Foto: Roberto Stuckert Filho/Arquivo
Há exatos 4 anos, no dia 31 de agosto de 2016, o Brasil assistiu a um dos capítulos mais vergonhosos de sua história: a consumação do golpe parlamentar, jurídico e midiático – apoiado e financiado por setores do capital financeiro nacional e internacional – que derrubou do poder a então presidenta eleita Dilma Rousseff, a primeira mulher a ocupar o comando do País. Após mais de três meses da abertura do processo que afastou temporariamente Dilma, o Senado concluía um julgamento de “cartas marcadas” – pelo placar de 61 a 20 – em que a decisão já havia sido tomada antes mesmo da aceitação do pedido de impeachment pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje preso por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
O movimento golpista foi iniciado logo após as eleições presidenciais de 2014, vencidas por Dilma, e não acatadas pelo candidato perdedor Aécio Neves (PSDB-MG). Com questionamentos à lisura das eleições, mas sem apresentar provas, e depois anunciando uma oposição para inviabilizar o governo petista, no decorrer dos meses o intento golpista de Aécio foi obtendo apoio de setores da elite insatisfeitos com a política petista de fortalecimento da soberania do País e com os avanços sociais. O objetivo único dessa aliança era interromper o quarto mandato seguido do PT na Presidência da República.
A esse grupo se juntou logo depois o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, já acusado de corrupção, e que desejava obter ajuda do governo Dilma para se livrar de um processo na Comissão de Ética da Câmara. Em um movimento de chantagem explícita, o então presidente da Câmara lançava e aprovava pautas bombas no legislativo, que reduziam o orçamento e prejudicavam a recuperação econômica do País e, ao mesmo tempo, apostava no acirramento do confronto político com o governo. No momento em que não obteve apoio para evitar a abertura do processo na Comissão de Ética da Câmara contra ele, em um ato de vingança Eduardo Cunha aceitou o pedido de impeachment contra Dilma, obtendo depois o apoio velado do então vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), que trabalhava nos bastidores pela derrubada da então presidenta.
Depois de aprovado o processo na Câmara, e já afastada pelo Senado da Presidência por crimes que não cometeu – as tais “pedaladas fiscais” – a presidenta eleita Dilma Rousseff – dois dias antes do julgamento final – se defendeu na tribuna do Senado e enfrentou 14 horas de interrogatório. A presidenta acusou seus algozes de atentarem contra a democracia, e disse na ocasião que as “provas” produzidas no processo de impeachment “deixam claro e inconteste que as acusações contra mim dirigidas são meros pretextos, embasados por uma frágil retórica jurídica”.
Mesmo sabendo que o ‘jogo’ para cassá-la já estava combinado, a então presidenta eleita proferiu um discurso na tribuna do Senado que hoje soa como profecia. Ela disse na ocasião que o processo para afastá-la do poder era na verdade um golpe contra o povo e a nação brasileira. “O que está em jogo são as conquistas dos últimos 13 anos: os ganhos da população, das pessoas mais pobres e da classe média; a proteção às crianças; os jovens chegando às universidades e às escolas técnicas; a valorização do salário mínimo; os médicos atendendo a população; a realização do sonho da casa própria”. E prosseguiu: “O que está em jogo é, também, a grande descoberta do Brasil, o pré-sal. O que está em jogo é a inserção soberana de nosso País no cenário internacional, pautada pela ética e pela busca de interesses comuns”, ressaltou.
Foi Golpe
Líder da Bancada do PT na época, o deputado Afonso Florence (PT-BA) destaca que juristas renomados do Brasil e do mundo ressaltaram que no processo contra Dilma não havia prova de crime de responsabilidade, e que, portanto, não havia base legal para o impeachment. Até mesmo uma perícia feita como parte do processo constatou que Dilma não havia praticado qualquer irregularidade. Segundo Florence, por essa razão o impeachment de Dilma tem todas as características de um golpe de Estado.
Afonso Florence – Foto: Lula Marques
“Ele (o impeachment) decorreu de lawfare, de uma perseguição política. Uma campanha difamatória de uma presidenta e seu partido por trás de interesses econômicos de políticos que iam desde o interesse em revogar o regime de partilha na cadeia petróleo e gás; à destinação social de recursos pelo fundo social para a educação e à saúde; à soberania nacional através da Petrobras como operadora única e da garantia de sua participação percentual na exploração do pré-sal; até interesses do mercado financeiro, de empresas e setores especulativos querendo rapinar o patrimônio nacional”, detalha o parlamentar.
Em 2016, o então presidente golpista Michel Temer conseguiu aprovar no Congresso Nacional alterações no Regime de Partilha da exploração do pré-sal. Segundo a medida de Temer, a Petrobras deixava a obrigatoriedade de participar de leilões de exploração de novos campos de petróleo, abrindo espaço para multinacionais do setor. Além de ferir a soberania nacional, causando prejuízos à Petrobras, a medida também reduzia recursos para a educação e saúde, vinculados ao lucro da exploração desse novos campos pela Petrobras, medida adotada pelos governos petistas.
Na época líder do Governo Dilma na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE) destaca que o golpe foi dado com o objetivo claro de impedir a trajetória de vitória do PT à Presidência. Segundo ele, as consequências maléficas desse ato foram catastróficas para o País. “O golpe dado pelos partidos de direita, PSDB, DEM, PMDB e seus asseclas golpistas, sobre a tutela e comando do golpista Michel Temer, foi para interditar os governos vitoriosos do PT. E o golpe trouxe consequências desastrosas para o País, com o agravamento da crise, o aviltamento das condições de vida, principalmente dos mais pobres, além das constantes ameaças à Constituição e ao Estado Democrático de Direito”, ressalta.
José Guimarães – Foto: Gabriel Paiva/Arquivo
A partir do processo de sabotagem do governo Dilma e da consumação do golpe, o Brasil passou a experimentar um acelerado crescimento da pobreza e da miséria no País, na contramão do que vinha ocorrendo no Brasil, quando programas sociais como o Bolsa Família (governo Lula) e Brasil Sem Miséria (governo Dilma), reduziram em 36 milhões de pessoas em condição de miséria no País, retirando o País do Mapa da Fome em 2014, segundo a FAO/ONU.
Dados do IBGE apontam que a pobreza no Brasil, que em 2015 atingia 9,9% da população (20,4 milhões), no ano seguinte, em 2016, alcançou 25,7% (53,1 milhões), seguindo em alta em 2017, com 26,5 (54,8 milhões). Situação semelhante ocorreu em relação à extrema pobreza, que em 2015 alcançava 5% da população (10,4 milhões), mas que aumentou em 2016 para 6,6% (13,7 milhões), e em 2017 para 7,7% (15,4 milhões).
O governo Temer também foi responsável por iniciar o processo de retirada de direitos sociais e trabalhistas do povo brasileiro. Em 2017, com o voto favorável do então deputado federal Jair Bolsonaro, Temer aprovou no Congresso a Emenda Constitucional do Teto de Gastos – que congela investimentos sociais por 20 anos, inclusive da saúde e educação – e a Reforma Trabalhista que reduziu direitos dos trabalhadores até então garantidos pela CLT, ao mesmo tempo em que fortaleceu o poder de negociação dos patrões.
Também em 2017, o governo Temer também conseguiu aprovar no Congresso a flexibilização dos contratos de trabalho, permitindo a terceirização irrestrita. A justificativa era a criação de milhões de empregos. No entanto, no decorrer dos anos o que se observa é que a legislação contribui apenas para a explosão do trabalho informal e da “pejotização” do trabalho, impactando inclusive na arrecadação da Previdência.
Bolsonaro é fruto do golpe
As mesmas forças políticas que apoiaram o golpe de 2016 contra Dilma, também ajudaram a eleger o atual presidente Jair Bolsonaro, de forma ativa ou passiva, nas eleições de 2018. O resultado é que a agenda ultraliberal implementada pela dupla Paulo Guedes-Bolsonaro tem intensificado a retirada de direitos do povo e a perda da soberania nacional, em benefício dos interesses do mercado financeiro nacional e internacional, apresentando um pífio crescimento econômico, de 1,1% em 2019.
Um dos exemplos disso foi a aprovação da Reforma da Previdência enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso em 2019, que dificultou a aposentadoria e retirou direitos previdenciários do povo, enquanto, ao mesmo tempo em que beneficia o setor financeiro que comanda o mercado previdenciário. Sem uma política de desenvolvimento e de geração de emprego e renda, e com o desemprego alto e a informalidade batendo níveis recordes, o governo Bolsonaro prefere apostar no confronto políticos, disseminação de fake news e ataques às instituições democráticas como forma de desviar a atenção da sociedade para os reais problemas do País.
Enio Verri – Foto: Gabriel Paiva/Arquivo
De acordo com o líder da Bancada do PT na Câmara, deputado Enio Verri (PR), o atual cenário do Brasil confirma o acerto das críticas de que o golpe atingiria em cheio a nação e o povo brasileiro. “É importante salientar que aquilo que denunciávamos à época do impeachment se concretizou. O golpe foi contra a democracia e a nação, e contra os direitos do povo brasileiro atendendo os interesses da elite. Dilma foi derrubada pelos seus acertos, e não pelo seus erros. O resultado do golpe, como podemos ver nos governos Temer e Bolsonaro, é a entrega do patrimônio público, como as estatais, a redução ou eliminação de direitos históricos dos trabalhadores, o aumento da informalidade, e a falta de perspectiva da população com um futuro melhor, algo que havia nos governos do PT”, explica.
Agenda reacionária
O líder da Minoria no Congresso, deputado Carlos Zarattini (PT-SP) disse que o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, “sem comprovação de crime de responsabilidade”, foi o primeiro passo dado pela extrema direita para chegar ao poder e implementar uma agenda reacionária, conservadora e com traços de fascismo. “Essa armação política contra Dilma, apoiada por partidos de direita e centro e financiada pelo mercado financeiro, abriu espaço para a eleição de Bolsonaro e a implementação de uma política neoliberal que massacra os mais pobres e gera benefícios para os mais ricos e o mercado financeiro. Além disso, abriu caminho para privatizações criminosas e o enfraquecimento do Estado na proteção social”, destaca.
Carlos Zarattini – Foto: Lula Marques
Desde a posse de Bolsonaro o País observa a piora nas condições de vida, com o fim do reajuste real do salário mínimo, aumento de desemprego e alta taxa de informalidade, além do desmonte de programas sociais como o Bolsa Família – ao dificultar o acesso ao programa – Mais Médicos e do Minha Casa, Minha Vida, recentemente substituído pela ‘Casa Verde e Amarela’, que na prática dificulta o acesso dos mais pobres à casa própria.
Além disso, Bolsonaro ainda é criticado pelo ataque à soberania nacional ao trabalhar pela entrega do patrimônio público, com as já anunciadas privatizações – totais ou em pedaços – de estatais ou empresas públicas como Petrobras, Eletrobras, Caixa e Correios, e pela política genocida do governo federal no combate à Covid-19, que colocou o Brasil na segunda colocação mundial entre os países com mais mortos e infectados pela doença, agravadas pelas declarações negacionistas e anticientíficas de Bolsonaro.
A agenda de extrema direita de Bolsonaro também é criticada, dentro e fora do Brasil, pelo alinhamento automático às diretrizes do presidente norte-americano Donald Trump, e por desprezar o meio ambiente e os direitos humanos, principalmente de minorias como a população LGBT, indígenas e quilombolas.
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