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domingo, 17 de fevereiro de 2013

Abandono


Este ano de 2013 está sendo particularmente rico para mim em termos de
experiências vivenciais. Algumas temáticas que acompanho há tempos por
conta do meu trabalho no judiciário puderam ser analisadas com maior
amplitude em razão de acontecimentos incômodos, como um assalto do qual
fui vítima mês passado e também a sensação de abandono vinculado a um
momento familiar. Nalguma ocasião prometo lhes contar sobre o assalto,
porque neste instante prefiro me reportar à sensação de abandono que,
inclusive, está presente agora.
Nos últimos vinte anos atendi inúmeras mães que optaram entregar seus
filhos em adoção. Também atendi dezenas de crianças que tiveram de
aprender lidar com a sensação de abandono oriunda dessa decisão materna.
Situações, às vezes, traumáticas; outras mais brandas, mas sempre
dolorosas e angustiantes em função do sentimento inicial de desamparo e
desproteção. Pois bem, descobri que qualquer pessoa pode efetivamente se
sentir abandonada mesmo que em tese não tenha sido.
É provável que muitos já estejam afirmando: - Nossa; ela descobriu o
óbvio! Isso porque essa situação não é tão incomum, e muitos experimentam
tal sentimento ainda que cercados de pessoas, inseridos numa família,
junto de seus pais e irmãos biológicos... Mas, confesso, nunca tinha me
sentido assim pessoalmente; então, desculpem-me por descobrir o óbvio
somente agora, com quase cinquenta anos.
Pessoas provenientes de famílias estruturadas têm realmente menos chances
de experimentarem essa sensação, porém pode acontecer, principalmente
quando tomam uma atitude em desacordo com o desejo familiar. As alianças
anteriormente constituídas parecem enfraquecer e os membros da família
passam a repudiar aquele que ousou pensar e agir diferente, isolando-o.
Tal isolamento, por si só, funciona como sistema de pressão para que o
indivíduo reveja suas opções, abra mão de suas escolhas e volte a
compartilhar o pensamento do grupo familiar.
É exatamente nesse momento que surge a sensação de abandono. Quando todos
viram às costas para a pessoa, como forma de censura às suas atitudes,
simplesmente relegando-a a própria sorte. Cumpre salientar que à
semelhança do abandono inicial, na maioria dos casos em que se entrega uma
criança indesejada, tal atitude não é amorosa e sim egoísta. O diferente
incomoda, lança questionamentos internos, altera a dinâmica de pensamentos
e atitudes do núcleo familiar. Assim, pensam que o melhor a fazer é
deixá-lo de lado. Não olhar para ele minimiza a sensação de desconforto
causada pela sua insubordinação.
É preciso força interna e equilíbrio emocional para enfrentar esse
alijamento familiar, em que o repúdio das opções pessoais se confunde com
o repúdio do próprio indivíduo. Certamente não é fácil vivenciar situações
assim. A aceitação incondicional da pessoa proposta pelo teórico da
psicologia Carl Rogers ainda é utópica num mundo cheio de preconceitos.
Muitas pessoas continuarão sendo abandonadas, mesmo que criadas em
famílias aparentemente sãs e adequadas, devido puramente à intolerância.
Ainda temos muito que aprender com a vida!
Maria Regina Canhos Vicentin (e.mail: contato@mariaregina.com.br) é
escritora.

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