Brasil 247 – Na manhã da quarta-feira 7, quando recebeu a equipe do 247 para uma entrevista exclusiva, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tinha sobre a mesa uma reportagem sobre um suposto pedido de socorro da Polícia Federal para pagar suas contas de luz e outras despesas operacionais básicas, em Curitiba, onde se desenrola a Operação Lava Jato. “Isso não faz o menor sentido”, protestava. “Como eles podem ter passado o chapéu [era esse o título da reportagem] se no ano passado devolveram R$ 3 milhões ao ministério?”, questionava.
A reportagem incomodou particularmente o ministro porque tocou num ponto delicado – a seu ver, tentava-se criar a imagem de que o governo federal poderia estar sabotando os trabalhos da Operação Lava Jato. “No ano passado, diante das restrições econômicas e orçamentárias, fizemos cortes em todas as áreas, menos nas polícias”, diz Cardozo. Ele também está ciente de que a postura republicana do governo começa a se transformar num trunfo contra maquinações golpistas da oposição. “Quem era a favor do impeachment hoje se dá conta de que o governo da presidente Dilma é o maior aliado no combate à corrupção”, disse Cardozo, na entrevista concedida aos jornalistas Leonardo Attuch e Paulo Moreira Leite. Nesse depoimento, ele também defendeu os acordos de leniência, a autocrítica do PT e um amplo diálogo entre governo e oposição em torno da reforma política.
Cardozo – Estou muito à vontade para falar sobre isso, pois sempre tive uma postura que alertava para a necessidade de mudanças no PT. Em 2005, já defendíamos a refundação do partido. Mas queria deixar claro que é inaceitável falar que o PT, como partido, como instituição, se envolveu com a corrupção. O PT é um grande partido, que nasceu para transformar o país e fez isso. Não há como negar as mudanças realizadas por nossos governos. Alguns membros do partido podem ter feito coisas erradas e seus erros devem ser apurados. Mas é errado generalizar. Não se trata de uma ação do conjunto.
247 – Não é fácil criticar os pragmáticos do PT agora, quando o partido está no governo? Será que se poderia dizer a mesma coisa lá atrás, quando o PT lutava para ganhar eleições, discutia alianças, redefinia seu programa original e e passou a atuar dentro de regras que eram seguidas pelos demais partidos?
Cardozo – Nunca defendi uma visão onírica da política. Ninguém faz política apenas com sonhos. Eles devem ser combinados com a realidade da política. Caso contrário, não se vai a nenhum lugar. Mas isso não quer dizer que você pode partir para o vale-tudo. Precisa manter os princípios. Essa combinação é que faz a diferença. Essa reflexão precisa ser feita pelo PT. Não implica em renegar seu passado que, nós sabemos, é um passado glorioso. Mas pensar equívocos, para evitar que se repitam.
247 – A mudança nas regras de campanha, que proíbem o financiamento de empresas privadas, podem trazer benefícios daqui para a frente?
Cardozo – Sem dúvida, é um avanço. Isso estabelece um novo quadro para as eleições. Mas não é suficiente. Precisamos nos empenhar, fortemente, no debate da reforma política.
247 – Qual mudança que seria mais mais importante?
Cardozo – Se você perguntar para o José Eduardo Cardozo qual é a proposta que mais me agrada, eu respondo que é o voto distrital misto.
247 – Por que?
Cardozo – Este é um sistema de votos que combina a eleição na base, no distrito, o que é bom para o sistema político, pois lhe dá mais densidade. Ao mesmo tempo, você tem uma lista partidária, que impede uma disputa de caráter paroquial, e pode dar conta das questões nacionais.
247 – Esse tipo de voto não é típico do parlamentarismo?
Cardozo – Sou favorável à combinação de dois sistemas: o voto distrital misto para escolha de parlamentares, que vigora na Alemanha, e o presidencialismo da França, que muitas pessoas chamam de semi-presidencialismo.
247 – Em alguns círculos, já se ouve falar em parlamentarismo, sistema que foi rejeitado por ampla maioria em dois plebibiscitos nacionais, em 1963 e 1996. Como vê isso?
Cardozo – Não estou falando de parlamentarismo mas desse sistema que vigora na França, que pressupõe um fortalecimento do Estado e dá grande legitimidade às decisões. Eu acho que pessoas favoráveis ao parlamentarismo têm todo direito de fazer essa discussão e defender este caminho. Mas é bom ter claro que vivemos num regime presidencialista e qualquer mudança dessa natureza não deve ser pensada para hoje, mas para o futuro. Pensar em mudanças de regime político para resolver um problema de momento seria casuísmo.
247 – O senhor acredita que quando as portas do impeachment se fecharem, haverá espaço para diálogo entre governo e oposição em torno de reformas?
Cardozo – Isso é fundamental para o País. Alguns, na oposição, ainda se deixam iludir por um grave erro de percepção, ao imaginar que poderão se beneficiar de uma crise como a atual, que mostra como o sistema político está carcomido. Todos que se imaginam estadistas deveriam buscar saídas em torno de uma reforma política e também consensos em temas econômicos, que são vitais para o País.
247 – Recentemente, o sr. foi alvo de intolerância em São Paulo, quando se dirigia a uma livraria. O episódio mais recente envolveu o cantor Chico Buarque, no Leblon. O que está acontecendo com o Brasil?
Cardozo – No meu caso, quando me abordaram de maneira hostil, eu me mostrei pronto a debater. No fim, quase tive que apartar uma briga entre um grupo que achava que eu deveria ser agredido e outro que defendia o meu direito de ir e vir, como uma pessoa comum. Em relação ao Chico Buarque, eu nunca imaginei que isso pudesse ocorrer num país tolerante, como o Brasil. Ver uma pessoa como ele ser agredido em razão de uma inclinação política. Repito: é hora de buscar serenidade e tolerância. Mas eu já vejo sinais de que a população se dá conta de que o Brasil está sendo saneado graças à determinação da presidente Dilma Rousseff.
247 – E como está o ânimo da presidente?
Cardozo – Ela cresce e se fortalece nas crises. É um dos traços da sua personalidade.
A reportagem incomodou particularmente o ministro porque tocou num ponto delicado – a seu ver, tentava-se criar a imagem de que o governo federal poderia estar sabotando os trabalhos da Operação Lava Jato. “No ano passado, diante das restrições econômicas e orçamentárias, fizemos cortes em todas as áreas, menos nas polícias”, diz Cardozo. Ele também está ciente de que a postura republicana do governo começa a se transformar num trunfo contra maquinações golpistas da oposição. “Quem era a favor do impeachment hoje se dá conta de que o governo da presidente Dilma é o maior aliado no combate à corrupção”, disse Cardozo, na entrevista concedida aos jornalistas Leonardo Attuch e Paulo Moreira Leite. Nesse depoimento, ele também defendeu os acordos de leniência, a autocrítica do PT e um amplo diálogo entre governo e oposição em torno da reforma política.
247 – A empresária paulistana Rosângela Lyra, que vinha organizando atos pró-impeachment, mudou de posição e agora alega que o governo Dilma é o único que permite um verdadeiro combate a corrupção. Outras pessoas têm manifestado a mesma opinião. O senhor acredita que essa percepção irá se disseminar?
José Eduardo Cardozo – Recentemente, numa reunião da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, eu usei uma metáfora. Comparei a corrupção a um câncer. No começo, é indolor. Entra no corpo e a pessoa não percebe. Depois, quando vem o diagnóstico, muitas vezes, o paciente se revolta contra o médico. Numa reação inconformada, não aceita o diagnóstico, questiona os exames e os próprios médicos. Mais tarde, quando se confirma a gravidade da doença, aceita o tratamento e fica agradecida ao médico. Eu acho que é isso que está acontecendo.
247 – Muitas pessoas, inclusive do PT, pedem sua cabeça desde o início da Lava Jato…
Cardozo – É impossível, num processo dessa natureza, exigir que as pessoas não fiquem com os nervos à flor da pele. Haverá sempre uma tendência para não se olhar o fato e se olhar o sujeito. Nas investigações criminais, a situação de quem investiga é sempre delicada. Isso porque a pessoa inocente, quando investigada, se sente injustiçada. E quando isso se torna público, é pior ainda, porque há um constrangimento social. Por outro lado, aquele pessoa que de fato cometeu um crime sempre alegará inocência. Além disso, há um outro fator que contamina a análise.
247 – Qual seria?
Cardozo – No Brasil, as pessoas têm a tendência a achar que sempre existe algo por trás das investigações. Ou se está usando o aparelho do Estado para perseguir um inimigo ou há um incompetência daquele que permite que o amigo seja investigado. Eu fui alvo de muitos ataques quando se investigou, por exemplo, o escândalo do metrô de São Paulo, que atingiu pessoas da oposição a quem eu respeito. Da mesma forma, fui atacado recentemente por pessoas do meu próprio partido. O Brasil ainda é uma república jovem. O país se tornou república em 1889 e a primeira constituição republicana é de 1891. O fato é que ninguém pode estar acima da lei, mas isso, de fato, tem se tornado uma realidade mais perceptível no governo da presidente Dilma Rousseff. A única determinação que ela me fez foi uma: não permitir que sejam cometidos abusos e atos arbitrários.
247 – O senhor acredita que combate à corrupção será, então, o grande legado da presidente Dilma Rousseff?
Cardozo – Será um dos legados. Não sei se o mais importante, mas com certeza, uma contribuição essencial para o aperfeiçoamento das relações entre os setores público e privado no País.
247 – Um debate importante, hoje, envolve os acordos de leniência. O governo defende esses acordos com o argumento de que irão contribuir para amenizar os efeitos econômicos e sociais da Operação Lava Jato. Mas há quem diga que eles só contribuem para a impunidade.
Cardozo - Eu acho que não podemos ter uma visão estreita sobre o que se deve fazer. A experiência de outros países, que tem um histórico mais antigo de combate a corrupção, precisa ser compreendida e aproveitada por nós. Não para ser aplicada mecanicamente, mas para servir a nossa realidade.
247 – Qual é o fundamento jurídico dos acordos de leniência?
Cardozo – Eu não posso, para afirmar um direito, aniquilar outros. Não posso, para assegurar um interesse legítimo, matar outro interesse igualmente legítimo. Para assegurar a punição de uma pessoa que cometeu um crime eu não posso punir pessoas que não tem a menor responsabilidade sobre o que aconteceu. Quando se fecha uma empresa para punir atos de corrupção estamos punindo pessoas que não praticaram nenhum delito. Nós sabemos, e essa garantia está até na Constituição, que uma punição não pode ultrapassar as pessoas que cometeram um delito. Há um erro de concepção nessa visão, que precisa ser debatido, para que essa questão fique clara. Não se pode tratar uma pessoa jurídica como se fosse uma pessoa física. O importante é discutir sem paixão, mas com racionalidade. Precisamos ter equilíbrio para investigar e punir quem praticou delitos. A legislação prevê multas pesadas para as empresas, é bom não esquecer. Mas, ao mesmo tempo, devemos evitar que a economia seja abalada. Temos de evitar que os inocentes sejam punidos. É preciso evitar, nessa hora, que se cometam arbítrios. Precisamos de serenidade. Eu acho que o Brasil, hoje, precisa menos de Torquemadas e mais de estadistas.
247 – O que o senhor quer dizer com isso?
Cardozo – O estadista é aquele que sabe quem punir e consegue evitar que o conjunto da sociedade sofra os efeitos do saneamento que está sendo feito. Torquemada é aquele que age de forma motivada pelo messianismo, sem medir as consequências e danos que podem ser causados. É difícil ter serenidade no passionalismo, na intolerância. Torquemadas estão presentes em qualquer situação onde o passionalismo e a intolerância persistem.
247 – Neste início de 2016, a tensão da situação política diminuiu. O senhor acha que é uma trégua passageira ou podemos pensar que o país terá um ano melhor do que 2015?
Cardozo – Eu acho que tudo levar a crer que teremos um ano mais tranquilo. Em primeiro lugar, eu sinto que a sociedade já percebeu que não existem fatos para pedir o afastamento da presidente. Em segundo, percebeu que o desencadear do processo de impeachment foi feito por um presidente da Câmara que agiu por vingança e continua agindo até hoje, com tantas denúncias graves contra ele, como se nada tivesse acontecido. Além disso, está claro que o pedido de impeachment começou a ser conduzido pela oposição desde o primeiro dia. Logo após a derrota nas urnas ela já falava de fraude nas urnas, pediu recontagem de votos, dizia que as máquinas não tinham funcionado. Pediram tudo. Só não foram ao Vaticano pediram anulação da eleição, mas acho que ainda farão isso. O comportamento de uma parcela da oposição lembra o Ideiafix, aquele personagem das histórias em quadrinhos do Asterix. Como Ideiafix, a oposição não consegue pensar em outra coisa. Não tem uma proposta para a economia, não tem proposta para a área social, só pensa no impeachment. Isso é ruim para o país, pois o debate politico de ideias e propostas seria muito importante. Com este comportamento, a oposição está dando uma imensa contribuição para a filosofia do Direito.
247 – Como assim?
Cardozo – Sempre se imaginou, na ciência do Direito, que você precisava de fatos para entrar com pedido de impeachment. Desta vez, se inverteu a situação. Primeiro se faz o pedido e depois se vai atrás dos fatos. É a primeira vez na história que isso acontece. Há um outro elemento, também. Em função de sua situação objetiva, o presidente da Câmara e alguns de seus aliados investem no quanto pior, melhor. Mas a sociedade já percebeu isso e não quer isso. Há uma saturação, até porque a crise política agrava a crise econômica. Tudo isso me leva a crer que setores da oposição que têm mais senso político, percebendo que estão entrando numa rota perigosa, de um impeachment sem fatos, terão mais serenidade. Até porque poderão entrar para a história manchados como golpistas.
247 – O senhor acredita que o processo de impeachment será interrompido se o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) for afastado da presidência da Câmara?
Cardozo – Eu acho que o processo não será interrompido por uma razão como essa. O impeachment vai acabar porque por absoluta falta de fatos. Eu acho que o processo está umbilicalmente ligado ao deputado Eduardo Cunha. É uma projeção de sua personalidade. Mas, sem querer fazer especulação, eu acho que, se ele vier a ser afastado, o processo irá prosseguir até a Câmara concluir que não tem base nenhuma.
247 – E a ação no TSE?
Cardozo – Não tem fundamento jurídico algum. As contas da presidente já foram aprovadas pelo próprio TSE.
247 – No primeiro dia útil do ano, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicou um artigo que sinaliza uma guerra. Disse que a presidente Dilma Rousseff deveria sair de qualquer maneira – por impeachment, por renúncia, por cassação no TSE, o que for...
Cardozo – Eu não esperava essa posição do ex-presidente Fernando Henrique. Não tem a ver com a história dele. Imagino que ele poderá ter uma nova reflexão mais aguda para reavaliar o rumo que as coisas estão tomando. É um erro de qualquer um imaginar que poderá se beneficiar desse processo.
247 – E o PSDB?
Cardozo – Os tucanos têm uma postura diferenciada. Alguns aderiram ao impeachment quando parecia que o Eduardo Cunha seria capaz de conduzir o processo. Depois, recuaram . Agora, alguns podem ter concluído que saltaram do bonde na hora errada e voltaram para cima do muro.
247 – Os líderes da Associação de Delegados da Polícia Federal dizem que os cortes no orçamento da PF representam uma tentativa de sucatear seu trabalho, sabotando as investigações da Lava Jato.
Cardozo – Isso não tem pé nem cabeça. É puro factoide, criado por uma razão fácil de entender. O que move a Associação de Delegados é uma reivindicação por salários. Mas é complicado pedir aumento num país em crise, em nome de uma categoria que já tem um salário inicial de quase R$ 17 000, sem falar em outros benefícios. Então, falam que os cortes representam uma forma de sucateamento. É uma tese risível.
247 – Mas estamos falando de R$ 130 milhões. Isso não faz diferença?
Cardozo – A questão é saber como serão esses cortes. A Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal são nossa prioridade e não terão perdas. Têm um tratamento diferenciado, como já aconteceu no ano passado. Isso é uma decisão tomada. Quando se fala em R$ 130 milhões, é bom lembrar que desse total, R$ 50 milhões vão sair da Divisão de Passaportes, que gasta menos do que se arrecada com a emissão de passaportes. Outros R$ 70 milhões vão sair da área administrativa do ministério e representam uma providência que já vinha sendo estudada antes dos cortes. O importante é entender o número global. O nosso orçamento, para 2016, será exatamente igual ao que foi executado – isto é, gasto – em 2015. Ninguém vai dizer que a Lava Jato não funcionou no ano passado, certo? Não tivemos perdas. Como falar em sucateamento?
247 – Sempre é possível imaginar que pode faltar dinheiro para as investigações.
Cardozo – Neste caso, é possível pleitear uma recomposição do orçamento junto ao Ministério do Planejamento. E se isso não funcionar, o Ministério da Justiça tem uma reserva, para gastos discricionários, no valor de R$ 2,8 bilhões. É um dinheiro que pode ser deslocado, dentro do ministério, de uma área para outra.
247 – O que se diz é que o juiz Sérgio Moro autorizou a liberação de recursos da Lava Jato para que a Superintendência da Polícia Federal do Paraná pudesse enfrentar despesas que não podia pagar. Por que isso aconteceu?
Cardozo – O pedido foi feito e o juiz Moro autorizou o gasto. Mas eu já pedi esclarecimentos sobre o assunto. Depois de pedir recursos ao juiz Moro, a mesma Superintendência, no final do ano, devolveu uma sobra de R$ 3 milhões. Ainda não entendi isso.
247 – Dias atrás, respondendo a uma pergunta sobre denúncias de corrupção, o ministro Jaques Wagner disse que o PT se lambuzou no sistema de financiamento privado de campanha. Como o senhor enxerga isso? Cardozo – Estou muito à vontade para falar sobre isso, pois sempre tive uma postura que alertava para a necessidade de mudanças no PT. Em 2005, já defendíamos a refundação do partido. Mas queria deixar claro que é inaceitável falar que o PT, como partido, como instituição, se envolveu com a corrupção. O PT é um grande partido, que nasceu para transformar o país e fez isso. Não há como negar as mudanças realizadas por nossos governos. Alguns membros do partido podem ter feito coisas erradas e seus erros devem ser apurados. Mas é errado generalizar. Não se trata de uma ação do conjunto.
247 – Não é fácil criticar os pragmáticos do PT agora, quando o partido está no governo? Será que se poderia dizer a mesma coisa lá atrás, quando o PT lutava para ganhar eleições, discutia alianças, redefinia seu programa original e e passou a atuar dentro de regras que eram seguidas pelos demais partidos?
Cardozo – Nunca defendi uma visão onírica da política. Ninguém faz política apenas com sonhos. Eles devem ser combinados com a realidade da política. Caso contrário, não se vai a nenhum lugar. Mas isso não quer dizer que você pode partir para o vale-tudo. Precisa manter os princípios. Essa combinação é que faz a diferença. Essa reflexão precisa ser feita pelo PT. Não implica em renegar seu passado que, nós sabemos, é um passado glorioso. Mas pensar equívocos, para evitar que se repitam.
247 – A mudança nas regras de campanha, que proíbem o financiamento de empresas privadas, podem trazer benefícios daqui para a frente?
Cardozo – Sem dúvida, é um avanço. Isso estabelece um novo quadro para as eleições. Mas não é suficiente. Precisamos nos empenhar, fortemente, no debate da reforma política.
247 – Qual mudança que seria mais mais importante?
Cardozo – Se você perguntar para o José Eduardo Cardozo qual é a proposta que mais me agrada, eu respondo que é o voto distrital misto.
247 – Por que?
Cardozo – Este é um sistema de votos que combina a eleição na base, no distrito, o que é bom para o sistema político, pois lhe dá mais densidade. Ao mesmo tempo, você tem uma lista partidária, que impede uma disputa de caráter paroquial, e pode dar conta das questões nacionais.
247 – Esse tipo de voto não é típico do parlamentarismo?
Cardozo – Sou favorável à combinação de dois sistemas: o voto distrital misto para escolha de parlamentares, que vigora na Alemanha, e o presidencialismo da França, que muitas pessoas chamam de semi-presidencialismo.
247 – Em alguns círculos, já se ouve falar em parlamentarismo, sistema que foi rejeitado por ampla maioria em dois plebibiscitos nacionais, em 1963 e 1996. Como vê isso?
Cardozo – Não estou falando de parlamentarismo mas desse sistema que vigora na França, que pressupõe um fortalecimento do Estado e dá grande legitimidade às decisões. Eu acho que pessoas favoráveis ao parlamentarismo têm todo direito de fazer essa discussão e defender este caminho. Mas é bom ter claro que vivemos num regime presidencialista e qualquer mudança dessa natureza não deve ser pensada para hoje, mas para o futuro. Pensar em mudanças de regime político para resolver um problema de momento seria casuísmo.
247 – O senhor acredita que quando as portas do impeachment se fecharem, haverá espaço para diálogo entre governo e oposição em torno de reformas?
Cardozo – Isso é fundamental para o País. Alguns, na oposição, ainda se deixam iludir por um grave erro de percepção, ao imaginar que poderão se beneficiar de uma crise como a atual, que mostra como o sistema político está carcomido. Todos que se imaginam estadistas deveriam buscar saídas em torno de uma reforma política e também consensos em temas econômicos, que são vitais para o País.
247 – Recentemente, o sr. foi alvo de intolerância em São Paulo, quando se dirigia a uma livraria. O episódio mais recente envolveu o cantor Chico Buarque, no Leblon. O que está acontecendo com o Brasil?
Cardozo – No meu caso, quando me abordaram de maneira hostil, eu me mostrei pronto a debater. No fim, quase tive que apartar uma briga entre um grupo que achava que eu deveria ser agredido e outro que defendia o meu direito de ir e vir, como uma pessoa comum. Em relação ao Chico Buarque, eu nunca imaginei que isso pudesse ocorrer num país tolerante, como o Brasil. Ver uma pessoa como ele ser agredido em razão de uma inclinação política. Repito: é hora de buscar serenidade e tolerância. Mas eu já vejo sinais de que a população se dá conta de que o Brasil está sendo saneado graças à determinação da presidente Dilma Rousseff.
247 – E como está o ânimo da presidente?
Cardozo – Ela cresce e se fortalece nas crises. É um dos traços da sua personalidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário