
O “álibi” que construíram para Michel Temer justificar sua participação na
tentativa de “enquadrar” o ex-ministro Marcelo Calero para que atendesse ao
pleito do ex-ministro Geddel em relação ao prédio irregular de Salvador
revelou-se absolutamente inconsistente: o de que teria apenas sugerido ao então
ministro da Cultura encaminhar o assunto à AGU, a quem compete dirimir
conflitos entre órgãos. O conflito não era entre dois órgãos distintos, mas sim
entre uma instância inferior (Iphan-Bahia) e a direção nacional do Iphan, que
teria de prevalecer. Mas Temer disse também uma inverdade na entrevista deste
domingo, ao explicar sua participação. Afirmou que Calero teria lhe dito que
“não queria entrar nesta história”. Não foi isso que Calero disse na entrevista
à Folha, quando revelou as razões de seu pedido de demissão, nem em seu
depoimento à Polícia Federal. O que ele disse, nestas duas oportunidades e na
entrevista exibida pelo Fantásticio/TV Globo, é que não iria participar de
“compadrio”, ou seja, interferir na decisão para favorecer Geddel.
Na entrevista coletiva, Temer relata que Calero o procurou durante o jantar
para senadores no Alvorada, e informado do que se passava, dizendo “não queria
entrar nesta historia”. E que no encontro seguinte deu-lhe a sugestão:
– Se você não quer entrar nesta historia, há uma solução legal. A lei (em
verdade um decreto) diz que se há conflito entre órgãos, pode-se ouvir a AGU,
que fará a avaliação do conflito.
Pela narrativa de Temer, Calero estaria querendo apenas tirar o corpo fora da
confusão. Mas na entrevista à Folha de S. Paulo, Calero em nenhum momento diz
que tentou “ficar fora da história”. Deixou bem claro que se recusou a
interferir na decisão técnica do Iphan nacional, que havia cassado a licença da
obra concedida pelo núcleo do órgão na Bahia. “Quando a decisão foi encartada,
começou uma pressão inacreditável. Entendi que tinha contrariado de maneira
muito contundente um interesse máximo de um dos homens fortes do governo e que
ninguém iria me apoiar. Vi que minha presença não teria viabilidade. Jamais
compactuaria com aquele compadrio. Não.” Uma coisa, de fato, é não querer tomar
decisão alguma para se preservar e ao mesmo tempo não trombar. Outra é
recusar-se a atender a um pedido indevido, incorrento em improbidade.
No depoimento à Polícia Federal, da mesma forma, Calero deixa claro que
disse à presidente do Iphan, Katia Bogéa. para tomar a decisão técnica fosse
qual fosse: “ QUE o depoente, em face destas considerações, disse-lhe que a
decisão haveria de ser estritamente técnica; QUE o depoente disse-lhe ainda que
não iria incorrer em ilícitos penais ou administrativos que pudessem ser
ventilados futuramente”.
Vale à pena reler estre trecho, onde ele se refere à participação do ministro
Eliseu Padilha no caso. Na entrevista exibida pelo Fantástico, ao negar-se a
responder se gravara Padilha, Calero sugere que sim. No depoimento ele conta o
seguinte:
!QUE no dia 16 de novembro, o IPHAN, após manifestação favorável da
Procuradoria do órgão, deu parecer definitivo determinando que o empreendimento
deveria se enquadrar aos preceitos normativos aplicáveis ao caso e, por
consequência, reduzir a quantidade de andares; QUE após esta decisão de mérito,
o depoente passou a receber ainda mais pressões, vindas de diversos integrantes
do Governo; QUE ainda no dia 16 do corrente mês, o depoente despachou com o
Ministro-Chefe da Casa Civil ELISEU PADILHA, ocasião em que o depoente expôs ao
Ministro a decisão contrária aos interesses de GEDDEL; QUE, por duas vezes, o
depoente disse ao Ministro que o mesmo poderia ficar à vontade quanto a eventual
demissão do depoente por conta dos fatos relacionados a este processo; QUE
ELISEU PADILHA pediu ao declarante que tentasse ganhar tempo quanto a resolução
desta questão; QUE nesta conversa com ELISEU PADILHA, o depoente teve a
impressão de que ELISEU PADILHA queria lhe preservar e mantê-lo no cargo de
Ministro da Cultura; QUE ainda no dia 16 de novembro, o depoente compareceu a um
jantar oferecido pelo Presidente aos Senadores no Palácio da Alvorada; QUE logo
na entrada, o depoente encontrou-se com GEDDEL, ocasião em que desconversou
rapidamente a respeito dos fatos que lhe interessavam; QUE logo em seguida o
depoente encontrou com NARA DE DEUS, Chefe de Gabinete do Presidente MICHEL
TEMER; QUE o depoente narrou a NARA todos os fatos, bem como a sua preocupação;
QUE NARA ficou estupefata com os fatos narrados e concordou com o depoente
quando o mesmo afirmou que deixaria o Governo para não ser envolvido nestes
acontecimentos; QUE ainda neste jantar o depoente conversou com o Ministro da
Educação MENDONÇA FILHO, que sugeriu ao depoente que reportasse todos os fatos
ao Presidente MICHEL TEMER; QUE, então, o depoente procurou, ainda no jantar, o
Presidente MICHEL TEMER; QUE após contar-lhe toda a história, o Presidente disse
ao depoente para que ficasse tranquilo, pois, caso GEDDEL lhe procurasse, ele
diria que não havia sido possível atender a seu interesse, por razões técnicas;
QUE no dia seguinte, 17, ELISEU PADILHA ligou para o depoente indagando a
respeito de como GEDDEL poderia recorrer da decisão do IPHAN; QUE em resposta, o
depoente explicou a ELISEU PADILHA como funcionam, genericamente, os recursos de
atos administrativos; QUE logo depois, o depoente recebeu uma ligação de CARLOS
HENRIQUE SOBRAL, Chefe de Gabinete de ELISEU PADILHA, indagando a respeito dos
prazos recursais; QUE na quinta-feira, 17, o depoente foi convocado pelo
Presidente MICHEL TEMER a comparecer no Palácio do Planalto; QUE nesta reunião o
Presidente disse ao depoente que a decisão do IPHAN havia criado “dificuldades
operacionais” em seu gabinete, posto que o Ministro GEDDEL encontrava-se
bastante irritado; QUE então o Presidente disse ao depoente para que construísse
uma saída para que o processo fosse encaminhado à AGU, porque a Ministra GRACE
MENDONÇA teria uma solução; QUE no final da conversa o Presidente disse ao
depoente “que a política tinha dessas coisas, esse tipo de pressão “. A
gravação com Padilha vai aparecer e mostrará que, tanto quanto Temer, ele também
pressionou um subordinado a atender o interesse pessoal de Geddel modificando a
decisão técnica do Iphan.
Aqui entra o papel ainda pouco claro da ministra-chefe da AGU, Grace
Mendonça. Na entrevista exibida pelo Fantástico, Calero diz não ter certeza de
que a ministra estivesse disposta a construir uma saída a favor de Geddel, mas
diz possuir “alguns indícios” disso. Estes indícios também aparecem no
depoimento que ele prestou à PF. Ele relata que o primeiro a lhe sugerir a
busca de uma saída pela AGU foi Padilha, mas que não acolheu o conselho. Depois,
em 7 de novembro, encontra-se no Planalto com Geddel e o Secretários de Assuntos
Jurídicos, Gustavo Rocha, que pergunta se ele fora procurado pela AGU, e diante
da negativa, tenta pelo celular fazer contato com alguém no órgão, não
conseguindo. Para que Calero tivesse sido procurado pela AGU, alguém
certamente já havia acionado o órgão, tratado do assunto e combinado a saída que
seria dada.
Em seguida, o procurador do Iphan, Heliomar Alencar, e um procurador do
Minc, foram chamados à AGU para prestar esclarecimentos sobre o caso e
entenderam ali estavam esperando pela chegada do processo. Se foram chamados, é
porque a AGU já fora acionada. Se havia a expectativa da chegada do proesso, é
porque alguém já conversara com a ministra Grace, e ela já começara a tomar
providências para atender o Planalto. Esta seria a "chicana" a que se referiu
Calero na entrevista a Renata Lo Prete, para o Fantástico. Chicana são manobras
jurídicas, arremedo de soluções para alcançar objetivos.
Temer, depois de ter dito, durante jantar no Alvorada, que Calero devia
apenas explicar a Geddel que não pudera atendê-lo por razões técnicas, muda de
posição. Deve ter se defrontado com a ira de Geddel. Convoca então Calero ao
Planalto no dia 17, fala das “dificuldades operacionais” criadas pela decisão
do Iphan nacional e sugere que leve o assunto à AGU. No dia seguinte, Calero
diz ter recebido ligação de Gustavo Rocha, reiterando o interesse de Temer de
que o assunto fosse levado à AGU. E depois, volta a telefonar ao então ministro
da Cultura repetindo a orientação. Disse Calero à PF: “QUE este último episódio
foi determinante para a saída do depoente do Governo, pois demonstrava a
insistência do Presidente em fazer com que o depoente interferisse indevidamente
no andamento do processo;”
A insistência de tanta gente em que o problema fosse parar na AGU sugere que
já estava combinada a produção de uma “saída legal”. Pelo visto, da AGU viria a
solução que poderia salvar o cargo e o apartamento de Geddel. Mas para que assim
fosse, era preciso que Calero optasse por lavar as mãos e passasse a batata
para a AGU. Logo, há muito o esclarecer também sobre a participação da ministra
Grace Mendonça no caso.
A versão de Temer não pára em pé, quando cotejada com as duas entrevistas de
Calero e com seu depoimento à Polícia
http://www.brasil247.com/pt/blog/terezacruvinel/267609/%C3%81libi-constru%C3%ADdo-para-Temer-%C3%A9-100-inconsistente.htm
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