Nos últimos anos o conceito de “civilização ecológica” vem ganhando espaço no discurso político chinês, o que promete um redirecionamento no combate ao aquecimento global
9 de setembro de 2020, 17:33 h Atualizado em 9 de setembro de 2020, 17:41
(Foto: Xinhua)
Leonardo Sobreira, 247 - Ao redor do mundo, são raros os casos de países que baseiam suas políticas ambientais em princípios filosóficos sólidos. Na maior parte dos casos, o combate ao aquecimento global é tratado em termos puramente técnicos, o que o torna uma questão puramente administrativa, que não remete de forma mais geral ao modo de vida das pessoas.
O objetivo do Acordo de Paris de conter o aumento da temperatura global para menos de 2 graus celsius, por exemplo, requer “apenas” que recursos sejam direcionados para empreitadas como desenvolvimento de tecnologias sustentáveis e transição da matriz energética.
Assim, pouca atenção é dada aos aspectos mais profundos da crise ecológica. Questões como o papel do homem no meio natural, a maneira como ele enxerga seu papel na natureza, são raramente tratadas com a seriedade que merecem.
No entanto, por mais tecnocrata que seja seu regime, a China vem nos últimos anos reforçando a importância de se pensar em “termos civilizacionais” sobre o tema.
Este desenvolvimento pode parecer estranho tendo em vista o fato de que a China ainda é o maior poluidor do planeta. Conforme o país foi se industrializando nas últimas quatro décadas, os níveis de poluição se tornaram insustentáveis. Agora, sendo o projeto um de melhoria no padrão de vida, medidas de favorecimento do meio ambiente vêm ganhando força.
O conceito de “civilização ecológica” segue esta linha. Ele foi introduzido na ideologia do Partido Comunista da China em 2007, e em 2013 foi endossado por Xi Jinping, se tornando um dos princípios centrais da política ambiental do país. Em 2018, o compromisso se tornou oficial, agora fazendo parte da Constituição.
Uma declaração de Xi em março deste ano resume bem o espírito do conceito: “o meio ambiente significa a economia. Se você protege o meio ambiente, você recebe recompensas dele.”
Apesar de aparentemente simples, diversos especialistas vêm apontando para os paralelos entre o conceito e princípios fundacionais da “civilização chinesa.”
Para o jornalista Pan Yue, o Taoísmo enfatiza o papel das condições naturais “como guia da atividade humana.” Também segundo ele, outras tradições, como o Confucionismo e o Budismo se encaixam melhor com as ciências da evolução e do meio ambiente.
Como resume o autor Berthold Kuhn, o conceito de civilização ecológica “considera a natureza como parte da vida, ao invés de algo que pode ser explorado sem restrições. Ele serve como ponto de referência para a liderança política chinesa desenvolver sua visão de um socialismo ecológico moderno.”
Como um todo, “civilização ecológica” seria a materialização de um tema recorrente na filosofia chinesa - a ligação mais profunda do homem com o ambiente em que vive.
No que diz respeito ao impacto político deste desenvolvimento, a China agora se posiciona como uma verdadeira liderança global, que ganha sua legitimidade através de atos que colocam sua civilização milenar como solução para os problemas atuais. Em tempos onde o ocidente se mostra incapaz de produzir visões que vão além de meros ajustes técnicos, a estratégia da China se apresenta como mais completa e atual.
É claro, muito ainda tem que ser provado. Ainda não está claro se a China será capaz de aliar sua forma de capitalismo ao seu projeto ambientalista. Além disso, ao contrário do que muitos imaginam, o processo de implementação de políticas na China é bastante contestado, principalmente quando se trata de políticas industriais.
De qualquer forma, a simples tentativa de enquadrar o debate em termos filosóficos e civilizacionais é um avanço sem precedentes. No final das contas, são estes os termos em que a situação atual nos força a pensar.
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