Por José Reinaldo Carvalho - Nos últimos dias, as ações do governo Trump reacenderam o debate sobre a verdadeira motivação por trás da chamada “guerra ao narcoterrorismo” no Caribe e na América Latina, cuja expressão maior é a operação denominada Lança do Sul, que com todas as evidências baseia-se em falsos pretextos de combate a um inexistente “narcoterrorismo” para ativar a busca nunca abandonada de intervir no hemisfério e controlá-lo sob sua hegemonia. Essa retórica tem servido, na prática, como justificativa para ameaças diretas a países soberanos, entre eles a Venezuela e a Colômbia e, ocorre simultaneamente à intensificação das perseguições a Cuba e à Nicarágua.
Honduras volta à mira de Washington
Nos últimos dias, Honduras entrou na alça de mira do imperialismo estadunidense com a interferência aberta do próprio chefete da Casa Branca no processo eleitoral do país centroamericano. Trump condicionou a ajuda externa a Honduras ao resultado das eleições, expressando apoio público ao candidato de sua preferência, numa ingerência evidente na soberania eleitoral hondurenha.
“Lança do Sul” e o papel do Comando Sul
O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, anunciou em novembro o início da operação militar “Lança do Sul”, voltada, segundo ele, contra “narcoterroristas” no Hemisfério Ocidental. Em publicação no X, Hegseth afirmou que a missão, conduzida pela Força-Tarefa Conjunta Lança do Sul e pelo Comando Sul (SOUTHCOM), busca proteger o país e combater o tráfico de drogas.
O SOUTHCOM abrange operações em 31 países da América do Sul, América Central e Caribe. O anúncio ocorre enquanto os EUA intensificam ataques a embarcações ligadas ao narcotráfico no Caribe e no Pacífico, e em meio ao aumento das ameaças de agressão contra a Venezuela, com uma frota de belonaves que inclui o porta-aviões USS Gerald R. Ford, o maior do mundo, à região.
Em janeiro, o Comando Sul já havia divulgado uma ação com o mesmo nome, prevendo o uso de embarcações robóticas, lanchas interceptoras e aeronaves não tripuladas para apoiar operações antidrogas. O Pentágono e a Casa Branca não comentaram o novo anúncio.
Planos de ataque à Venezuela e escalada no Caribe
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, recebeu diferentes opções de ação relacionadas à Venezuela, incluindo possíveis ataques a instalações militares, governamentais ou supostas rotas do narcotráfico.
As forças estadunidenses já atacaram 22 embarcações acusadas sem provas de tráfico marítimo no Caribe e no Oceano Pacífico, tendo já assassinado 83 pessoas. Tudo indica que a matança não vai parar. As autoridades militares dos EUA já disseram que a ordem é “matar todos” os suspeitos de transportar drogas. Trump foi além, assegurando que os EUA atacarão “todos os países” responsáveis pelo envio de drogas aos Estados Unidos, uma abstrusão porquanto não há países, Estados nacionais, governos constituídos que vendem drogas para os Estados Unidos ou quaisquer outros países.
Governos, forças políticas e movimentos sociais realistas e responsáveis sabem que o rótulo de “narcoterrorismo” é utilizado como argumento político, um pretexto para justificar uma ofensiva contra governos que não se submetem aos interesses e desígnios geopolíticos dos EUA. O falso conceito serve à lógica intervencionista de sempre dos Estados Unidos quando se trata de perseguir seus objetivos na região. Esta lógica intervencionista é historicamente associada à imposição de regimes alinhados e subordinados a Washington.
Venezuela sob cerco
A Venezuela é alvo central de uma campanha de deslegitimação, com acusações de apoiar o suposto cartel chamado Cartel de los Soles e a instituição de recompensas milionárias pela captura de seu presidente, bem como a declaração do espaço aéreo venezuelano como “fechado em sua totalidade”. A ostensiva presença de navios de guerra em águas próximas à Venezuela, já é de per si um ato de agressão, a reafirmação por parte de Trump de que todas as opções estão sobre a mesa, inclusive a militar, para derrubar o governo Venezuelano é uma ameaça que também de per si viola o Direito Internacional e agride a soberania da nação venezuelana.
Resistência interna e alianças internacionais da Venezuela
Em contraponto a essa ofensiva, o governo de Nicolás Maduro se posiciona de maneira firme. Mídias internacionais instruídas pelo Departamento de Estado e a Secretaria de Guerra de Washington insinuam recuo de Maduro e inclinação a ceder à pressão estadunidense. No entanto, essas versões não se sustentam diante dos fatos recentes: longe de sinalizar rendição, o presidente venezuelano reafirma publicamente sua linha política e mantém discurso de resistência e luta. As versões difundidas sobre capitulação não encontram respaldo na realidade, simplificam e distorcem a complexidade da correlação de forças no país.
Ainda segundo essas mesmas versões, Maduro estaria isolado interna e externamente, sem capacidade de reação, mas a realidade indica o contrário. Maduro preserva apoio considerável entre setores populares, conta com respaldo diplomático de aliados estratégicos e mantém coesão no dispositivo de defesa nacional. As Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB), articuladas com as milícias populares bolivarianas, continuam estruturadas e leais ao governo, em prontidão máxima, evidenciando que não há sinais de rendição, mas sim de continuidade da resistência política e militar diante das investidas estrangeiras.
Maduro aposta na diplomacia firme e prudente
Além disso, Caracas conta com apoio diplomático e garantias de solidariedade de potências globais como Rússia, China e Irã, atores geopolíticos que veem no cerco dos EUA uma tentativa de reafirmar sua influência na região. Dentro desse contexto tenso, a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em defesa de uma solução diplomática para a crise venezuelana surge como um gesto relevante, que poderia ser reforçado com declarações e gestos explícitos de solidariedade com a Venezuela.
A postura de Maduro na conversação mantida via ligação telefônica com Trump, há cerca de duas semanas, não foi de cedência nem de radicalismo estéril e irrealista. Pelo contrário, ao relatar o diálogo, o presidente Maduro enfatizou seu compromisso com a prudência diplomática, aprendida durante seus anos como ministro das Relações Exteriores e sob a orientação do Comandante Hugo Chávez, preferindo a discrição em assuntos de grande importância e rejeitando a “diplomacia de microfone”. Nicolás Maduro disse que a conversa telefônica foi "respeitosa e cordial", defendeu o diálogo entre os Estados como um caminho para a paz e a diplomacia, em meio às crescentes ameaças e ao destacamento militar dos EUA próximo à costa venezuelana. O presidente bolivariano, agindo como um revolucionário consequente, não renunciou às suas posições de princípio nem deu sinais de ceder terreno ou manifestar qualquer tendência à capitulação.
Dimensão geopolítica da ofensiva estadunidense
Para além de ser necessário resistir e enfrentar a ofensiva estadunidense contra a Venezuela, as forças anti-imperialistas devem refletir sobre matizes geopolíticos mais amplos. A estratégia atual dos EUA visa ao controle da vizinhança hemisférica, que considera seu quintal e área natural de influência e domínio, como etapa para acumular mais fora com a finalidade de recompor seu poder global, em declínio.
A questão a verificar é se o intenso empenho dos EUA e o esforço concentrado na busca da hegemonia total sobre as Américas e o Caribe têm um escopo estratégico superior, consistindo em uma transição para em etapa subsequente promover um novo engajamento contra as principais potências rivais: a China e a Rússia. Observe-se que, por ora, o imperialismo estadunidense promove determinados recuos táticos relativamente à Otan, à guerra na Ucrânia e até mesmo à guerra comercial contra a China, rendendo-se à realidade dos fatos que exige uma política externa de competição mesclada com parceria e até cooperação.
Em suma, o que se desenha é um renovado ciclo intervencionista. O rótulo de “narcoterrorismo” funciona como fachada. A verdadeira meta é o reordenamento do poder na América Latina, posicionando os Estados Unidos como árbitro único do destino regional, uma operação que, se consumada, comprometeria a soberania, a autodeterminação e o equilíbrio geopolítico de toda a região, que pagaria o preço da próxima empreitada dos Estados Unidos em busca da recomposição da hegemonia mundial, que exigirá o enfrentamento à China e à Rússia com um sistema de alianças regional mais robusto.
Quem pensa o Brasil estrategicamente deveria debruçar-se numa reflexão profunda a respeito disto.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.














