O ministro Marco Aurélio Melo, do Supremo Tribunal Federal, surpreendeu o país às proximidades do Natal ao determinar, através de liminar, a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o ex-presidente Lula, preso desde abril em Curitiba. Marco Aurélio, o primeiro ministro do Supremo a ter coragem para cumprir a Constituição – a que ponto chegamos, onde é preciso coragem para o cumprimento da Carta Magna que estabeleceu a presunção de inocência – disse que "se o Supremo ainda for Supremo a sua decisão teria de ser obedecida". Ficou provado que não é mais. Ao derrubar em tempo recorde a liminar, o ministro Dias Toffoli confirmou que o Supremo há muito deixou de ser Supremo, não passando hoje de um boteco que pode ser fechado a qualquer momento por um cabo e um soldado. A Corte Suprema, que vergonhosamente rasgou a Constituição para se transformar em instrumento de interesses políticos, se apequenou por conta do enorme temor que a elite tem de Lula, aliado ao inexplicável ódio das classes dominantes, o que fez do ex-presidente o homem mais temido do país. Mesmo preso, despojado de tudo e até dos seus bens, Lula mete medo até a generais.
Ouve-se, frequentemente, que as instituições estão funcionando plenamente e que a democracia está em pleno vigor, mas a realidade é bem diferente. O Brasil se tornou terra sem lei, cuja Constituição desapareceu desfigurada pelas interpretações convenientes, permitindo que até juízes de primeira instância afrontem decisões de ministros da Suprema Corte. E com ela desapareceu também a democracia, hoje um arremedo destinado a iludir o resto do planeta, pois em nenhuma democracia do mundo generais se reúnem para avaliar se a Corte Suprema pode libertar um preso. Nenhuma democracia do mundo permite que a Justiça seja tutelada pelos militares. O próprio Marco Aurélio, aliás, disse, ao conceder a liminar, que a sua decisão "seria um teste para a nossa democracia, para ver se as nossas instituições ainda são respeitadas". O desrespeito ficou muito claro. Certamente por isso o Supremo Tribunal Federal, que teoricamente seria o guardião da Constituição, ficou reduzido a um guardião apenas, o ministro Marco Aurélio Mello que, justamente por essa posição corajosa, teve a sua cassação solicitada por um general de pijama. Pelo visto, defender a Constituição é crime.
Aliás, como a definição de crime mudou depois que o nosso Judiciário sofreu estranha metamorfose, Lula foi condenado e preso pelo crime de tirar 40 milhões de brasileiros da linha da pobreza; pelo crime de construir duas dezenas de universidades e abrir suas portas para as minorias – pobres, negros e indígenas; pelo crime de pretender usar o pré-sal para desenvolver a educação e saúde; pelo crime de tornar o país respeitado entre as grandes potências mundiais; pelo crime de ser nacionalista, arrancando o Brasil das garras do Tio Sam. De certo modo sua condenação e prisão tem alguma semelhança com a de Sócrates, o filósofo grego preso e condenado à morte pelo crime de ter ensinado a juventude do seu país a fraternidade, o perdão, a humildade, o amor ao próximo, lições aprofundadas 700 anos depois por Jesus Cristo. Preso, o filósofo, herói nas guerras em defesa do seu país, certo dia foi surpreendido pela sua mulher, Xantipas, que chegou esbaforida à prisão, gritando: "Sócrates! Sócrates! Os juízes te condenaram à morte!" E o grande filósofo, sereno: "E daí? Eles também estão condenados pela natureza!" De fato. Todos, sem nenhuma exceção, estão condenados à morte pela natureza.
O fato é que o medo da liderança de Lula parece ter afetado todo mundo. A melhor prova disso é que todos, incluindo a mídia, se mobilizam de imediato, para impedir a sua libertação, todas as vezes em que surge essa possibilidade, atropelando leis, prazos e hierarquias. A Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, por exemplo, a mesma que levou 45 dias para liberar um processo contra Aécio Neves, em poucas horas recorreu ao presidente do Supremo para revogar a liminar concedida por Marco Aurélio. E em apenas cinco horas, a exemplo do que aconteceu quando o desembargador Rogério Favreto concedeu habeas corpus ao ex-presidente, a decisão de libertá-lo foi cassada. Está mais do que evidente que pretendem deixa-lo morrer no cárcere, ou apodrecer, como deseja o presidente eleito Jair Bolsonaro. Com vários processos que permitam várias condenações, mesmo sem nenhuma prova, querem mantê-lo em prisão perpétua, já que aqui não existe pena de morte, pelo menos por enquanto, pois um dos filhos do novo presidente já sugeriu a sua implantação. Diante disso, de uma coisa ninguém mais tem dúvidas: Lula jamais sairá da cadeia, mesmo inocente, via judiciário. E todos, especialmente o ex-juiz Sergio Moro e os ministros Carmem Lucia e Dias Toffoli, terão dado a sua valiosa contribuição para eliminar o maior líder popular deste país, ironicamente justo quem os nomeou para o Supremo. Diante disso, vale a pena lembrar, mais uma vez, o que disse o Cristo no Sermão da Montanha: "Bem-aventurados os que são perseguidos pela Justiça, pois é deles o Reino dos Céus".
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