Estados rejeitam cloroquina doada por Trump e estoque de remédio vai para o Exército
O Brasil não tem o que fazer com os comprimidos de cloroquina que vêm sendo foco da propaganda constante de Jair Bolsonaro
25 de julho de 2020, 05:38 h Atualizado em 25 de julho de 2020, 09:38
(Foto: REUTERS/Adriano Machado)
RIO DE JANEIRO (Reuters) - Comprimidos de hidroxicloroquina doados ao Brasil pelo governo dos Estados Unidos e por um laboratório foram enviados ao laboratório do Exército, depois que os secretários estaduais de Saúde se posicionarem contra o uso do medicamento mediante estudos que demonstram falta de eficácia contra a Covid-19 e registro de efeitos adversos.
A doação norte-americana foi anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro no final de maio, depois de uma conversa com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O Brasil pediu ajuda dos EUA para combate à epidemia do novo coronavírus e recebeu a promessa do envio do medicamento, que é defendido por ambos os líderes para tratar a Covid-19, apesar da falta de comprovação de eficácia em diferentes estudos.
No entanto, a maior parte dos governos estaduais não chancela o uso da hidroxicloroquina contra a Covid-19 e os secretários estaduais rejeitaram uma tentativa do governo federal de repassar aos Estados os custos para fracionar e reembalar os comprimidos, o que provocou um impasse.
O Ministério da Saúde afirmou nesta sexta-feira que os comprimidos doados —dois milhões enviados pelo governo norte-americano e um milhão pelo laboratório Novartis— foram enviados em parte ao laboratório do Exército, que já havia aumentando a produção própria de cloroquina a pedido de Bolsonaro.
“O Brasil recebeu essa doação no quantitativo de 3 milhões de compridos e esse quantitativo está hoje sob a guarda do Ministério da Saúde e do Laboratório do Exército”, disse Hélio Angotti Neto, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde (SCTIE) do ministério, em entrevista coletiva.
“Não há gastos para o fracionamento da carga doada, há sim um apoio do Ministério da Defesa, a quem nós agradecemos, e esforços entre os laboratórios oficiais da rede pública para equacionar o fracionamento”, acrescentou.
Segundo uma fonte com conhecimento da questão, o medicamento foi enviado em embalagens de 100 comprimidos, e precisa ser dividido nas doses em que devem ser distribuídas aos pacientes —frascos de 6 ou 12 comprimidos— e reembaladas em ambiente específico, sob acompanhamento de farmacêuticos.
O secretário negou que haja um estoque em excesso de hidroxicloroquina e de cloroquina, afirmando que o aumento de produção pelo laboratório do Exército e a doação internacional se justificaram por um aumento da procurada pelos remédios depois que seu uso passou a ser recomendado por médicos para enfrentar a Covid-19.
Segundo ele, há no ministério estoque de 472 mil comprimidos de cloroquina. No entanto, o ministério já enviou 4,8 milhões de comprimidos aos Estados, que têm se colocado contrários ao uso do medicamento, apesar de recomendação do ministério para que seja adotado em todas as fases da doença.
O Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) ressaltou nesta semana, em nota, que não existem estudos clínicos que comprovem a eficácia do remédio, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) não reconhece ainda nenhum medicamento para a Covid-19 e que a Food and Drug Administration, agência norte-americana equivalente à Anvisa, já alertou que não há provas que seja eficaz e seguro.
“Nesse sentido, o Conass entende que não há racionalidade em defender o uso desses produtos dentro de uma política pública de medicamentos, muito menos para uso de forma precoce”, diz o texto, ressalvando apenas que os médicos têm direito de receitarem, se assim o desejarem.
Na entrevista coletiva, o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos do ministério também comentou sobre estudo realizado por hospitais brasileiros sobre a hidroxicloroquina, divulgado na véspera, que afirmou que o medicamento não traz melhoria em pacientes hospitalizados com Covid-19 leve ou moderada.
Segundo o secretário, os critérios utilizados na pesquisa para considerar os pacientes como casos leves ou moderados de Covid-19 diferem dos critérios do ministério, que os enquadrariam como pacientes graves, e o medicamento foi utilizado em dose diferente da recomendada pela pasta.
“Há fatores de confusão, há terminologias que diferem, os autores do artigo foram bem prudentes, inclusive falaram que a hidroxicloroquina teoricamente seria mais eficaz no início da doença e não no momento de foco desse trabalho, que já foi em fase intermediária, com pacientes, pela classificação do ministério como moderados e graves, enfim, isso tudo para falar que houve limitações, os autores reconhecem isso.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário