Outro dia aconteceu um fato curioso no local onde trabalho. Havia uma mãe
com seus dois filhos pequenos. O bebê ficava no carrinho, escoltado pelo
cachorro da família. Durante o atendimento despencou uma chuva danada e,
mesmo após o término da entrevista, a água continuava a cair. O jeito foi
a mulher ir embora com o auxílio de uma sombrinha logo que a chuva
diminuiu, deixando o carrinho para pegá-lo oportunamente. Acontece que o
cão, alheio a tudo o que se passou, continuou montando guarda ao lado do
carrinho do bebê. Ninguém podia se aproximar. E assim ele ficou uma noite
e um dia inteiros, sem comer ou beber nada, até que a dona voltou para
buscar o carrinho. Inúmeros funcionários ficaram surpresos com a dedicação
do cãozinho. O zelo provavelmente correspondia àquele que teria com sua
própria cria. Sem dúvida, ele despertou a admiração de muitos que por ali
passaram.
Creio que o espanto maior ficou por conta de sabermos existirem pessoas
muito mais relapsas e desleixadas, incapazes de cuidar dos próprios filhos
e afazeres, assim como serem leais diante de seus compromissos assumidos.
O cão acabou revelando melhor postura que muitas pessoas, sem dúvida
alguma. Essa constatação pode ser chocante dependendo da forma como a
enxergamos. Mostra que a programação a que estamos sujeitos atualmente
parece alterar até mesmo nossas bases instintivas de preservação da
espécie. O natural é cuidar, o antinatural é eliminar. Muitos eliminam
seus semelhantes, quer efetivamente dando fim à vida deles quer
simplesmente abandonando-os à própria sorte. Nossos abrigos para crianças
e adolescentes mostram isso. O número de indigentes e mendigos nas praças
e viadutos também. Inúmeros idosos instalados em casas de repouso e asilos
não recebem quaisquer visitas. Talvez tenhamos perdido o senso de
acolhimento e, nesse sentido, alguns animais parecem apresentar maior
afeição que algumas pessoas.
O que fazer diante dessa frieza? Acaso estamos verdadeiramente preparados
para conviver com a indiferença? Como dar o que nunca recebemos? Quem não
é cuidado e amado pode desenvolver a capacidade de cuidar e amar? São
questionamentos que devemos fazer de vez em quando, pois estamos formando
um novo tipo de indivíduo. Frio, indiferente, distante, descompromissado,
destituído da capacidade de estabelecer vínculos afetivos. Dessa forma,
realmente existem muitos animais que expressam maior afetividade e
compromisso com a família adotiva.
Involuntariamente, acabo me lembrando de uma célebre frase pronunciada
anos atrás por Rui Barbosa, “quanto mais conheço os homens mais admiro os
cães”. Penso que ele já havia constatado no passado algo que em breve
todos poderemos constatar, principalmente se não houver uma rápida mudança
em nossa forma de acolher o próximo, seja ele nosso pai, nosso filho,
nosso vizinho, ou apenas um ilustre desconhecido.
Maria Regina Canhos Vicentin (e.mail: contato@mariaregina.com.br) é
escritora.
Acesse o site da autora: www.mariaregina.com.br.
sábado, 17 de março de 2012
A afeição dos animais
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