Autor da música da novela "O Astro" fala ao iG sobre misticismos e seu medo do fim do mundo
Valmir Moratelli, iG Rio de Janeiro
Foto: Léo Ramos Ampliar
João Bosco, autor de: "Minha pedra é ametista/ Minha cor, o amarelo / Mas sou sincero..."
O cenário é desolador. Uma chuva de meteoros atinge o planeta. As pessoas correm desesperadamente, desordenadas, para todos os cantos. É o apocalipse. O fim de tudo. No meio do caos, João Bosco vai à rua tentar, sem sucesso, pegar um taxi. Ele sua frio de nervoso. Está sozinho, sem rumo, sem ter o que fazer.
Este é o pesadelo que o cantor e compositor João Bosco, um dos grandes nomes da Música Popular Brasileira, tem com frequência há décadas. João é perseguido por uma chuva de meteoros enquanto dorme. Acordado, é ele quem os persegue, estudando-os e se mantendo informado sobre o assunto. “O mundo vai acabar por asteroides. Eu posso te assegurar isso”, diz, categórico.
A entrevista ao iG ocorre na ampla varanda de sua residência, na Gávea, zona sul do Rio. É noite, o céu está nublado, não sendo possível admirar a estonteante vista para a Floresta da Tijuca. A favela da Rocinha também compõe a paisagem ao fundo. É João quem dá voz a “Bijuterias”, música-tema de “O Astro”, novela das 23h da TV Globo, composta em 1977. Diz a letra: "Minha pedra é ametista/ Minha cor o amarelo/ Mas sou sincero/ Necessito ir urgente ao dentista...”.
O papo-viagem de mais de duas horas terminou com uma carona que, gentilmente, João deu em seu carro ao repórter até um ponto de táxi mais próximo. Táxi que tanto lhe falta nos sonhos mais perturbadores.
Ele acaba de lançar na Europa o CD "Senhoras do Amazonas", em parceria com a empresa de comunicação estatal alemã, Norddeutscher Rundfunk (NDR)
iG: Como “Bijuterias” se tornou música de abertura de “O Astro”?
JOÃO BOSCO: Estava gravando um disco em 1977 quando o pessoal da Globo procurou uma música para abertura da novela. O produtor Guto Graça Melo foi ao estúdio, ouviu “Bijuterias” e decidiu por ela na hora. O mais legal é que fizeram agora remake da novela, mas mantiveram a gravação. O que as pessoas ouvem todo dia em casa é a mesma gravação de 1977.
iG: É uma música com conotação mística. Ali está o seu lado transcendental?
JOÃO BOSCO: Quando me perguntam sobre religião, respondo que sou brasileiro. A gente acredita em tudo, por via das dúvidas. Onde mais se encontra um cartaz no poste com “mãe Dinah traz a pessoa amada em três dias”? Não é em Berlim. Tem um amigo que não convido pra vir aqui em casa para ver jogo do Flamengo. Na primeira vez que ele veio, Flamengo tomou dois gols.
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JOÃO BOSCO: Minha pedra pode ser ametista. Mas também deu muito certo a canção “Jade”. Tem famílias que me apresentam suas filhas com esse nome por causa da letra. Minha cor também é o amarelo. Tenho ligação com oxumaré, que tem todas as cores do arco-íris. Não só o amarelo. As cores estão aí para admirá-las.
iG: Você participou do lançamento online do novo CD do Chico Buarque. O que achou da ideia de usar a internet para esse fim?
JOÃO BOSCO: Achei bacana. Hoje a internet é o que existe para você conhecer, pesquisar, se informar, divulgar... é tudo. É a grande biblioteca que Jorge Luís Borges falava. Ele percebeu isso antes da invenção da internet. Nada é para sempre, as coisas não são eternas. Frank Sinatra pensou isso em algum momento. Mas até ele morreu.
iG: Morrer é um ato impensável para um artista?
JOÃO BOSCO: A gente deve viver não pensando nisso, mas também não deve fazer certas coisas sem pensar nisso. Tenho pavor do negócio da morte. Porque não sei como é lá, entende? Ainda não resolvi sobre a questão de ser cremado. Isso de virar pó é uma dúvida bíblica que tenho. Quando se é cremado, passa da carne para a fuligem. E lá dentro não sei se vou sentir aquele calor todo. Ao mesmo tempo, conviver com os vermes deve ser ruim pra caramba! Quando for enterrado, quero estar com terno de linho, tenho problema de gastura com casimira e outros tecidos sintéticos.
Foto: Léo Ramos Ampliar
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iG: Você já separou a roupa com a qual quer morrer?
JOÃO BOSCO: Não, mas penso nisso. Ao se enterrar alguém, só se está preocupado com o terno e a gravata, sem se importar com a qualidade do tecido. Por enquanto, eu quero que seja de linho, é gostoso, confortável. Vai que a viagem é longa... Mas meu problema atual são os asteroides, cometas e planetas.
iG: Como assim?
JOÃO BOSCO: O universo está em expansão, é dinâmico e veloz. Esses meteoros já caíram aqui e vão cair de novo. Estamos carecas de saber. Meu pesadelo são os asteroides. Sempre que sonho com eles caindo, é sempre uma paisagem assustadora. Dependendo da comida do meu jantar, se como muito tarde, se for carne de vaca, acabo me deparando com eles caindo com mais frequência. Quando estou com algum medo não resolvido ou pendências de atitudes a tomar, os asteroides caem ainda mais.
iG: Como são esses pesadelos?
JOÃO BOSCO: O mais engraçado é que eu vejo as pessoas correndo, em desespero, em sentidos completamente contrários umas das outras, perdidas, sem rumo. No meio disso tudo, há uma ponta de ironia, na qual estou sempre tentando achar um táxi livre. Lógico que não acho nenhum, então entro ainda mais em pânico, porque não tenho para onde ir. É um pesadelo que tenho há muito tempo.
Foto: Léo Ramos Ampliar
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iG: Já procurou ajuda de um analista para compreender esses sonhos?JOÃO BOSCO: Nunca procurei, porque talvez ele possa dizer que eu tenho razão em ter medo, porque o pesadelo pode virar realidade. E aí, o que eu faria (risos)? Falo do meu problema com os amigos. É a melhor maneira de lidar com isso. Quem não tem problemas? Toco meu violão, consigo entrar num avião por horas...
iG: Assiste a filmes sobre o assunto?
JOÃO BOSCO: Claro. Vi agora o “Melancolia”, inclusive. Tenho problemas com o Lars von Trier (diretor), porque ele coloca a câmera no ombro e sai dirigindo. Tenho labirintite, me dá sensação de vertigem. Não consegui ver o filme com os dois olhos abertos, porque eu filava de vez em quando. Aí só faltava essa. Um planeta com data marcada de colisão com a Terra e eu com vertigem! Como que eu vou correr tendo vertigem? Vou ter que esperar aquilo deitado. É o fim do mundo, mesmo!
iG: Acha que o fim do mundo está próximo?
JOÃO BOSCO: O mundo vai acabar por asteroides. Eu posso te assegurar isso. Estudo e frequento canais de TV especializados nessas pesquisas, falo com propriedade. Tem um asteroide com 340 metros de comprimento que vai passar muito próximo da Terra em 2029. Muito próximo mesmo. Como ele é grande e por haver campos magnéticos no universo, pode ser que a sua rota se altere. Uma ligeira mudança já é um perigo. O campo magnético da Terra pode afastá-lo, como pode atraí-lo.
iG: Acredita na profecia maia de que o apocalipse será em 2012?
JOÃO BOSCO: Não. Acredito na profecia do universo, que está em transformação. Esses objetos estão todos andando por aí nos céus. Li ontem num jornal que os cientistas viram uma estrela sendo engolida por um buraco negro. Não se pode precisar quando aconteceu esse fenômeno. É mais uma prova de como o universo está vivo. Cai asteroide na Terra todo dia. Mas são de dez, quinze centímetros. Eles se incendeiam quando tentam atravessar a atmosfera terrestre. A velocidade é tão absurda, a diferença de temperatura é tão grande, que eles entram em combustão antes de atingir o solo.
Foto: Léo Ramos Ampliar
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iG: Há vida em outro planeta?
JOÃO BOSCO: A vida na Terra foi trazida por cometas, eles contêm água. Só existimos por causa deles. A Terra não tinha composição química capaz de gerar água. Aquilo que algum dia nos tirou a vida, na era glacial, na era dos dinossauros, também algum dia nos trouxe a vida. É fantástico pensar assim. Os cometas são parceiros e parentes nossos, existimos por causa deles. Se não fosse a queda deles, a Terra jamais produziria vida.
iG: Então acredita em extraterrestres?
JOÃO BOSCO: Não sei que tipo de vida, mas tem. Não tenho conhecimento científico para explicar. O homem terrestre tenta viajar no universo para achar, mas só encontramos indícios até hoje. Não saberia dizer se há vida inteligente, se há outra sociedade onde também se veste Armani, Gucci... Se ouvem música (risos).
iG: Você mora próximo ao planetário da Gávea. Imagino que seja seu lugar preferido...
JOÃO BOSCO: Que nada. Ângela, minha mulher, sempre me diz que devo ir lá. Não sei se quero ver aquilo tudo tão de perto, sabe? Do jeito que está, o pesadelo já me causa um problema razoável. Deixa eu ficar aqui imaginando.
iG: Também pensa que o fim do CD está próximo?
JOÃO BOSCO: Ainda não abandonei o videocassete. Assim como tenho toca-discos. A gente sempre caminha para o fim de tudo. E no final vai dar merda! Viver é isso, é caminhar para o fim. Tem quem pensa que vai viver eternamente, eu não.
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