“Vitória do Syriza, partido nascido em 2009, nas eleições gregas lembra o básico: eleitorado pode ser cruel com governos que não defendem empregos e salários”, diz o jornalista Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília; segundo ele, experiência ensina ao Brasil que “todo cuidado é pouco”: ‘comprometida com a perspectiva de “arrumar a casa”, a presidente tem se demonstrado particularmente zelosa quando se trata dos direitos dos trabalhadores’
26 de Janeiro de 2015 às 07:29
A vitória do Syriza nas eleições gregas, lembra uma dessas viradas históricas na vida de um país.
Terá profunda repercussão na Europa, onde Espanha, Portugal e Italia, enfrentam um recessão prolongada depois do colapso financeiro de 2009.
A vitória pode produzir efeitos imprevisíveis sobre a economia mundial. Isso pode acontecer caso, diante de uma enfática manifestação das urnas, a União Europeia se mostre sem disposição política para aliviar o sufoco de cinco anos, o que pode gerar novas ondas de choque e instabilidade.
A causa do resultado eleitoral é fácil de ser decifrada. Envolve questões universais, que preocupam a humanidade em toda parte — emprego, recessão, colapso de serviços públicos — e costumam resolver eleições no mundo inteiro. Até por essa razão, permite paralelos com o Brasil.
Lula e Dilma teriam sido aniquilados, levando consigo as conquistas obtidas pela população a partir de 2003, como aconteceu com os social-democratas do Pasok, caso o governo brasileiro tivesse seguido a política que Atenas praticou nos últimos cinco anos — e que era recomendada pelos centros financeiros internacionais.
Se a eleição deste domingo na Grécia reuniu conflitos típicos da luta de classes também colocou, de forma aguda, a questão nacional. A crise de 2009 colocou o conflito da soberania nacional da Grécia frente aos poderes coloniais das grandes economias europeias, que nos últimos cinco anos submeteram o conjunto da população a um programa de descontrução da economia local.
E é por que tem esse caráter nacional que a eleição abriu caminho para uma remodelagem do sistema político, anunciando uma aposentadoria prolongada — quem sabe falencia definitiva — de partidos tradicionais.
Após uma austeridade prolongada e selvagem, num ambiente de chantagem no qual os mercados atravessaram várias regras da democracia para impor seus interesses — inclusive para impedir um referendo onde o povo diria sim ou não às propostas de austeridade — o eleitorado foi às urnas para fazer o ajuste de contas com a pobreza, o desemprego e a falta de perspectiva.
A mensagem é clara: venceu um partido que há poucos anos tinha uma presença simbólica ao lado de legendas tradicionais — mas cresceu com um discurso firme contra os programas de pobreza. O crescimento de um partido nazista dá bem uma ideia do ambiente de radicalização e confronto em que se encontra a Grécia.
Como acontece em países onde a situação atingiu um patamar desesperado — nos últimos anos, famílias de classe média arruinada disputavam vagas na fila das instituições de caridade destinada preferencialmente a população pobre — era possível encontrar eleitores do Syriza nos bairros chiques, nas lojas de artigos de luxo, entre empresários que em outros tempos eram votos assegurados à direita, revela Helen Smith, correspondente do Guardian em Atenas.
Os bilionários programas aprovados pela Troika — União Européia, Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional — destinavam-se a confortar os credores estrangeiros, ampliando a dívida do país – sem nada deixar para os investimentos que poderiam animar a economia e os programas sociais que protegiam o povo.
É normal, assim, que empresários e ex-empresários locais, interessados em reativar seus negócios, voltassem sua atenção a uma sigla que, em outros tempos, só causaria repulsa. A vitória teria sido ainda mais expressiva se, numa manobra burocrática, o governo conservador da Nova Democracia não tivesse impedido o alistamento de uma numerosa parcela de eleitores jovens — evitando a presença, nas urnas, da parcela mais sacrificada da população, reservatório natural de votos para o Syriza.
Do ponto de vista da economia, as urnas de domingo se encerram com vários pontos de interrogação — a começar pela provável resistência do governo de Angela Merkel para aceitar mudanças na política da União Europeia em relação a Grécia, permitindo que o país tenha acesso a uma parcela do pacote superior a 1 trilhão de euros recém-aprovado pelo Banco Central Europeu, que poderia dar oxigênio para a economia, estimulando os investimentos, o crédito e o crescimento. O futuro do governo do Syriza irá depender, fundamentalmente, de sua capacidade de conservar o apoio popular para transformar as propostas de palanque em medidas concretas, capazes de aliviar o imenso sofrimento da população grega e abrir uma nova perspectiva para o país.
Para os brasileiros, chega a ser irônico que, seis anos depois da crise dos derivativos, os gregos tenham escolhido um governo que denuncia a austeridade e, há um mês, em Brasília, Dilma Rousseff tenha escolhido Joaquim Levy para ocupar o ministério da Fazenda, no lugar de Guido Mantega, que teve um papel decisivo na política de estímulo que permitiu ao país atravessar a crise de 2009.
A verdade é que não há termo de comparação entre os programas impostos a Grécia ao longo dos últimos anos e as propostas de ajuste que Levy e a equipe econômica. São universos separados pela geografia, pela história e pela política. Mas o afundamento do tradicional sistema político da Grécia demonstra que o eleitorado costuma ser impiedoso com partidos que não correspondem a suas promessas e compromissos. A indignação do eleitorado explica por que o desgaste do conservador Nova Democracia, que aplicou os programas de austeridade, encurvado perante a Troika, tenha sido até menor que o desmoronamento dos socialistas, eleitos com a promessa de promover o bem-estar e proteger os direitos dos trabalhadores.
O principal objetivo do ajuste consiste em recuperar a confiança dos empresários, mercadoria que, concordam monetaristas e desenvolvimentistas, é indispensável para fazer a economia capitalista funcionar. Comprometida com a perspectiva de “arrumar a casa”, a presidente tem se demonstrado particularmente zelosa quando se trata dos direitos dos trabalhadores. É bom que seja assim, pois a experiência ensina que todo cuidado é pouco nesta matéria. Como diz um governador da base do governo: “os mercados nunca estão satisfeitos. Sempre pedem mais para mostrar que têm confiança, O risco é acabarem engolindo o governo.”
Três dias depois de ser empossado no Ministério do Planejamento, Nelson Barbosa anunciou que estava em curso uma mudança na legislação do salário mínimo. Acabou obrigado pela presidente a divulgar uma nota à imprensa na qual dizia que tudo seguirá como está. Na semana passada, quando o Financial Times atribuiu a Joaquim Levy a afirmação de que o seguro-desemprego estava ultrapassado, o próprio ministro da Fazenda foi levado a divulgar nota corrigindo o jornal. Para que não restasse um fiapo de dúvida, o ministro Miguel Rossetto, secretário particular da Presidência da República, definiu o seguro-desemprego como cláusula pétrea, conceito constitucional em que se encontra a proibição do país produzir armas nucleares, por exemplo.
Brasil 247
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