A biografia da presidenta é bem conhecida. Nascida em um família de classe média, ainda jovem Dilma Rousseff se juntou ao movimento de resistência à Ditadura Militar e pagou caro por sua opção política. Presa, condenada e torturada, a presidenta do Brasil não consegue esconder as marcas do passado. Quando fala sobre o passado seu rosto se transforma, o sorriso dá lugar às lágrimas.
O passado ecoa eternamente no presente dos vivos e dos mortos. O impiedoso bombardeio diário que a imprensa tem desencadeado sobre Dilma Rousseff, culpando-a pelo que outras pessoas fizeram, pelo que ela supostamente fez ou não fez, pelo que ela deveria ter feito ou por aquilo que ela não fará, me fez lembrar o diálogo entre Andrômaca e Ulisses na peça "As troianas" de Sêneca, cujo fragmento reproduzo abaixo:
"Ulisses:Falarás obrigada o que te negas a falar espontaneamente.
Andrômaca: Quem pode, deve e deseja morrer está em segurança.
Ulisses: A morte próxima destrói palavras grandiosas.
Andrômaca: Se desejas forçar Andrômaca pelo medo, Ulisses, ameaça-a com a vida, pois meu desejo é morrer." (Tragédias, Sêneca, Martins Fontes, São Paulo, 2014)
Um pouco adiante, após Ulisses se jactar da morte de Heitor e da extinção de sua estirpe, o diálogo prossegue:
Andrômaca: A coragem abandona meus membros. Eles tremem, desfalecem, e meu sangue se paralisa, vencido por um frio glacial.
Ulisses: Ela estremeceu! É por aqui, por este ponto que deve ser atacada. O tremor denuncia a mãe. Reativarei seu medo. Ide, ide, céleres. Trazei à força, para junta de nós, o inimigo escondido pela fraude materna, o último flagelo do nome pelasgo, onde quer que ele esteja. Ótimo! Já foi descoberto! Anda, apressa-te, traze-o. Por que olhas e tremes? Ele certamente já está morto.
Andrômaca: Oxalá eu temesse! O medo é um hábito antigo. O coração dificilmente esquece o que aprendeu por muito tempo." (Tragédias, Sêneca, Martins Fontes, São Paulo, 2014)
Falar. Os militares usaram a força bruta para fazer Dilma Rousseff falar e ela se calou. Preferiu a dor e, eventualmente, a morte à delatar seus companheiros de luta política.
Uma vez mais, falar. Os jornalistas querem fazer a presidente confessar que é parceira dos crimes cometidos na Petrobrás, que os facilitou ou deles tirou algum proveito. Dilma Rousseff segue impassível, facilitando as investigações que contra ela são utilizadas e se recusando a responder uma à uma as acusações absurdas e disparatadas sacadas diariamente contra ela ou contra o seu governo.
Segundo a literatura clássica grega, Andrômaca sobreviveu à morte do esposo e à queda de Troia. O destino de Ulisses foi mais amargo que o dela. O herói que derrotou os troianos com um golpe de astúcia foi condenado a vagar durante décadas sem encontrar o rumo de casa. Quando finalmente chegou a Ítaca, Ulisses encontrou sua casa invadida pelos pretendentes à sua esposa, à sua cama e à sua coroa. Uma vez mais ele foi obrigado a lutar para readquirir o que estava perdendo.
Os dois fragmentos da tragédia de Sêneca acima transcritos são tocantes. O autor confronta a tortura, o abuso de poder, à resolução impassível da vítima que estoicamente aceita seu destino e se recusa a fazer o que o verdugo pretende lhe impor através de ameaças e de agressões. A resolução de Andrômaca é virtuosa. A conduta de Ulisses é infamante. O triunfo da vítima é evidente. A inquebrantável vontade de resistir à qualquer preço sempre impõe ao torturador duas derrotas. Além de não conseguir o que quer ele se vê impotente justamente quando exerce o poder que acredita ter.
Resista à imprensa presidenta, não se deixe abater pelos seus novos torturadores. O seu coração já foi ferido e há de se lembrar de tudo que passou de tudo aquilo que seus novos inimigos não conhecem. Eles supõe que podem lhe fazer sofrer atacando-a de maneira virulenta e injusta, mas muitos deles são jovens e nada sabem acerca da dor. Aquele que a sofreu sabe como a suportar e, mais do que isto, tem condições de fazer sofrer sem agredir.
Neste momento de crise, Dilma, você é nossa Andrômaca. Seus eleitores (tenho a honra de estar entre eles) já condenaram a imprensa a ver três dos seus campeões de votos humilhados nas urnas. Como Ulisses, a imprensa brasileira está perdida num mar de derrota e lamentações sem saber como retornar para uma casa que nem mesmo era dela por direito. Há mais de uma década os jornalistas que a atacam afundam com seus candidatos. Se você resistir, os brasileiros deixarão os jornalistas vagando sem porto seguro no Palácio do Planalto por mais uma, duas ou quiçá três décadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário