
No final de semana em que Teori Zavascki foi enterrado, o Brasil
seguiu tangenciando, com meias-palavras, argumentação oblíqua e eufemismos, os
dilemas decorrentes de sua morte. A mídia, além de contornar a suspeita de que
pode ter havido um atentado, ocupou-se da sucessão na relatoria da Lava Jato no
STF, discutindo hipóteses sem tocar na ferida que lateja: investigados não podem
indicar o investigador/julgador. Isso vale para Temer, que indicará o novo
ministro, e para os senadores, que aprovarão o nome indicado. Os ministros
divergem, os juristas palpitam mas sem pôr o dedo na ferida: é o receio de que o
Executivo e o Legislativo venham a golpear a Lava Jato que leva a ministra
Cármem Lúcia e seus pares a buscar brechas no regimento para evitar que a
relatoria sobre para o ministro a ser indicado por Temer e aprovado pelo
Senado, com a escolha de um relator entre os ministros atuais, podendo até ela
mesma, num gesto extremo, homologar a delação da Odebrecht. O ministro-chefe
da Casa Civil, Eliseu Padilha, também de forma evasiva, afirmou que, com a morte
de Teori, o governo ganhou “algum tempo”. Para quê? Para aprovar a anistia
prévia aos políticos que aparecerem na delação? Para postergar a ação de
cassação da chapa Dilma/Temer no TSE? Ou para tentar aprumar a economia como
blindagem para Temer antes que venha a divulgação da delação? Tudo, no
pós-Teori, é dito assim, como num diálogo cifrado para a maioria e inteligível
só por uns poucos.
Em relação à substituição na relatoria, deparei-me com uma única
opinião franca sobre o assunto, a da professora de Direito da FGV/SP Eloisa
Machado, que afirmou a El Pais Brasil: “Se não há confiança na isenção do
presidente da República para a indicação de um ministro da corte, esta deveria
ser barrada e o presidente investigado”.
Mesmo havendo Temer declarado que só indicará o novo ministro após o
STF escolher o novo relator (decisão que ainda nem foi tomada pela corte), isso
não afasta a possibilidade de uma forte guinada na Lava Jato. Se um relator for
escolhido entre os ministros atuais, ele decidirá sobre ações em curso, como a
delação da Odebrecht, mas depois de empossado, é o novo ministro que herdará a
relatoria e responderá pelos desdobramentos da Lava Jato. A delação da Camargo
Correa, por exemplo, já será assunto dele. . E o relator, todos sabem, tem um
poder imenso sobre os rumos do inquérito. Se aguardar a posse do novo ministro é
solução tão temerária que já está praticamente descartada, a adoção do
“jeitinho” jurídico permitido pelo artigo 69 (a indicação ou sorteio de novo
relator entre os ministros atuais em casos “urgentes”) também não será positiva
para o país nem para o STF, como diz Eloisa Machado:
-
O
regimento interno do STF é bastante claro ao afirmar que o novo ministro,
sucessor de Teori, deverá receber os casos. É o que está previsto no artigo
38. Apesar disso,
cogita-se
alterar essa regra, criando uma excepcionalidade para que os casos da Lava
Jato fiquem com algum ministro que já faz parte do Supremo. Se isso ocorrer,
com certeza haverá o questionamento sobre a isenção e imparcialidade do STF no
caso. Ora, se o problema é a desconfiança com o ministro a ser indicado –
motivada pelo possível envolvimento do presidente Michel Temer e da cúpula do
seu Governo nas delações –, ele não será resolvido com uma interpretação
diferente do regimento. O que deveria acontecer é: se não há confiança na
isenção do presidente da República para a indicação de um ministro da corte,
esta deveria ser barrada e o presidente investigado”. Este seria o caminho num
país sério e numa sociedade exigente mas não no Brasil de hoje, que vem
pisoteando a democracia e os avanços civilizatórios, ante uma maioria perplexa e
inativa.
Eloisa Machado acha que o STF deve evitar o jeitinho e deixar que
Temer assuma sua responsabilidade. “É importante que as regras sejam seguidas e
que o processo seja feito com transparência: Temer, mesmo tendo sua legitimidade
questionada, tem que assumir o ônus e a responsabilidade por seus atos”. Ela
receia que a opção pelo “jeitinho” (a busca de brecha regimental) contribuirá
para agravar a crise institucional, depois de ter havido em 2016 um impeachment
questionável da presidente da República e de o STF ter tido que reformar a
liminar do ministro Marco Aurélio determinando o afastamento de Renan Calheiros
do cargo, contestada pelo próprio e pela Mesa do Senado. Receia a perda de
confiança na isenção do STF, a suspeita de manipulação na escolha do relator,
qualquer que seja ele. Por isso, sugere mais transparência na decisão, pois hoje
ninguém sabe ao acerto como ocorrem os sorteios: “O STF hoje não divulga a
forma, o algoritmo usado para essa distribuição eletrônica de processos,
diminuindo a transparência e o controle social sobre isso. Sem dúvidas, se o
caso for redistribuído, mais transparência seria importante para controlar a
eficiência desse processo”.
As suspeitas sobre o acidente com Teori também ficaram no indizível.
Ou no esforço desmoralizador com a qualificação de “teorias conspiratórias”.
Não há delírio nem dúvida, o que existe é suspeita mesmo, que só pode ser lavada
por uma boa investigação. Até agora, só sabemos que a Polícia Federal e o MPF
pediram abertura de inquérito. O STF, o que fará?
Passemos às meias palavras de Eliseu Padilha. Com a morte de Teori,
disse ele na sexta-feira, sem dúvida “ganhamos algum tempo” em relação à
homologação das delações. Gamhamos quem, o governo? Certamente que sim. E para
quê? A declaração foi pouco destacada e questionada na mídia e o ministro não se
deu ao trabalho de explicá-la melhor. O que ele deixou claro é que alguma coisa
o governo ganha com a morte de Teori.
Se não for com a escolha do novo ministro, será pelo menos com o
inevitável atraso na homologação da delação da Odebrecht e com os seus
desdobramentos, que podem atingir Temer (citado 43 vezes num só depoimento), uns
200 congressistas e alguns ministros.
Com o atraso, após a eleição do novo presidente da Câmara, o projeto
que anistia políticos que receberam recursos eleitorais por caixa dois poderá
ser retomado, seja Rodrigo Maia ou Jovair Arantes o eleito. Fala-se em caixa
dois mas o projeto será uma porteira aberta, pela qual passará boi e passará
boiada. Caixa dois e propina.
E como Gilmar Mendes já disse que o processo de cassação da chapa
Dilma-Temer no TSE deverá levar em conta as revelações da delação da Odebrecht,
o atraso na homologação e divulgação - que Teori faria em fevereiro, levará à
procrastinação do julgamento.
E assim, enquanto o tempo passa, o governo tenta sair de seu
labirinto econômico, criando quem sabe condições favoráveis para que Temer seja
poupado. Afinal, quando tudo for exposto ao sol, faltará pouco tempo para a
eleição presidencial e o país estará começando a entrar nos trilhos. Hoje isso
não está acontecendo, apesar da inflação e dos juros cadentes, mas o governo
continua apostando no tempo. Será a isso que Padilha se referiu ao falar que com
a morte “ganhamos algum tempo”?
Mistérios. A república bananeira agora vai se tornando também uma
terra de sussurros. Começar a falar claro seria a melhor terapia.
http://www.brasil247.com/pt/blog/terezacruvinel/276483/Por-que-n%C3%A3o-falamos-claro-sobre-os-dilemas-do-p%C3%B3s-Teori.htm
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