"Somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?", questionou o ex-ministro Antonio Palocci, hoje delator na Operação Lava Jato, na carta em que pede sua desfiliação do PT.
Palocci, todos sabem, sempre foi de carne e osso. Já era quando, ainda ministro da Fazenda, foi flagrado numa mansão de lobby em Brasília, frequentada por garotas de programa. Continuou de carne e osso quando, eleito deputado, assumiu o risco de ser também consultor de empresas durante os governos do PT – o que fatalmente levantaria suspeitas sobre eventual tráfico de influência. Afinal, por maior que fosse a experiência de Palocci na economia, os empresários que o contrataram, muitas vezes, estavam mais interessados nas suas boas relações do que nos seus conhecimentos.
Se Palocci é humano, demasiadamente humano, passemos à segunda questão. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alvo principal de Palocci em sua delação, seria então uma divindade, acima do bem e do mal? Bobagem. O argumento do ex-ministro serve apenas à construção de um mito: o de que os eleitores de Lula, líder em todas as pesquisas sobre sucessão presidencial, seriam cegos, fanáticos ou ignorantes.
A realidade, no entanto, é outra. Não há, dentro ou fora do PT, quem considere Lula um santo. Aqueles que o apoiam simplesmente reconhecem que, apesar dos erros, seus governos promoveram crescimento, distribuição de renda, empregos e autoestima entre os brasileiros – mercadorias que desapareceram da prateleira nos últimos anos. Não é por outra razão que Lula deixou o governo com 80% de aprovação. Em contraposição, o Brasil de hoje tem um "presidente" aprovado por 3% da população.
Lula seria então uma espécie de "rouba mas faz" ou um "bandido de estimação" dos fanáticos da igrejinha petista? Outro argumento que não cola entre muitos brasileiros por uma razão simples. Basta compará-lo com a concorrência. Michel Temer, mantido no poder sob o silêncio cúmplice dos que atacam a "seita", foi apontado como chefe de uma quadrilha que desviou R$ 567 milhões nos últimos anos. Aécio Neves, responsável pelo golpe de 2016, foi flagrado num esquema de propinas de R$ 2 milhões e tem sido bajulado pelos presidenciáveis tucanos – apesar disso, ninguém questiona se o PSDB é uma seita.
Num mundo ideal, Lula talvez pudesse ser uma espécie de José Pepe Mujica. Mas o fato é que ele foi presidente de um país que caminhava para ser a quinta economia do mundo, antes de desabar e cair pelas tabelas com o golpe de 2016, inserida numa cultura em que sempre foram promíscuas as relações público-privadas. Evidente que, hoje, o próprio Lula há de questionar se não manteve relações próximas demais com determinadas empresas. Mas, novamente, a sociedade enxerga a hipocrisia quando observa a diferença de critérios que pauta o Poder Judiciário. Afinal, por que as doações da Odebrecht ao Instituto Lula são criminosas e ao Instituto Fernando Henrique Cardoso são contribuições para o debate democrático? Por que amigos não podem emprestar um sítio em Atibaia (SP) a Lula e FHC pode ter um apartamento à sua disposição em Paris?
Esses são apenas alguns exemplos do duplo padrão moral da elite brasileira, que ainda não compreendeu que uma eleição no Brasil não é uma competição entre santos – ou divindades, para usarmos a expressão de Palocci. Trata-se, tão-somente, de uma disputa entre projetos de desenvolvimento para o País. E aquilo que o eleitor maduro compara é o resultado. Quem, afinal, é capaz de promover maior bem-estar para a maioria da população? É somente isso o que explica o desempenho de Lula nas pesquisas e também o fato de Palocci ainda não ser a bala de prata contra Lula.
(este artigo foi originalmente publicado na Revista Nordeste)
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