"A tensão é crescente com a administração Jair Bolsonaro questionando o trabalho de cientistas e instituições governamentais já debilitadas com os cortes no financiamento da pesquisa", diz artigo publicado na Nature, uma das principais revistas científicas do mundo
4 de agosto de 2019, 11:57 h Atualizado em 4 de agosto de 2019, 11:58
Brasília - Jair Bolsonaro, Ricardo Salles e Ernesto Araújo (Foto: Marcos Corrêa/PR)
Artigo da revista Nature, traduzido por Regina Aquino - Quando o neurocientista Sidarta Ribeiro apresentou uma prévia de um relatório do grave estado da pesquisa no Brasil no encontro da principal sociedade científica do país, em 23 de Julho, vários policiais entraram na sala e começaram a filmar. Algumas pessoas na audiência consideraram a ação dos policiais como uma demonstração de intimidação.
“Talvez esses caras sejam apenas policiais que querem aprender sobre ciência”, disse Ribeiro, um pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em Natal. Ele coordenou os estudos, em nome da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), que realizou o evento e encomendou o relatório. Mas isso não parecia que eles estavam lá por curiosidade, diz Ribeiro.
O incidente é o ultimo exemplo das tensões crescentes entre os cientistas do país e a administração do Presidente Jair Bolsonaro. Desde que Bolsonaro assumiu em Janeiro, os pesquisadores do Brasil tem enfrentado cortes de financiamentos e repetidas tentativas dessa administração em retroceder nas leis de proteção ao meio ambiente e às populações Indígenas. Funcionários do governo impediram a comunicação de um relatório ministerial sobre uso de drogas no Brasil. E eles tem questionado outros trabalhos feitos por cientistas das instituições públicas, incluindo, mais recentemente, o relatório de desmatamento feito por uma Agência Nacional estatal. O presidente dessa instituição foi, então, exonerado.
Um rascunho do relatório da SBPC detalha o declínio do investimento em ciência que começou com uma importante recessão em 2014. Esse relatório traça uma conexão direta entre uma crise sem precedentes na ciência e o futuro do Brasil, argumentando que as perspectivas sociais, economicas e ambientais do país estão em risco. Sem políticas que sejam “baseadas em racionalidade, ciência e interesse público”, lugares como a floresta Amazônica podem, em breve, passar do ponto de não retorno, de acordo com a minuta do relatório.
Crise de confiança
A comissão detectou que o total de gastos pelas três maiores agências de investimento do Brasil caiu por volta de 47% para 7 bilhões de reais ( US$ 1,8 bilhão), no ultimo ano, comparado com 2014. A situação tem se deteriorado mais ainda desde que Bolsonaro assumiu: em Março, sua administração anunciou um congelamento de 42% no orçamento do ministério das ciências e comunicações, deixando-o com somente 2,9 bilhões de reais para o resto do ano. A ultima estimativa sugere que o ministério poderia esgotar o dinheiro de bolsas para estudantes de graduação e pós-graduação e pesquisadores em pós-doutorado ainda em Setembro se o governo não providenciar mais verbas.
A crise de investimento é só um dos pontos nevrálgicos entre pesquisadores e Bolsonaro. Incidem sobre sua política administrativa referente ao meio ambiente e tribos indígenas aguçada no mês passado, quando Bolsonaro questionou seus próprios dados governamentais sobre desmatamento na floresta amazônica.
No começo de Julho, o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) – que usa satélites de observação da Amazônia para rastrear a destruição da floresta – publicou dados mostrando que as taxas de desmatamento de Abril a Junho tinham crescido 25%, comparado ao mesmo período do ano passado. O estudo também analisou o período de 11 meses de Agosto de 2018 a Junho, e detectou que perto de 4600 quilômetros quadrados de floresta amazônica haviam desaparecido, um crescimento de 15% se comparado com o mesmo período de tempo de um ano atrás.
Em 19 de Julho, Bolsonaro acusou o INPE de mentir sobre os números, depois sugeriu que sua administração tinha o direito de aprovar os dados da agencia antes de torná-los públicos. O diretor do INPE, Ricardo Galvão, acusou o presidente de covardia peo ataque público ao seu instituto.
Sem arrependimentos
Os dados em questão são provenientes de um sistema de monitoramento que fornece alertas rápidos para os oficiais da lei se for detectado uma clareira, na Amazônia, tão pequena como um hectare. Os dados não são dados estatísticos oficiais do desmatamento no Brasil- que provem de um estudo mais detalhado das observações dos satélites – mas com frequência acompanham as tendências dos grandes desmatamentos.
Os cientistas têm defendido o INPE, dizendo que ele tem o mais completo sistema de monitoramento de desmatamento nos trópicos. As estimativas da Agência fornece uma medição confiável das tendências de desmatamento e são baseadas em dados disponíveis publicizados, diz Ane Alencar, a diretora de ciência do Instituto de Pesquisa do Meio ambiente Amazônico, um grupo de advocacias sediado em Brasília.
Galvão se encontrou com o ministro da Ciência, o ex-astronauta Marcos Pontes, em 2 de Agosto para discutir o assunto. Mas Galvão foi informado durante a audiência que ele estava exonerado do cargo. Ele diz que teve uma discussão construtiva com Pontes e reforçou que não há indicação de que o trabalho do INPE sobre desmatamento seria censurado dali adiante. Mas Galvão diz que era claro que ele teris que deixar o cargo pela maneira com que ele desafiou o presidente.
“Eu não tenho arrependimentos”, diz Galvão, um físico anteriormente dos quadros da Universidade de São Paulo, que agora retorna para sua função acadêmica. “Aquilo não era algo apropriado para um presidente dizer”
Abrindo a Amazônia
O crescente desmatamento reportado não trouxe nenhuma surpresa para muitos cientistas e ambientalistas. A campanha presidencial de Bolsonaro apoiava-se em parte nas promessas de abrir a Amazônia a exploração de minérios e da agricultura.
Desde que assumiu, ele tem reduzido a aplicação de leis ambientais e promovido projetos nas reservas Indígenas. Agora, sua administração pressiona com propostas para diminuir o tamanho das áreas protegidas em regiões que incluem a Amazônia.
Bolsonaro tem repetidamente definido as leis ambientais como sendo uma barreira para o progresso e criticado oficiais da lei, diz Maurício Voivodic, que lidera o ramo brasileiro do grupo de advocacia da WWF, que está em Brasília. “Por essa razão vemos mineiros ilegais invadindo as terras Indígenas”, ele diz. “Por isso estamos vendo mais desmatamentos”.
Cientistas no Brasil esperavam ver a política mudar quando Bolsonaro assumisse a presidência, mas não tão rapidamente e de forma tão extrema, diz Mercedes Bustamante, uma ecologista da Universidade de Brasília.
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