Flavio Moura
A Globonews levou ao ar na noite desta quinta (09) o melhor debate da corrida eleitoral de 2014. E ali não havia nenhum candidato, mas dois economistas: Guido Mantega, ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, e Armínio Fraga, anunciado por Aécio Neves para a pasta da economia caso o tucano seja eleito.
Foi o melhor debate porque tudo era menos artificial. Não havia respostas decoradas, como nos enfrentamentos entre os candidatos. Nada de assessores correndo para assoprar no ouvido do chefe nos intervalos. Nada de números memorizados às pressas, gestos calculados, estratégias ensaiadas.
Até a mediação, a cargo de Miriam Leitão, dispensava o protocolo: sem esboçar qualquer simpatia, ela foi incisiva e tratou os interlocutores por “você”.
Mas foi o melhor sobretudo porque finalmente algum conteúdo foi discutido. Armínio Fraga vem sendo pintado pela militância petista como um monstro neoliberal sedento para cortar o salário mínimo e fazer a festa dos especuladores. Mantega tem sido crucificado pela imprensa e achincalhado pelo mercado financeiro e parte do empresariado em razão dos magros resultados da economia.
Mantega saía em desvantagem. Há poucas semanas, foi questionado pela própria presidente, que cedeu a pressões e sugeriu sua substituição num eventual segundo mandato. É de surpreender que, nessa situação, tenha aceitado se expor. Mas aceitou e se saiu bem.
Mantega está no cargo desde 2006, quando substituiu Antônio Palocci. Tem a seu favor os melhores resultados econômicos da era Lula, no já longínquo “espetáculo do crescimento”. Por diversas razões, os méritos desse período não ficaram com ele, mas com Lula. Agora, na hora do aperto, parece ter de responder sozinho pelos reveses.
Na média de sua gestão, a contar desde que assumiu o cargo, tem bastante a mostrar. Em 2009, quando o Brasil foi dos poucos países do mundo a não sofrer o baque da megacrise que explodiu no ano anterior, era ele que estava no comando. Os bons números de consumo e emprego dos últimos anos se devem a políticas que estão sob sua alçada.
É claro que está frágil. Nada deu certo nos últimos dois anos. A inflação superou a meta de 6,5% pela primeira vez. O crescimento está abaixo de 2%, à frente apenas de Argentina e Venezuela na América Latina. E há ainda o desgaste político de quem está há mais de oito anos no mesmo posto.
O próprio Lula, de acordo com reportagem publicada na última edição da Piauí, sugeriu à presidente Dilma que o substituísse quando os resultados pioraram. Ela não teria concordado porque veria nele uma figura mais fácil de manobrar do que um ministro “forte”. Tudo isso pode ser verdade. É natural que esteja na berlinda. Mas por esses motivos, e não por “falta de credenciais”, como querem alguns janotinhas do mercado financeiro.
Armínio estava em situação mais confortável. Vem embalado pelo otimismo que cerca a candidatura de Aécio após a passagem ao segundo turno. É vendido pelo candidato como fiador da estabilidade e da volta da “confiança” de investidores, mercados e empresas.
À vontade na tevê, agiu com elegância. Reconheceu avanços da era Lula no campo da economia. Não se opôs às políticas distributivas e fez um discurso racionalizador: aprimorar a gestão dos bancos públicos (Caixa Econômica, Banco do Brasil e BNDES) sem tirar deles a função de agir em favor dos prejudicados em momentos de crise. (Oferecer juros baixos quando a situação aperta, coisa impensável da parte dos bancos privados).
Morro de preguiça dos blogs sujos e demais redutos governistas que vêem nele um demônio a favor dos ricos. É assustadora a memória curta dessa discussão. O clima da polarização, sobretudo na internet, está lembrando a selva que foi o segundo turno de 1989.
Quando Collor se elegeu, nomeou para a condução da economia uma garota de 36 anos que assinou embaixo de um plano de confisco impensável nos dias de hoje, com sequestro da poupança. Foi o gesto mais próximo do stalinismo na política brasileira desde a redemocratização – e proposto por um governo de direita. Uma tragédia e uma contradição de que ninguém mais fala.
A memória dessa discussão não tem chegado nem a 2002. Os blogueiros oficiais já se apressam em reviver a tese da “raposa no galinheiro” para falar de Armínio, lembrando sua relação com George Soros antes de integrar o governo FHC, em 1999, após a saída de Gustavo Franco do Banco Central.
Lula, como se sabe, fez a mesmíssima coisa ao nomear Henrique Meirelles, então alto executivo do Bank Boston, para o posto em 2002. A conversa é antiga e não vai até a esquina nos termos esquemáticos que estão por aí.
Felizmente isso ficou para trás. Os dois projetos em disputa para a economia, do PT e do PSDB, são razoáveis. A diferença é de grau, não de gênero. O foco de um está mais na energia distributiva. O de outro, na racionalidade administrativa. Ninguém precisa guardar dinheiro embaixo do colchão.
É verdade que existe ranço de classe na fala de Armínio. Quando ele quis, no debate, dar um exemplo sobre economia doméstica, lembrou o caso da pessoa que compra ações. Mantega falou de quem compra geladeira. A imagem ilustra visões diferentes de país que é preciso levar em conta.
Mas, de novo, são questões de grau.
Seria ótimo se nos próximos dias houvesse mais debates desse tipo. A oportunidade é valiosa para fugir do festival de bestialidades em que se transformou a esfera pública.
Entre os que têm medo de faltar iogurte no supermercado e os que igualam os tucanos à TFP, há um vasto espaço a ocupar. Tomara que dê tempo até o dia 25.
Nenhum comentário:
Postar um comentário