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sábado, 20 de outubro de 2018

Crime eleitoral com dinheiro público na campanha de Bolsonaro

Bolsonaro, Havan e Lei Rouanet: tudo a ver

Data: 19 out 2018

Por: Jotabê Medeiros e Pedro Alexandre Sanches


A fachada da loja da Havan na rodovia Antônio HEIL, no centro de Brusque (SC), cidade natal de Luciano Hang

A fachada da loja da Havan na rodovia Antônio HEIL, no centro de Brusque (SC), cidade natal de Luciano Hang

A Havan, uma das empresas centrais mencionadas no escândalo de disparo em massa de propaganda eleitoral via WhatsApp, utilizou R$ 12.323.338,27 dos cofres públicos para financiar 147 projetos culturais via Lei Rouanet, pelo mecanismo de incentivo fiscal (o empresário dá o dinheiro e depois o abate do imposto de renda devido). As informações constam da página da Lei Rouanet no Ministério da Cultura. O escândalo foi revelado pela Folha de São Paulo em 18 de outubro, a dez dias do segundo turno.

A demonização da Lei Rouanet tem sido uma das peças de panfleto mais utilizadas pelo candidato neofascista Jair Bolsonaro (PSL) na campanha presidencial. Frequentemente a militância bolsonarista se vale do argumento para desqualificar artistas que se manifestam contra o candidato, mas os dados oficiais mostram que a rede de lojas Havan, do empresário bolsonarista Luciano Hang, é useira e vezeira dos mecanismos de incentivo cultural sob os governos Lula, Dilma e Temer.

“Ele (Bolsonaro) deixou rastro, e nós vamos atrás do rastro para saber todo mundo que botou dinheiro sujo numa campanha de difamação”, afirmou na quinta-feira o candidato petista Fernando Haddad, atingido desde antes do primeiro turno pela campanha difamatória movida com aporte de dinheiro de empresas como a Havan, que violam a lei eleitoral por caracterizarem doações não-declaradas, o famigerado caixa 2. O financiamento empresarial privado de campanhas também foi proibido pela legislação eleitoral vigente.

Entre os projetos que financiou, a Havan escolheu desde a manutenção anual da franquia brasileira do balé russo Bolshoi, notório símbolo da antiga era comunista (a empresa usou R$ 750 mil de dinheiro público para apoiar a companhia) até a escola de samba Unidos da Coloninha, de Florianópolis (SC), que recebeu R$ 410 mil para organizar o Carnaval de 2011 cujo samba-enredo era A Arte da Troca e da Venda, a Sociedade Triunfou (sobre o tema “trajetória econômica do Brasil até a estabilização da moeda”).

Catarinense de Brusque, Luciano Hang, o dono das lojas de departamentos Havan, se notabilizou como incansável cabo eleitoral do deputado federal Bolsonaro e furioso detrator do PT. Ele se autodefine como anticomunista de carteirinha, e sua rede de lojas, apesar do nome que remete à capital de Cuba, faz estardalhaço nas rodovias de vários estados brasileiros com fachadas faraônicas em pastiche neoclássico ornadas por gigantescas réplicas da Estátua da Liberdade (monumento-síntese dos Estados Unidos, localizado em Nova York). Segundo o próprio site da rede, a rede é composta de 114 “megalojas físicas” pelo país.

Roger Waters atiçou a militância bolsonarista ao imprimir #EleNão no telão dos shows no Allianz Parque, em São Paulo - Foto Jotabê Medeiros

Roger Waters atiçou a militância bolsonarista ao imprimir #EleNão no telão dos shows no Allianz Parque, em São Paulo – Foto Jotabê Medeiros

A Lei Rouanet divide opiniões entre cidadãos e partidos, mas desfruta de certa unanimidade entre os apoiadores de Bolsonaro: eles atribuem à legislação motivações secretas que alimentariam o empenho de artistas que têm militado contra a escalada autoritária e fascista. Em setembro, após engajamento de artistas em mobilizações de rua #EleNão, contra Bolsonaro, os bolsonaristas fizeram uso massivo da tag #RouanetNão, como um desagravo ao candidato militar.

Recentemente, o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) acionou a Procuradoria Geral da Republica contra o uso da Lei Rouanet pela empresa T4F, que agenciou no Brasil a turnê do cantor britânico Roger Waters, ex-Pink Floyd. A ação foi uma retaliação contra a militância antibolsonaro de Waters, que nos shows brasileiros incluiu o deputado carioca numa lista de ameaças neofascistas de todo o mundo.

A Havan mandou via Lei Rouanet R$ 50 mil para a 27ª Festa da Tainha e 35ª Festa do Pescador de 2012, em Paranaguá, no litoral paranaense (também investiu na 39ª festa da Tainha). Mas Luciano Hang também gosta bastante de música sertaneja: intermediou o investimento de R$ 300 mil de dinheiro público no 1º Circuito de Talento do Sertanejo e Pop Rock em Santa Catarina e no Paraná e R$ 294 mil no 2º Festival Sertanejo. Outros 410 mil foram para o Festival do Meio Oeste catarinense, nas cidades de Joaçaba e Herval d’Oeste.

Todos os apoios da Havan são regulares e legais, mas a ironia reside no fato de que a lei que permite isso sofre marcação cerrada dos chamados “bolsominions”. Sem saber que o empresário-militante usa à larga o incentivo, a militância (dirigida por robôs agora colocados em xeque pelo investimento empresarial em massa) inundou o Twitter de Hang em setembro com brados de “Rouanet Não”; em 30 de setembro, durante discurso na Avenida Paulista, um dos filhos do candidato, Eduardo Bolsonaro, fez críticas ao PT e, confundindo lei e partido, disse que, se o pai for eleito, uma de suas medidas será acabar com a Lei Rouanet. Eduardo foi reeleito deputado federal por São Paulo em 7 de outubro, como candidato mais votado ao posto na história do Brasil. O disparo de mensagens em massa via WhatsApp (mecanismo comprado há cinco anos, por US$ 16 bilhões, pelo Facebook de Mark Zuckerberg) locomoveu a ascensão eleitoral instantânea de deputados, senadores e governadores de extrema direita no primeiro turno das eleições.

Postagem de Luciano Hang, da Havan, no Twitter, em 10 de outubro

Postagem de Luciano Hang, da Havan, no Twitter, em 10 de outubro

Outro nome que apareceu entre os supostos financiadores da campanha via WhatsApp, Mário Valério Gazin, paranaense de Douradina, é dono do Grupo Gazin, um conglomerado de empresas que inclui hotéis e vende móveis, eletrodomésticos, colchões, pacotes de viagem, seguros e empréstimos. Gazin utilizou R$ 3.2 milhões da Lei Rouanet para apoiar projetos, especialmente no estado de Santa Catarina. Dois dos principais são programas de circulação cinematográfica, o Cinema Itinerante – Roda Brasil 2ª edição (para o qual aportou R$ 537 mil) e o Cine Rodante 2016 (R$ 400 mil).

Em vídeo gravado ao lado de Luciano Hang antes do primeiro turno e divulgado nas redes sociais de Bolsonaro, Gazin preconizou voto no candidato no primeiro turno “pra nós não ter que gastar mais dinheiro com segundo turno”, o que sinaliza investimento não declarado (o chamado Caixa 2).

Haddad chamou o Tribunal Superior Eleitoral às falas no Twitter, em 19 de outubro

Fernando Haddad chamou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) às falas no Twitter, em 19 de outubro

Nas redes sociais, Fernando Haddad chamou às falas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que havia anunciado entrevista coletiva para a sexta-feira 19, com a presença controversa do general Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, e adiou o encontro para o domingo 21. No mês passado, Luciano Hang foi multado em R$ 10 mil pelo TSE por ter contratado um serviço de impulsionamento de publicações no Facebook, para expandir o alcance de um vídeo pró-Bolsonaro. Nesse caso, apenas Hang foi responsabilizado. O dinheiro economizado com a Lei Rouanet permite que o dono da Havan promova Bolsonaro nas redes sociais. A palavra agora pertence ao TSE.

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