Bruno Peron
Meu texto Não há negros no Brasil talvez levante dúvidas em alguns leitores quanto a seus conceitos de que significa ser brasileiro. Meu argumento derruba preconceitos em vez de intensificá-los e faz uma proposta conciliatória. O texto atual visa a dissipar dúvidas e fazer mais alguns esclarecimentos de por que a racialização do Brasil seria o agouro de mais uma tragédia nacional.
O problema maior que aflige a educação no Brasil é que seus educadores são os primeiros que precisam reeducar-se antes de colonizar a mente de seus “alunos”. Por isso, o aumento de investimentos em educação somente espalha o vírus em vez de tratar o organismo enfermo com novas práticas e posturas.
Minha atenção, neste momento, volta-se à dificuldade de os nascidos e crescidos no Brasil reconhecer-nos simplesmente como brasileiros. Fazemos de tudo para dividir-nos em classes (A, B, C, etc. com pretextos socioeconômicos), raças (“brancos”, “negros”, etc.), e até investigar árvores genealógicas para tirar passaportes de cidadanias europeias, como aprendizes fiéis da Europa. De fato, no continente europeu, essas distinções têm validade, ao contrário do Brasil.
Os caminhos de interação entre tradição e modernidade são outros no Brasil. Construímos nossa própria modernidade. Meu argumento de que somos todos brasileiros, contudo, não anula as diversidades. Elas estão em outros aspectos socioculturais no país: nos regionalismos, nos sotaques, nas carreiras, nas civilidades, nos gostos e na cor da pele também (por que não?). No entanto, somente a cor da pele não é critério científico para determinar etnias e raças, sobretudo em se tratando de um país tão mestiço e colorido como o Brasil.
Neste ponto sobre diversidades, vale a pena contrastar Brasil com Estados Unidos. O segundo país é um transplante fiel dos ideais, das formas de vida e das pretensões expansionistas e universalizadoras da Europa, enquanto o Brasil teve conflitos internos e rebeliões históricas contra as práticas e os mandos europeus. Cito os episódios de escravos fugidios que formavam quilombos, a conspiração de Joaquim da Silva Xavier (“Tiradentes”) contra a colonização, e as lutas contra as invasões francesas e holandesas no litoral. O Brasil foi, no início do século XIX, sede do império português, mas as imigrações intensas expandiram as diversidades no país e nos reformulamos como brasileiros.
No entanto, por causa das ideias e das práticas educadoras que critiquei acima, o Brasil contém o pior e o melhor que a Europa já produziu. O pior porque faz o jogo militar de potências globais (envia tropas para “pacificar” países pequenos, tomou posição na segunda guerra entre potências de 1939 a 1945) e entende-se como um país dividido em classes. E também o melhor porque no Brasil se avançam discussões e leis sobre liberdades e direitos humanos.
Embora burocratas e políticos de Brasília escutem e aceitem primeiramente o que diz o United States Federal Reserve, o Palais de l'Élysée e o British Parliament, em vez de ouvir o povo brasileiro para tomar suas decisões, o Brasil não é um mero enxerto transoceânico da Europa. Aqui temos matrizes ameríndias, africanas, europeias, e também outras trazidas por imigrantes asiáticos, caribenhos, centro-americanos, sul-americanos, norte-americanos, e outros.
Tenho receio de que as diversidades no Brasil se esvaeçam em políticas de segregação (em bairros e “cotas”) como na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos. A França defende-se tão agressivamente de imigrantes que suas instituições levam a um ponto extremo as liberdades de expressão através de racismo contra imigrantes e sátira de religiões. O efeito é feroz: assassinato de jornalistas inconsequentes da revista Charlie Hebdo e protestos ao redor do mundo (no Paquistão, manifestantes queimaram a bandeira francesa). Ainda assim, nenhum desentendimento cultural deveria gerar conflitos e mortes.
Ser brasileiro é um privilégio para os que pressentem o destino do Brasil.
Este mundo se transforma. Europa é passado; Brasil é futuro. Europa é guerra; Brasil é paz. Europa é tristeza; Brasil é felicidade. Europa é conflito; Brasil é harmonia. Resta-nos aos brasileiros reconhecer-nos como uma civilização nova e trocar as roupas europeias com as quais nos vestimos durante séculos.
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