legalização perante a Receita Federal. A medida é direcionada aos recursos obtidos de forma lícita. Algumas emendas tentam alterar o texto original mas governo e oposição poderiam se entender para evitar a aprovação de qualquer “jabuti” com objetivo duvidoso.
Pelo texto, quem regularizar e repatriar seus recursos que estão lá fora sem declaração à Receita terá que pagar imposto de renda e multa que, somados, podem alcançar 30% do valor repatriado. Um custo compensador para quem deseja sair da ilegalidade.
Na semana passada o deputado Roberto Freire (PPS-SP), um dos maiores críticos da proposta que chamou de “imoral”, pediu tempo para que fosse mais conhecida e discutida. Uma semana talvez tenha sido suficiente. O DEM também foi contra. “Este projeto é muito obscuro, não podemos votá-lo assim de afogadilho”, diz o deputado Luís Henrique Mandetta. No PSDB, a mesma coisa. “Não podemos, para ajustar as contas do governo, permitir que dinheiro ilegal seja regularizado por meio de uma taxa”, diz o deputado Daniel Coelho (PSDB-PE).
“Não há nada de imoral numa proposta sintonizada com os protocolos internacionais dos quais o Brasil é signatário”, diz o líder do governo, José Guimarães, lembrando que deputados e senadores também participaram de sua concepção.
Não vivesse o Brasil este clima de fla-flu, de conflito exacerbado entre governo e oposição, a proposta seria aprovada hoje, em nome da civilização, do combate ao terrorismo e da melhora de nossas contas. Ainda que o governo não consiga R$ 100 bilhões, mas apenas R$ 20 ou R$ 30 bilhões com ele. E suas excelências, se quiserem aprimorar o texto do governo, podem colocar mais barreiras contra o ingresso anistiado de recursos originários de corrupção, tráfico ou caixa dois.
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