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terça-feira, 3 de março de 2015

Dilma Rousseff, Sêneca e a tortura jornalística, por Fábio de Oliveira Ribeiro

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

A biografia da presidenta é bem conhecida. Nascida em um família de classe média, ainda jovem Dilma Rousseff se juntou ao movimento de resistência à Ditadura Militar e pagou caro por sua opção política. Presa, condenada e torturada, a presidenta do Brasil não consegue esconder as marcas do passado. Quando fala sobre o passado seu rosto se transforma, o sorriso dá lugar às lágrimas.

O passado ecoa eternamente no presente dos vivos e dos mortos. O impiedoso bombardeio diário que a imprensa tem desencadeado sobre Dilma Rousseff, culpando-a pelo que outras pessoas fizeram, pelo que ela supostamente fez ou não fez, pelo que ela deveria ter feito ou por aquilo que ela não fará, me fez lembrar o diálogo entre Andrômaca e Ulisses na peça "As troianas" de Sêneca, cujo fragmento reproduzo abaixo:

"Ulisses:Falarás obrigada o que te negas a falar espontaneamente.

Andrômaca: Quem pode, deve e deseja morrer está em segurança.

Ulisses: A morte próxima destrói palavras grandiosas.

Andrômaca: Se desejas forçar Andrômaca pelo medo, Ulisses, ameaça-a com a vida, pois meu desejo é morrer." (Tragédias, Sêneca, Martins Fontes, São Paulo, 2014)

Um pouco adiante, após Ulisses se jactar da morte de Heitor e da extinção de sua estirpe, o diálogo prossegue:

Andrômaca: A coragem abandona meus membros. Eles tremem, desfalecem, e meu sangue se paralisa, vencido por um frio glacial.

Ulisses: Ela estremeceu! É por aqui, por este ponto que deve ser atacada. O tremor denuncia a mãe. Reativarei seu medo. Ide, ide, céleres. Trazei à força, para junta de nós, o inimigo escondido pela fraude materna, o último flagelo do nome pelasgo, onde quer que ele esteja. Ótimo! Já foi descoberto! Anda, apressa-te, traze-o. Por que olhas e tremes? Ele certamente já está morto.

Andrômaca: Oxalá eu temesse! O medo é um hábito antigo. O coração dificilmente esquece o que aprendeu por muito tempo." (Tragédias, Sêneca, Martins Fontes, São Paulo, 2014)

Falar. Os militares usaram a força bruta para fazer Dilma Rousseff falar e ela se calou. Preferiu a dor e, eventualmente, a morte à delatar seus companheiros de luta política.

Uma vez mais, falar. Os jornalistas querem fazer a presidente confessar que é parceira dos crimes cometidos na Petrobrás, que os facilitou ou deles tirou algum proveito. Dilma Rousseff segue impassível, facilitando as investigações que contra ela são utilizadas e se recusando a responder uma à uma as acusações absurdas e disparatadas sacadas diariamente contra ela ou contra o seu governo.

Segundo a literatura clássica grega, Andrômaca sobreviveu à morte do esposo e à queda de Troia. O destino de Ulisses foi mais amargo que o dela. O herói que derrotou os troianos com um golpe de astúcia foi condenado a vagar durante décadas sem encontrar o rumo de casa. Quando finalmente chegou a Ítaca, Ulisses encontrou sua casa invadida pelos pretendentes à sua esposa, à sua cama e à sua coroa. Uma vez mais ele foi obrigado a lutar para readquirir o que estava perdendo.

Os dois fragmentos da tragédia de Sêneca acima transcritos são tocantes. O autor confronta a tortura, o abuso de poder, à resolução impassível da vítima que estoicamente aceita seu destino e se recusa a fazer o que o verdugo pretende lhe impor através de ameaças e de agressões. A resolução de Andrômaca é virtuosa. A conduta de Ulisses é infamante. O triunfo da vítima é evidente. A inquebrantável vontade de resistir à qualquer preço sempre impõe ao torturador duas derrotas. Além de não conseguir o que quer ele se vê impotente justamente quando exerce o poder que acredita ter.

Resista à imprensa presidenta, não se deixe abater pelos seus novos torturadores. O seu coração já foi ferido e há de se lembrar de tudo que passou de tudo aquilo que seus novos inimigos não conhecem. Eles supõe que podem lhe fazer sofrer atacando-a de maneira virulenta e injusta, mas muitos deles são jovens e nada sabem acerca da dor. Aquele que a sofreu sabe como a suportar e, mais do que isto, tem condições de fazer sofrer sem agredir.

Neste momento de crise, Dilma, você é nossa Andrômaca. Seus eleitores (tenho a honra de estar entre eles) já condenaram a imprensa a ver três dos seus campeões de votos humilhados nas urnas. Como Ulisses, a imprensa brasileira está perdida num mar de derrota e lamentações sem saber como retornar para uma casa que nem mesmo era dela por direito. Há mais de uma década os jornalistas que a atacam afundam com seus candidatos. Se você resistir, os brasileiros deixarão os jornalistas vagando sem porto seguro no Palácio do Planalto por mais uma, duas ou quiçá três décadas.

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