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sábado, 29 de abril de 2017

A GREVE GERAL, A GLOBO E A RETÓRICA REACIONÁRIA

Por Chico Cavalcante
O que há de novo no cenário político nacional? A partir de hoje a resposta para essa questão é simples: o protagonismo das massas que marcharam de norte a sul do país na sexta-feira, 28/4.
Potente grito dos movimentos sociais organizados contra um governo ilegítimo e sua democracia do achaque, a greve geral multitudinária do dia 28/4 jogou por terra o argumento de que, protegido pela grande imprensa, o governo golpista não seria incomodado pelo alarido das ruas. Foi. E foi de modo rotundo.
A iniciativa, que começou com o movimento sindical unificado, se alastrou em ações do MST no campo, do MTST – protagonista da gloriosa marcha até a casa de Temer, em São Paulo; no apoio da igreja católica; nos comunicados de professores até mesmo de escolas mais tradicionais do país e nas convocações espontâneas que inundaram as redes sociais.
Logo pela manhã as multidões tomaram as ruas e estradas, em gestos que irmanaram a nação. Não houve nenhuma cidade importante onde não tenha acontecido um ato de grande envergadura que integrava em rede a maior greve geral já realizada no país.
Sustentada na recusa das chamadas reforma trabalhista e reforma da previdência - dois projetos de desmonte de um arcabouço de direitos dos trabalhadores brasileiros – a mobilização também se insurgiu contra a corrupta estrutura política do país, reconhecendo em Temer o ponto central do sistema. É dele a iniciativa da liberação de dinheiro para os deputados, na forma de emendas parlamentares; o loteamento de empresas estatais e a negociação aberta de cargos públicos que sustentam sua nauseante maioria parlamentar.
O presidente com maior rejeição da medida no país, está também no centro dos relatos feitos pelos delatores da Odebrecht, que entregaram à força-tarefa da Lava Jato e ao Ministério Público Federal extratos que de pagamento de propina acordada em uma reunião com o então vice-presidente Temer, em 2010. Os valores superam os US$ 40 milhões que, segundo os executivos da empresa corruptora, teriam sido acordados em São Paulo, no comitê do vice-presidente.
Enquanto as manifestações cresciam em todo o país e surpreendiam golpistas e seus apoiadores, o jornalista Rodrigo Ratier denunciava em sua página em uma rede social que havia recebido de um o seguinte relato, vindo de dentro da redação da TV Globo São Paulo: "na preparação do telejornal vespertino, um editor se dirigiu aos berros à equipe, dizendo estar vetado o uso da expressão greve geral nas reportagens da rede". A instrução era para nomear de "protesto" de "sindicalistas e manifestantes", com foco na "baderna" e "nos transtornos causados à população".
A Rede Globo não contestou o relato do jornalista. Nem poderia. Quem acompanhou a cobertura da greve, tanto na TV Globo quando na Globonews, viu, ao vivo e em cores, a "ordem de cima" ser seguida a risco pelos repórteres, apresentadores e editores. A moldura da cobertura mentirosa era feita pelos comentaristas, ora ignorando totalmente a realização da manifestação histórica, ora usando o luxuoso auxílio das versões palacianas, que desqualificam o movimento.
A cotidiana manipulação dos fatos e a construção de uma retórica própria, que nega os fatos, provam que a Rede Globo desenvolveu-se como diretriz a prática descrita nas teorias da comunicação como agendamento.
O agendamento pressupõe que as notícias são como são porque os veículos de comunicação nos dizem em que pensar, como pensar e o que pensar sobre os fatos noticiados. A prática do agendamento pela rede Globo parte do entendimento, correto, de que os consumidores de notícias tendem a considerar mais importantes os assuntos veiculados na imprensa, transformando seus postulados em verdades absolutas.
Ou seja, a Globo, líder de audiência em canais fechados e abertos, segue dizendo aos brasileiros o que falar e pautar em âmbito privado. Ela agenda não apenas o debate, mas a política, orgulhando-se de ter derrubado três presidentes legitimamente eleitos: Jango, Collor e Dilma. É notória a participação do leque noticioso da emissora na articulação do golpe de 2016, transformando as camisas da combalida seleção brasileira em uniforme de uma rebeldia sem causa e levando multidões às ruas para condenar previamente uma presidente eleita, colocando em seu lugar um fantoche do capital.
Diante disso, não é de se estranhar que a vênus platinada tenha uma cartilha retórica conservadora, reacionária, para esconder de seus telespectadores e assinantes a verdade dos fatos.
O público dessa emissora vive no escuro. Não conhece os fatos, apenas as versões. Não debate ideias, assimila opiniões carimbadas com a chancela do Planalto. Não sabe que o Brasil atravessa uma grave recessão, inaugurada pelo governo golpista e agravado por suas decisões econômicas, ditadas grosseiramente pelo capital financeiro e por interesses exógenos.
Como robôs que seguem apenas uma programação, os apresentadores e repórteres da emissora, salvo honrosas exceções, rezam uma única cartilha. Classificam a política de desmonte de direitos de Temer como "modernização do mercado de trabalho" e fazem da repetição incessante de minuciosos recortes de denúncias - que ainda estão por se provar - uma infame e ilegal campanha aberta pela prisão do ex-presidente Lula, esquecendo propositalmente que as delações da Odrebrecht incluem, com até mais peso, outros 200 políticos renomados, dentre os quais o próprio Michel Temer, Aécio Neves, Geraldo Alkmin, José Serra, Fernando Henrique Cardoso e os presidentes da Câmara Federal e do Senado da República.
Qualquer observador atento perceberá, assistindo a qualquer programa jornalístico da Rede Globo, o viés reacionário de sua retórica e o perfil autoritário com que impõe sua "linha editorial". Quando entrevista, chama tão somente pessoas que corroboram com sua opinião. Quando debatem, montam um time de ventríloquos que repetem a voz do dono. Tudo o que soar como novo ou que vier a contrariar a opinião dos donos da casa é recusado, ou melhor, é etiquetado para ser destruído.
Professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade Princeton, Albert Hirschman se debruçou sobre a ''cultura reacionária'' das estratégias do imobilismo. Os argumentos básicos que, de acordo com Hirschman, os conservadores utilizam para criticar políticas que podem introduzir mudanças progressistas na ordem social são a perversidade, a futilidade e a ameaça.
A análise da retórica da Globo à luz dos ensinamentos de Hirschman mostra como a emissora assentou suas baterias contra as principais eixos da greve geral do mesmo modo que vem fazendo contra as ações da oposição a Temer e dos postulados da esquerda diante dos evidentes impasses da economia do caos, imposta por Meireles e sua equipe de burocratas a serviço dos banqueiros.
O jornalismo da Globo argumenta que a greve geral não resolve nenhum dos problemas que pauta e ainda resulta em outros (argumento da futilidade), que a greve foi manipulada pelo PT e por setores "contrários à lava jato" (argumento da perversidade), e, ainda, que a greve geral colocou em risco "as importantes reformas que o país precisa fazer" (argumento da ameaça).
Assim, a retórica conservadora da Globo contra a greve geral se revela cada vez mais reacionária, ideológica e sem sustentação empírica. Enquanto manifestantes provocavam seus repórteres com frases como "Globo golpista", a emissora insistia em repetir os surrados argumentos da perversidade, da futilidade e da ameaça de um movimento legítimo e necessário. Se continuar assim, corre o risco montar para si mesma uma realidade paralela, um nefasto asilo onde se ignora o mundo real em nome de patéticas miragens reacionárias.
http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/292975/A-greve-geral-a-Globo-e-a-ret%C3%B3rica-reacion%C3%A1ria.htm

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