Direito de imagem Agência Brasil Image caption O presidente Jair Bolsonaro disse que seu filho Eduardo estava "sonhando" ao falar em um 'novo AI-5'
Ataques à imprensa, reedição do ato da ditadura militar (AI-5) que levou à cassação de opositores no Congresso, pressões pela prisão em segunda instância e fechamento do Supremo Tribunal Federal.
Declarações controversas do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos Eduardo e Carlos contra instituições democráticas têm gerado uma série de reações inflamadas de políticos, magistrados e entidades de classe.
A dimensão da repercussão tem levado a alguns recuos da família, mas estes parecem apenas anteceder a polêmica seguinte.
Na quarta-feira (30), Bolsonaro ameaçou não renovar a concessão pública da TV Globo depois que a emissora veiculou reportagem sobre uma citação ao presidente na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco. Horas depois, ele disse não ter feito ameaças e negou liderar uma ditadura.
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No dia seguinte, o presidente anunciou o cancelamento de todas as assinaturas do jornal Folha de S.Paulo no âmbito do governo federal e fez ameaças aos anunciantes do veículo. "Não vamos mais gastar dinheiro com esse tipo de jornal. E quem anuncia na Folha de S.Paulo presta atenção, está certo?", disse Bolsonaro em uma live nas redes sociais.
Na mesma quinta-feira, o deputado federal Eduardo Bolsonaro afirmou que, caso o Brasil enfrentasse protestos de rua como o Chile, a resposta poderia ser um AI-5, medida de 1968 que endureceu a ditadura militar brasileira.
"Os ventos, pouco a pouco, estão levando embora os ares democráticos", afirmou o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, à Folha.
A principal tese defendida pelos autores do livro best-seller Como as Democracias Morrem é que os sistemas democráticos passaram a declinar com ataques sutis e coordenados contra instituições, e não mais com os tradicionais tanques nas rua e fechamento do Congresso.
"Muito frequentemente, quando um populista chega ao poder, você vê rapidamente uma crise institucional entre um presidente e o Congresso, o Judiciário, a imprensa. E isso leva ao colapso da democracia", afirmou Steven Levitsky, professor da Universidade Harvard e um dos autores da obra, em entrevista à BBC News Brasil em 2018. "E é claramente o caso de Bolsonaro."
Reedição do AI-5
A reação mais forte às declarações da família Bolsonaro ocorreu depois que o deputado federal mais votado do país, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), afirmou em entrevista que o governo poderá reagir com um "novo AI-5" caso haja "radicalização" por parte de militantes de esquerda. A declaração foi dada após uma pergunta sobre os protestos que estão ocorrendo no Chile.
"Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta, ela pode ser via um novo AI-5. Pode ser via uma legislação aprovada através de plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada", disse ele em entrevista ao canal da jornalista Leda Nagle no YouTube.
O Ato Institucional nº 5 (AI-5) foi um decreto assinado pelo então presidente Artur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968 que dava a ele próprio o direito de fechar o Congresso.
Direito de imagem Arquivo Público do Estado de SP Image caption PM reprime confronto entre estudantes da USP e Mackenzie na região central de São Paulo, em 1968
A instauração da medida levou à cassação de deputados opositores da ditadura militar, suspensão de garantias constitucionais dos cidadãos e fim do habeas corpus para pessoas acusadas de cometerem crimes com motivação política.
A declaração de Eduardo Bolsonaro foi recebida com manifestações de repúdio de partidos de todo o espectro ideológico — desde o Democratas até o PSOL. Parlamentares do próprio PSL também se manifestaram contra Eduardo. Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reagiram com veemência.
O filho do presidente acabou desautorizado publicamente pelo próprio pai horas depois. "Não apoio. Quem quer que seja que fale em AI-5 está sonhando. Está sonhando, está sonhando. Não quero nem ver notícia nesse sentido aí." E completou: "Cobrem vocês dele, ele é independente". Segundo Bolsonaro, "qualquer palavra nossa vira um tsunami".
Em seguida, Eduardo decidiu conceder uma entrevista ao programa Brasil Urgente, da Band, para recuar da declaração e pedir desculpas ao tratar de um "cenário hipotético".
"Eu talvez tenha sido infeliz em falar do AI-5, porque não existe qualquer possibilidade de retorno. Mas nesse cenário, o governo tem que tomar as rédeas da situação, não pode simplesmente ficar refém de grupos organizados para promover o terror."
Direito de imagem Pablo Valadares/Câmara dos Deputados Image caption Constituição prevê ao mesmo tempo a chamada 'imunidade parlamentar', mas também perda de mandato por 'quebra de decoro' ou por 'abuso das prerrogativas' dos congressisas
Ele afirmou também que por ter sido "democraticamente eleito, não convém a mim, não é interessante, a radicalização."
A declaração do parlamentar foi alvo de uma série de representações no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados e pode, em última instância, levar à cassação do mandato dele. Foram apresentadas ações contra ele também no Supremo Tribunal Federal sob acusação de "Incitar publicamente ato criminoso", crime previsto no Código Penal.
Ameaças à concessão da TV Globo
Bolsonaro fez uma série de ataques à TV Globo depois que a emissora publicou no último dia 29 uma reportagem sobre uma citação ao presidente por uma testemunha da investigação do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
Segundo o Jornal Nacional, o porteiro do condomínio onde Bolsonaro morava no Rio de Janeiro afirmou à Polícia Civil que um dos acusados de participação direta nos homicídios visitou o local no dia do crime e pediu para ir à casa do presidente (e teria sido autorizado a entrar no condomínio por "Seu Jair", segundo a testemunha).
No dia seguinte, o Ministério Público do Rio de Janeiro classificou essa citação no depoimento como falsa, porque não constava no sistema de gravações de interfone do condomínio a ligação para a casa de Bolsonaro. Só que o órgão não deu indícios de ter sequer investigado a possibilidade de o áudio ter sido apagado, e uma das promotoras fez campanha para Bolsonaro em 2018.
Horas depois da veiculação da reportagem da Globo, Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo em sua conta no Facebook na qual fez ameaças ao processo de renovação da concessão pública da emissora.
"Teremos uma conversa em 2022", disse o presidente, que estava em visita oficial à Arábia Saudita, se referindo ao prazo de renovação da concessão. "Eu tenho que estar morto até lá. Porque o processo de renovação da concessão não vai ter perseguição, Nem pra vocês nem pra TV nem rádio nenhuma. Mas o processo tem que estar enxuto, tem que estar legal. Não vai ter jeitinho pra vocês, nem para ninguém. É essa a preocupação de vocês? Continuem fazendo essa patifaria contra o presidente Bolsonaro e sua família. Continua, TV Globo!", disse o presidente, aos gritos.
Direito de imagem MÁRIO VASCONCELLOS/CMRJ Image caption A vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em março de 2018 juntamente com o motorista Anderson Gomes
Horas depois, questionado por jornalistas, ele negou que tenha feito ameaças à imprensa.
Perguntado pela BBC News Brasil se não teme comparações com Hugo Chavéz, mandatário venezuelano que em 2007 não renovou a concessão da RCTV, emissora de maior audiência no país, após discordar da cobertura do canal sobre seu governo e acusá-la de ser "golpista".
"Ô, ô, ô, aqui não tem ditadura, aqui não tem ditadura", rebateu o presidente brasileiro. "Qualquer concessão tem que cumprir a lei, nada mais além disso. Nunca, em nenhum momento, partiu de mim nenhuma ameaça a qualquer órgão de imprensa no Brasil."
A decisão por uma não renovação ou aprovação de uma concessão passa inicialmente pelo Poder Executivo, mas precisa ser autorizada por dois quintos do Congresso Nacional.
Prisão em segunda instância e leão cercado por hienas
Na terceira vez em pouco mais de dez anos, o Supremo Tribunal Federal pode mudar seu entendimento sobre o momento em que o réu deve começar a cumprir a pena a que foi condenado.
Até 2016, era preciso esperar o "trânsito em julgado", com o fim de todos os recursos disponíveis em tribunais superiores. Naquele ano, porém, o STF entendeu que o réu pode começar a cumprir pena logo depois da decisão da segunda instância do Judiciário.
Agora, novamente, a Corte pode rever mais uma vez este entendimento, decisão com potencial de tirar da cadeia milhares de pessoas hoje presas, entre elas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Direito de imagem Reuters Image caption O resultado da decisão do STF deve afetar os casos envolvendo o presidente Lula
Em meio ao debate inflamado na mídia e nas redes sociais, o perfil do presidente Jair Bolsonaro no Twitter publicou em 17 de outubro uma defesa do cumprimento da pena imediatamente após condenação em segunda instância.
"Aos que questionam, sempre deixamos clara nossa posição favorável em relação à prisão em segunda instância. Proposta de Emenda à Constituição que encontra-se no Congresso Nacional sob a relatoria da Deputada Federal @CarolDeToni."
A mensagem foi recebida por autoridades como uma tentativa de pressão sobre os poderes Judiciário e Legislativo, e foi apagada logo depois.
Responsável pelas redes sociais do pai, o vereador Carlos Bolsonaro pediu desculpas pela publicação. "Eu escrevi o tuíte sobre segunda instância sem autorização do Presidente. Me desculpem a todos! A intenção jamais foi atacar ninguém! Apenas expor o que acontece na Casa Legislativa!"
No dia 28 do mesmo mês, uma nova mensagem foi publicada e em seguida apagada das redes sociais de Jair Bolsonaro.
Direito de imagem STF Image caption Se a prisão em segunda instância se concretizar, será a terceira mudança em pouco mais de dez anos
O vídeo veiculado trazia um leão identificado como Bolsonaro e cercado por hienas identificadas como PT, STF, OAB, ONU e veículos de imprensa, entre outros. Decano do Supremo, Celso de Mello afirmou que "o atrevimento presidencial parece não encontrar limites".
Horas depois, Bolsonaro, que havia autorização a publicação do vídeo, pediu desculpas públicas à Corte. "Me desculpo publicamente ao STF, a quem por ventura ficou ofendido. Foi uma injustiça, sim, corrigimos e vamos publicar uma matéria que leva para esse lado das desculpas. Erramos e haverá retratação."
Fechar Supremo com cabo e soldado
Em julho de 2018, Eduardo Bolsonaro afirmou em um cursinho no Paraná para candidatos de um concurso da Polícia Federal que bastariam um soldado e um cabo para fechar o Supremo Tribunal Federal. O vídeo veio à tona em outubro.
O parlamentar fez sua declaração após ser questionado sobre uma hipotética possibilidade do STF de impedir que Bolsonaro assumisse a Presidência da República em caso de vitória nas eleições.
"Aí já está caminhando para um estado de exceção. O STF vai ter que pagar para ver e aí vai ser ele contra nós. Se o STF quiser arguir qualquer coisa, sei lá, recebeu uma doação ilegal de R$ 100 do José da Silva, pô, impugna a candidatura dele. Não acho improvável, não, mas aí vai ter que pagar para ver. Será que vão ter essa força mesmo?", disse.
Direito de imagem Rosinei Coutinho/STF Image caption Ministra do STF e do TSE, Rosa Weber disse que magistrados não se deixar abalar por declarações do tipo
"Cara, se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo, não." E completou: "O que é o STF? Tira o poder da caneta de um ministro do STF. Se prender um ministro do STF, você acha que vai ter uma manifestação popular a favor do ministro do STF, milhões na rua?"
A declaração gerou reação dura nas cortes superiores. "Juiz algum no país, juízes todos no Brasil (que) honram a toga, se deixam abalar por qualquer manifestação que eventualmente possa ser compreendida como conteúdo inadequado", afirmou Rosa Weber, ministra do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"As declarações do deputado Eduardo Bolsonaro merecem repúdio dos democratas. Prega a ação direta, ameaça o STF", declarou o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso.
Questionado sobre o assunto, o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro desautorizou o filho Eduardo: "Isso não existe. Se alguém falou em fechar o STF, precisa consultar um psiquiatra. Desconheço. Duvido. Alguém tirou de contexto".
Ante a repercussão, Eduardo Bolsonaro afirmou que a declaração "não era motivo para alarde" e que as reações eram "mais uma forçação de barra para atingir Jair Bolsonaro".
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50263127?ocid=socialflow_twitter
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