Escrevo na décima hora da manhã de domingo, 13 de março de 2016, data em que grupos inconformados com o resultado das eleições presidenciais de 2014 voltam às ruas pedindo desde a volta da ditadura militar até a deposição legal, porém ainda golpista, da presidente Dilma.
Esses atos antidemocráticos ocorrerão por todo país, ainda que todos os olhos estejam voltados para São Paulo; o tamanho da manifestação por aqui definirá o sucesso ou o fracasso do movimento de forma geral.
Nesse aspecto, ao menos em São Paulo o esperado era um grande movimento, pois, aqui, o poder público foi usado desavergonhadamente para inflar as manifestações.
Executivo, Judiciário e Ministério Público paulistas aliaram-se à Justiça Federal, ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal para levarem fanáticos de ultradireita às ruas neste 13 de março, mesmo dia e mês do histórico comício antigolpista da Central do Brasil, há 52 anos.
O esforço das forças golpistas neste mês de março não remete aos idos de 1964 só por conta do mês do golpe que nos legou duas décadas inteirinhas de regime de exceção; não faltam abusos contra o Estado de Direito a nos remeter ao início do período mais sombrio da história brasileira.
O que emula os idos de 1964 é o uso do poder de Estado para oprimir adversários políticos dos golpistas, assim como foi há meio século. Mais uma vez, quem está no poder não governa e quem está na oposição oprime amparado pelos mesmos grupos de mídia daquela época.
Na verdade, a ousadia dos golpistas contemporâneos é muito maior do que há 52 anos. O Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal substituíram os militares. O golpe não usa mais tanques ou fardas verde-oliva e coturnos; usa toga de juízes de primeira instância, ternos bem cortados dos procuradores e a roupa preta dos policiais federais.
No fim, dá no mesmo. Morre menos gente, mas o efeito sobre a democracia é idêntico.
O que define o golpe é a já reconhecido parcialidade do Judiciário reconhecida, agora, até pela mídia golpista, já que a direita está tão por cima que pode se dar até ao luxo de reconhecer seus excessos.
Nesse aspecto dos excessos, eles foram ocorrendo em escalada no período pré-manifestações.
Excessos ainda mais estarrecedores começaram com a condução coercitiva desnecessária, midiática e abusiva de um ex-presidente da República, para que ele fosse depor. E com o episódio hollywoodiano que chegou às páginas do maior jornal do país pela pena do colunista Janio de Freitas.
Basicamente, surgiu a versão de que agentes da polícia da Aeronáutica, legalistas, insurgiram-se contra a tentativa da Lava Jato de sequestrar Lula sem mandado judicial e levá-lo preso a Curitiba.
Muitos leitores vêm perguntando se sei alguma coisa sobre o caso. Parece-me que a coluna de Janio de Freitas passou meio batida, apesar de seu caráter explosivo. Desse modo, vale reproduzi-la antes de prosseguir.
FOLHA DE SÃO PAULO
Janio de Freitas
Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos e quintas-feiras.
O plano obscuro
10/03/2016 02h00
Em condições normais, ou em país que já se livrou do autoritarismo, haveria uma investigação para esclarecer o que o juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato intentavam de fato, quando mandaram recolher o ex-presidente Lula e o levaram para o Aeroporto de Congonhas.
E apurar o que de fato se passou aí, entre a Aeronáutica, que zela por aquela área de segurança, e o contingente de policiais superarmados que pretenderam assenhorear-se de parte das instalações.
Mas quem poderia fazer uma investigação isenta? A Polícia Federal investigando a Polícia Federal, a Procuradoria Geral da República investigando procuradores da Lava Jato por ela designados?
É certo que não esteve distante uma reação da Aeronáutica, se os legionários da Lava Jato não contivessem seu ímpeto. Que ordens de Moro levavam?
Um cameramen teve a boa ideia, depois do que viu e de algo que ouviu, de fotografar um jato estacionado, porta aberta, com um carro da PF ao lado, ambos bem próximos da sala de embarque VIP transformada em seção de interrogatório.
É compreensível, portanto, a proliferação das versões de que o Plano Moro era levar Lula preso para Curitiba. O que foi evitado, ou pela Aeronáutica, à falta de um mandado de prisão e contrária ao uso de dependências suas para tal operação; ou foi sustado por uma ordem curitibana de recuo, à vista dos tumultos de protesto logo iniciados em Congonhas mesmo, em São Bernardo, em São Paulo, no Rio, em Salvador.
As versões variam, mas a convicção e os indícios do propósito frustrado não se alteram.
O grau de confiabilidade das informações prestadas a respeito da Operação Bandeirantes, perdão, operação 24 da Lava Jato, pôde ser constatado já no decorrer das ações. Nesse mesmo tempo, uma entrevista coletiva reunia, alegadamente para explicar os fatos, o procurador Carlos Eduardo dos Santos Lima e o delegado Igor de Paula, além de outros. (Operação Bandeirantes, ora veja, de onde me veio esta lembrança extemporânea da ditadura?)
Uma pergunta era inevitável. Quando os policiais chegaram à casa de Lula às 6h, repórteres já os esperavam. Quando chegaram com Lula ao aeroporto, repórteres os antecederam. “Houve vazamento?”
O procurador, sempre prestativo para dizer qualquer coisa, fez uma confirmação enfática: “Vamos investigar esse vazamento agora!”.
Acreditamos, sim. E até colaboramos: só a cúpula da Lava Jato sabia dos dois destinos, logo, como sabe também o procurador, foi dali que saiu a informação –pela qual os jornalistas agradecem. Saiu dali como todas as outras, para exibição posterior do show de humilhações. E por isso, como os outros, mais esse vazamento não será apurado, porque é feito com origem conhecida e finalidade desejada pela Lava Jato.
A informação de que Lula dava um depoimento, naquela mesma hora, foi intercalada por uma contribuição, veloz e não pedida, do delegado Igor Romário de Paula: “Espontâneo!”. Não era verdade e o delegado sabia. Mas não resistiu.
Figura inabalável, este expoente policial da Lava Jato. Difundiu insultos a Lula e a Dilma pelas redes de internet, durante a campanha eleitoral.
Nada aconteceu. Dedicou-se a exaltar Aécio, também pela rede. Nada lhe aconteceu. Foi um dos envolvidos quando Alberto Youssef, já prisioneiro da Lava Jato, descobriu um gravador clandestino em sua cela na
Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Nada aconteceu, embora todos os policiais ali lotados devessem ser afastados de lá. E os envolvidos, afastados da própria PF.
Se descobrir por que a inoportuna lembrança do nome Operação Bandeirantes, e for útil, digo mais tarde.
U-au! Daqui a 50 anos essa história estará sendo contada na íntegra, espantando as futuras gerações com o arcaísmo do Brasil destes tempos.
Aliás, vale lembrar que, no âmbito desse ataque à democracia obrado pela Lava Jato, sobrou até para este blogueiro, que segue ameaçado de ser “preso e processado”, nessa ordem…
Mas vamos em frente.
Houve nova mudança de patamar na ofensiva golpista com um pedido de prisão de Lula tão criminoso, tão malfeito, tão medíocre que, como disse o jornal Folha de São Paulo em editorial, conseguiu a proeza de fazer até os inimigos figadais de Lula repudiarem essa iniciativa dos já chamados de “três patetas do ministério público”.
Na última sexta-feira, a horas das manifestações deste domingo, a terceira mudança de patamar na ofensiva golpista: um destacamento inteiro da Polícia Militar baixou em uma reunião do Partido dos Trabalhadores em Diadema (SP) para intimidar militantes, parlamentares e sindicalistas.
A ameaça à democracia foi de tal monta que ninguém mais, ninguém menos do que o ouvidor da Polícia Militar de São Paulo, Júlio Cesar Neves, classificou como um “risco à democracia” essa ação de policiais armados durante plenária petista.
Sim, é isso mesmo que você leu: alguém, na PM, teve coragem e decência para criticar a ordem do governador Geraldo Alckmin para que seus gorilas intimidassem os adversários políticos.
A escalada de desconstrução da democracia, em que pese sua gravidade, cede espaço, neste texto, ao crime que talvez algum dia venha a ser punido: o de agentes públicos do Judiciário, do Ministério Público e das Polícias Militar e Federal usarem suas prerrogativas funcionais com propósitos políticos tão claros.
Os órgãos de controle e as polícias foram transformados em apêndices do PSDB. Não de qualquer outro partido, mas do PSDB. E usados para guerra política. Em qualquer lugar do planeta em que a democracia esteja vigente atos como esses levariam seus altores para trás das grades.
Mas estamos no Brasil…
Não se sabe, no momento em que escrevo, como serão os protestos golpistas de 13 de março de 2016. Serão iguais aos de um ano? Maiores? Menores?
Tanto faz. Serão ilegítimos, pois decorrem de crimes cometidos por agentes públicos para estimular pessoas de pouco cérebro a irem à rua apoiar pleitos como os supracitados, que envolvem até golpe militar formal e tradicional.
Isso sem falar da quantidade de políticos corruptos – muitos, indiciados – que, neste domingo, estará pelas ruas do país aproveitando esse crime dos agentes públicos em questão para debochar da sociedade ao protestarem “contra o corrupção”.
Tags: 13 de março, 2016, dilma, lula, Ministério Público, Polícia Federal, protestos
87 Comentário
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Pedro Augusto Pinho
14/03/2016 • 01:45
NEGROS, MULHERES, POBRES: MAIORIAS MINORITÁRIAS
O IBGE apontava em sua pesquisa de 2010 que a população brasileira era composta em 51% por afrodescendentes e neste mesmo percentual por mulheres. Mostrava também que, dada a tendência da taxa de fecundidade, a percentagem de negros e mestiços deveria aumentar.
Mas o mais grave está na pesquisa de 2014, sobre renda e contribuição tributária, que se vê no quadro abaixo:
CLASSE DE RENDA % DA POPULAÇÃO % DA CONTRIBUIÇÃO TRIBUTÁRIA
até 3 SM 79,02 53,79
de 3 a 5 SM 10,14 12,65
de 5 a 10 SM 7,60 16,63
de 10 a 20 SM 2,40 9,63
acima de 20 SM 0,84 7,30
SM = salário mínimo
Esta sociedade, apesar dos programas de inserção social executados nos últimos 20 anos, com maior ênfase nos últimos 12 anos, ainda permanece injusta e excludente. Os grupos sociais quantitativamente mais representativos estão alijados ou minimamente representados nas esferas do Poder.
A ”emancipação dos atuais escravos e seus filhos é apenas a tarefa imediata do abolicionismo. Além desta, há outra maior, a do futuro: a de apagar todos os efeitos de um regime que, há três séculos, é uma escola de desmoralização e inércia, de servilismo e irresponsabilidade para a casta dos senhores”. (Joaquim Nabuco, O Abolicionismo, 1883)
São passados 133 anos e a elite de hoje, filha dos escravagistas e patrimonialistas das Capitanias Hereditárias, levanta-se em novas marchas com a Família e com seu Deus muito particular, distinto daquele do Papa Francisco, para, a pretexto da corrupção que foi ela quem mais praticou, impedir o avanço da maioria da população que esta deixando o “quarto dos fundos” para se sentar à sala.
Só os ingênuos, desinformados pela imprensa oligopolista, ou aqueles que estão vendo enraivecidos seus filhos concorrerem com os que até pouco tempo os serviam, além dos sempre presentes interesses estrangeiros em nossa história, revoltam-se com o ingresso do Brasil na sociedade democrática e solidária, onde todos tem efetivamente os mesmos direitos e deveres.
É quase certo que a aristocracia francesa não percebeu a migração que se dava na França da segunda metade do século XVIII em direção a Paris. Estas pessoas, destituídas, desprezadas, famintas formaram a multidão que derrubou a Bastilha. As elites brasileiras e seus capitães do mato no Congresso e Assembleias também não percebem o novo País se formando.
Antes das cotas raciais tornarem-se efetivas, menos de 15% dos negros brasileiros ingressavam em cursos de nível superior. A última pesquisa já apontava serem 40% dos alunos.
As periferias das grandes cidades desenvolvem uma cultura e valores próprios, sendo os equipamentos de informação virtual seu principal, senão único, instrumento de comunicação. Esta cultura se mostra na música, na literatura, nos esportes e modos e valores relacionais.
Recente levantamento sobre o e-commerce (Censo do Micro e Pequeno Empreendedor Virtual pela plataforma Loja Integrada) mostrou que as lojas virtuais, fora dos grandes players que concentram 70% das compras, são propriedades de mulheres das classes C e D. Quase todas com instrução de 2º grau e 46% delas mantendo, ainda, um emprego.
É este avanço brasileiro que vem despertando nas elites locais e no capital financeiro internacional a reação cada vez mais feroz e agressiva, sendo o caso Lava Jato um exemplo palmar. A inesperada reação de grande parte da população brasileira, inclusive de alguns membros da elite, a uma inexplicável coercitiva inquirição, em que nenhum dado novo foi perquirido, levanta a campanha de um perigo de guerra civil, incentivando mais uma vez a presença das Forças Armadas na política brasileira.
Em vídeo apócrifo misturando cenas de Cuba ao tempo de Che Guevara, referências à Venezuela, contraditório na maior parte das vezes, usando citações de Brecht, em palestra, como incentivo à luta armada, esta minoria golpista procura atemorizar novamente a desinformada classe média, com algo oposto ao que lhe melhoraria a vida: exclusão social, estagnação econômica, maiores ganhos para o capital em detrimento do trabalho e desrespeito à soberania popular. E no mês de março, quando este mesmo discurso já foi usado para rasgar a Constituição e escancarar as portas do Brasil ao capital estrangeiro. Mas a aquele golpe seguiu-se um outro golpe, ainda que mantida a repressão, com o sentido mais nacionalista, possibilitando construir uma indústria nacional, destruída pelos governos neoliberais e pela midiática Lava Jato. Desta vez, no entanto, o sistema financeiro internacional, que domina quase todos países no mundo ocidental, não permitirá novamente um movimento em prol da soberania nacional.
Neste domingo, 13 de março, ocorreram passeatas em diversas cidades. As redes de televisão e sociais deram maior divulgação as do Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e São Paulo. Observei em todas elas que a população majoritária do Brasil estava praticamente ausente. Aqui e ali um afrodescendente, e se o contava com os dedos da mão. Também as mulheres estavam em quantidade inferior a dos homens. Mas, olhando suas roupas, vendo-os chegar de táxi e pelos evidentes cuidados corporais, aquelas pessoas estavam possivelmente nas faixas de renda de menor contribuição tributária. Em resumo: a população brasileira, pelos seus segmentos mais numerosos, esteve ausente destas manifestações, mas, sem dúvida, estas tiveram custos expressivos.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado
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