Bruno Peron
Espera-se uma efervescência cultural sem precedentes no Brasil entre junho e julho de 2014. Seremos mais de 200 milhões de brasileiros sintonizados nos espetáculos dos meios de comunicação. As atividades complementares da Copa, por um lado, pretendem melhorar o nível de autoconhecimento dos brasileiros e, por outro, incrementar ainda mais nosso intercâmbio com o mundo. A mazela do latifúndio e da monocultura exportadora cede espaço, ao menos num espetáculo temporário, às glebas do Novo Mundo.
Através do Concurso da Cultura 2014, o Ministério da Cultura enfatiza o local (arte, audiovisual, arquitetura, dança, literatura, moda, etc.) num evento de porte internacional. Este Concurso pretende selecionar projetos para a promoção de centenas de eventos durante os jogos nas doze cidades-sede da Copa e revitalizar equipamentos e espaços culturais. O orçamento do Ministério da Cultura para este propósito será de R$ 35 milhões segundo o Portal da Copa (Cultura anuncia investimento de mais de R$ 35 milhões para a Copa, 8 de agosto de 2013). Para a ministra da cultura Marta Suplicy, o Brasil terá oportunidade de mostrar-se ao mundo e também de conhecer-se.
O processo que culminou na eleição do Brasil pela Federação Internacional de Futebol (FIFA) como sede da Copa em 2014 começou com um estímulo à autoestima dos brasileiros. Durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, uma campanha internacional situou o Brasil como um “país emergente”, que significa um paraíso para investidores. Logo se ouvia e se repetia na imprensa que o Brasil tornou-se um dos integrantes do bloco dos BRICs ao lado de países tão distintos que são Rússia, Índia e China.
A crise econômica de países com mania de donos e civilizadores do mundo (Estados Unidos, Espanha, França e Inglaterra) reverberou na necessidade de admitir novos jogadores mundiais para que os prejuízos se compartilhassem entre os cúmplices capitalistas. Assim surgiram novos polos nas mesas de negociação, pois outros países admitiram-se no clube das decisões sobre temas como meio ambiente e direitos humanos. Neste contexto, situar dois dos BRICs como sede da Copa (já que Rússia a fará em 2018) é uma boa estratégia da esbanjadora FIFA de mexer com as vaidades de ex-membros do Segundo Mundo (Rússia) e Terceiro Mundo (Brasil).
Moradores de várias regiões do país sentem-se parte da nação e do mundo devido à importância do Brasil, que tem dimensão continental e sediará a Copa. Igualmente, a população brasileira demonstra sua ânsia de pertencimento à nacionalidade quando assiste regularmente a telenovelas e torce pela seleção brasileira numa disputa acirrada de futebol.
Apesar dos protestos contrários à Copa que também motivaram a tomada das ruas em meados de 2013, há um sentimento de orgulho que emana de um país em que a luta é incansável.
No entanto, os canais que o dinheiro público atravessa no Brasil lavram-se por gestores que têm as mãos atadas ou erguidas atrás da cabeça. É preferível que os bilhões de reais gastos na Copa se investissem na escolaridade dos jovens em vez de cair indiretamente nos bolsos de administradores de hotéis, aerolinhas e taxistas.
Todo patrão sempre tem outro patrão que facilita ou coíbe ações na hierarquia de nossa cultura política. Por isso, ao deixar de ser uma colônia portuguesa, o Brasil passou a ser terreno próprio para o que o mundo tem de melhor e de pior em cultura. Nossas glebas são ambivalentes.
É provável que, durante a Copa, o Brasil mostre ao mundo um pedacinho daquilo que tem de melhor. Não acredito, contudo, que a expectativa sobre o autoconhecimento dos brasileiros (conforme à profecia de Marta Suplicy) realize-se na mesma proporção. Enquanto os turistas estrangeiros admiram as exibições artísticas, as periferias (num sentido metafórico) continuarão cobrando das autoridades aquilo de que se privaram.
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