Flavio Moura
O fim de semana foi marcado pela declaração de apoio de Marina Silva à candidatura de Aécio Neves. A ex-senadora valeu-se dos seus abundantes recursos retóricos para justificar a decisão. Só não dá pra falar em “nova política” numa hora dessas, por favor.
A candidata fez vista grossa ao ponto mais pernicioso da plataforma do tucano: a redução da maioridade penal. Aécio fez menção de levar em conta reivindicações de Marina – demarcação de Terras Indígenas, fim da reeleição –, mas não ameaçou retirar da pauta essa excrescência de seu programa.
O candidato defende aplicar a lei penal para adolescentes entre 16 e 18 anos que tenham cometido crime hediondo, ao contrário do que ocorre hoje, em que são punidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
É uma causa que soa como música para o oportunismo à la Gil Gomes da “Bancada da Bala”, eleita com votação recorde nas últimas eleições. E também um aceno covarde ao eleitor compreensivelmente amedrontado pela violência, mas mal informado (alô, FHC?) sobre a inefetividade da proposta.
Nem José Serra, senador recém-eleito pelo PSDB e não exatamente um bolchevique, teve coragem de endossar a ideia. Mas Aécio parece não abrir mão dessa “renovação” que o velho PSDB não ousa defender. E Marina Silva foi lá dizer amém.
Levantamento recente sobre 3.233 casos de homicídios e latrocínios ocorridos em São Paulo mostrou que, do total, só 1,9% (69 casos) foram cometidos por adolescentes com menos de 18 anos de idade. No mesmo ano (2005), 264 assassinatos (11%) foram de autoria de policiais militares. Onde está o foco do problema?
A ideia também vai na contramão da história. Países que adotaram a experiência em tempos recentes não reduziram a criminalidade. Dois deles, Alemanha e Espanha, voltaram recentemente aos 18 anos como idade mínima.
A Constituição brasileira já prevê punição a partir dos 12 para o adolescente infrator. E ninguém pode dizer que as instituições em que acaba confinado sejam parques de diversões. É ali, em meio aos maus tratos do agentes e ao abandono, que começa a carreira no crime.
O Brasil é o quarto país em população carcerária, atrás de EUA, China e Rússia. O número total de presos deve ultrapassar os 600 mil de acordo com dados de 2013. Como lembrou o jornalista Bruno Paes Manso, autor de texto no Estadão de onde tiro esses dados: “Alguém aí está se sentindo mais seguro com tanto encarceramento?” (Luiz Fernando Vianna, na Folha, também fez ótimo texto a respeito).
O PCC, como se sabe, nasceu dentro, não fora do sistema prisional. Num contexto em que as prisões em massa e sem critério apenas fortalecem as redes do crime, encarcerar mais gente – e mais nova – é a melhor medida para acender o pavio num barril de pólvora.
O estopim para as manifestações de junho de 2013, em São Paulo, foi a violência policial. Na época e ao longo de toda a campanha eleitoral, Marina Silva era a candidata que mais se identificava com os manifestantes indignados. Com o gesto do fim de semana, acaba de jogar fora esse capital.
Antes o problema fosse apenas esse. A presença desse tema no programa de Aécio tem sido tratada como questão lateral. Não é.
Com o Legislativo Federal ainda mais inclinado à direita, o povo amedrontado pela violência e a imprensa dando carta branca, essa proposta pode passar nos primeiros meses de mandato.
Seria uma bela política de inclusão — criminal.
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