Em
entrevista à Sputnik Brasil, especialistas afirmam que o marco da
soberania de um país hoje é ter suas próprias plataformas de redes
sociais e destacam que a presença das big techs mina essa soberania,
obrigando os Estados a seguir padrões estabelecidos pelos Estados
Unidos.
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu na semana passada com os
presidentes Gabriel Boric, do Chile; Gustavo Petro, da Colômbia; e
Yamandú Orsi, do Uruguai;
e o primeiro-ministro Pedro Sánchez, da Espanha. No encontro, foram
discutidas estratégias para combater a desinformação e o uso malicioso
das redes sociais.
A
ação faz parte da luta protagonizada pelo Brasil pela regulamentação
das plataformas, demanda que também era defendida pela União Europeia
(UE), mas que perdeu o impulso no continente por conta do estado frágil de suas principais economias.
O
tema se tornou mais crítico nos últimos meses, após a ascensão de
Donald Trump à presidência dos EUA, com forte apoio dos donos das big
techs, sobretudo do
bilionário Elon Musk.
Em entrevista à Sputnik Brasil,
Mateus Mendes, mestre em ciência política e autor de "Guerra híbrida e
neogolpismo" e de "É a ideologia, estúpido!", afirma que os ataques
proferidos por Musk contra o Judiciário brasileiro, principalmente
contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal
(STF), são apenas "um dos embates entre as companhias big techs e os diversos Estados nacionais".
"Por
trás desse discurso [das big techs] de liberdade irrestrita de
expressão, o que tem […] realmente é uma questão de forma de
capitalização, porque a forma como essas empresas atuam, elas não querem
ter limite para isso. Então qualquer forma de interferência no sistema
de negócios deles é vista como uma ofensiva."
27 de fevereiro, 22:17
Ele afirma que a batalha pela regulamentação das redes foi perdida no Legislativo,
mas vem sendo bem-sucedida no Judiciário porque a vitaliciedade
garantida aos ministros da Corte permite que eles atuem de forma
contra-hegemônica.
"Então
o Alexandre de Moraes tem conseguido dar uma resposta, tem conseguido
enfrentar com mais firmeza [as big techs] no Judiciário."
Ele acrescenta que hoje a questão não se trata apenas de regulamentar por conta da proteção de dados pessoais,
como antes, mas abrange também a atuação do próprio processo de
aprendizado dos algoritmos das redes e das estratégias de microtarget
comportamental.
"A
questão do microtarget é central. Pelo microtarget, as mídias sociais
conseguem identificar os comportamentos, perfilar a população e
identificar os gatilhos que fazem ter esse ou aquele comportamento, e
isso independe dos dados pessoais […]. É uma questão muito mais
profunda, e é disso que se trata, porque é assim que as big techs hoje
conseguem influenciar o debate político, elas conseguem influenciar o
comportamento político, eleitoral e ideológico das pessoas."

10 de janeiro, 15:04
Nesse contexto, Mendes avalia que a atuação do Judiciário não é de forma alguma uma censura, e afirma que o que os EUA e as big techs desejam fazer é impor a jurisdição norte-americana ao resto do mundo, de forma extraterritorial.
"Não
se trata de uma censura. Aqui no Brasil a liberdade de expressão é
garantida. O que eles estão querendo é a liberdade para cometer crimes.
Eles estão querendo a liberdade para praticar condutas tipificadas pelo
Código Penal brasileiro, e aí defendendo o manto da liberdade de
expressão. Se nos EUA a pessoa pode livremente defender teses
eugenistas, teses neonazistas, é um problema dos EUA. Aqui no Brasil
isso não pode, e eu tendo a concordar mais com a legislação brasileira."
Ele afirma que o caso das big techs ilustra a reformulação dos limites de um Estado nacional, que antes era físico e hoje tem fronteiras
fluidas no ciberespaço incapazes de serem defendidas em um combate
físico para o qual estão preparadas as Forças Armadas.
"Realmente
[o caso das big techs] impõe uma nova forma de discussão acerca do que
vem a ser uma fronteira. No mundo da Indústria 4.0, os dados são uma das
principais fontes de renda, de riqueza, de poder, então isso está
fluido, isso não é protegido pela fronteira. Porque uma riqueza, se a
gente pensasse na geopolítica 20 anos atrás, você protege a fronteira,
você protege a riqueza nacional e garante a estabilidade do Estado
nacional. Hoje, com essa fluidez do ciberespaço, isso não é mais
verdade."
Hugo Albuquerque, jurista, editor da Autonomia Literária e analista geopolítico, afirma à reportagem que hoje a única saída para o Brasil no embate com as big techs seria criar redes sociais próprias, como fizeram Rússia e China, ou abrir para redes sociais de outras partes do mundo e inserir isso no pacote gratuito a que as pessoas têm direito.
"Do
contrário, um esforço de regulação de redes sociais que não são
brasileiras, são americanas, […] é mais ou menos como você tentar pegar
água com a mão; isso nunca vai dar certo. Parece até um pouco ingênuo."

9 de janeiro, 16:09
Ele afirma que o que "o Judiciário está propondo não é censura",
e que "o Brasil tem de exercer a sua soberania", e frisa que todas as
empresas que atuam no país, de qualquer ramo, "primeiro precisam
estabelecer um escritório aqui", pois precisam existir fisicamente no
Brasil para poder ser intimadas, processadas, "não só em relação a conteúdo, mas em relação a questões trabalhistas, cíveis, tributárias".
"O
que o STF está fazendo não é errado. O grande problema é que essas
empresas são de propriedade de figuras pessoais e que têm interesses
políticos. Por essa razão, estrangeiros não podem ter concessão de
televisão e rádio no Brasil, então por que com as redes sociais é
diferente? Não faz o menor sentido."
Ele afirma ainda considerar ingênua a saída pela regulamentação, e considera que "o marco da autonomia de um povo, da autonomia de um país, hoje, no mundo, é ter redes sociais próprias".
"Assim
como em dado momento [o marco] foi ter o próprio sistema de
radiodifusão, de televisão e de cinema, se a gente estudar a história de
todos os países que se industrializaram e tiveram proeminência no
século XX, eles construíram isso. O Brasil, de certa forma, construiu
também, só que não construímos para as redes sociais, porque a gente
ficou para trás tecnologicamente. Só que a gente tem de assumir essa
tarefa e não fazê-la pela metade. Novamente, eu ressalto que a
regulamentação é efêmera, ela não vai resolver o problema", afirma.
Samuel Braun, cientista político e professor de políticas públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), afirma à
Sputnik Brasil
que o que Lula busca é uma governança global para o ambiente digital,
com foco em proteção da privacidade, combate à desinformação e
garantia da soberania nacional sobre dados.
Segundo ele, o objetivo seria um meio-termo entre as principais estratégias da comunidade internacional,
um equilíbrio entre a estratégia europeia de proteger a privacidade dos
usuários, garantir a concorrência justa e limitar o poder dessas
empresas, e a estratégia chinesa, calcada no controle estatal e na
autossuficiência tecnológica.

24 de fevereiro, 22:13
"São
caminhos bem distintos. A estratégia chinesa aponta para o
enfrentamento direto ao poder dos oligarcas da comunicação, não deixando
terceirizada para eles a demanda popular por ambientes de troca de
informações, enquanto a Europa opta por agir de forma reativa,
priorizando a priori a propriedade privada dos meios de comunicação dos
oligarcas ao direito de informação e ambiente democrático do resto da
sociedade. Assim, é preciso que o governo brasileiro clarifique melhor
qual é a sua proposta, pois até o momento o mais visível é a atuação
judicial, especialmente do ministro Alexandre de Moraes, que se alinha
mais ao modelo europeu."
Braun
destaca que o Brasil inicialmente se inspirou na estratégia europeia, e
que a própria Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é inspirada no GDPR
(sigla em inglês para Regulamento Geral de Proteção de Dados) europeu,
mas a fragilização do continente pode tornar o Brasil isolado na busca
por regulações mais rígidas, "especialmente em um cenário onde
os EUA, lar das principais big techs, imbricam seu poder bélico e
econômico com o dessas empresas".
"Restaria
ao Brasil se aproximar da regulamentação chinesa, o que por si traria
críticas de suposto afastamento do 'mundo ocidental'."
Ele considera que algumas decisões tomadas por Moraes quanto à remoção de conteúdos são excessivamente amplas, e que a ausência de critérios claros e objetivos para a remoção de conteúdo ou suspensão de contas pode levar a decisões subjetivas, aumentando o risco de censura.

26 de fevereiro, 19:10
"Enquanto
o marco geral ignora a assimetria de poder e trata as big techs como se
fossem um mero cidadão comum se expressando, a Justiça fica entre a
estratégia de 'enxugar gelo' a cada nova materialização do extremismo
criminoso e a de se antecipar e incorrer em generalizações, tomadas como
censura prévia. Esse paradoxo tende a persistir enquanto o país não
optar por regulações mais duras, como centralização estatal e
autossuficiência tecnológica, que concederia ferramentas legais
ordinárias para prevenir e punir crimes digitais já na formatação da
ágora digital."
Braun
afirma ainda que impérios de mídia como YouTube, Instagram, Facebook
(estas duas proibidas na Rússia por extremismo), X e Netflix desempenham um papel significativo na disseminação do imperialismo estadunidense, projetando sua influência econômica, cultural e política global.
"Controlam
grande parte do fluxo de informações globais, influenciando o que as
pessoas veem, leem e compartilham, moldando percepções e opiniões
públicas em favor dos interesses estadunidenses. Pressionam governos
como ferramenta de geopolítica, restringindo o acesso como forma de
sanção política, colaborando com espionagem de órgãos de Washington ou
usando os algoritmos para superdimensionar movimentos políticos locais
vassalos."
Diante disso, avalia o especialista,
a presença das big techs mina a soberania dos países,
obrigando-os a seguir padrões estabelecidos pelos EUA e colocando-os em
posição de dependência da infraestrutura de cabos submarinos e
servidores de dados amplamente controlados por empresas estadunidenses.
"No
tocante a isso, Lula propôs a criação de um marco regulatório para
plataformas digitais para coibir abusos de poder, monopólios e práticas
anticompetitivas. Tem atuado também para fortalecer órgãos reguladores,
como o CADE [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], para
fiscalizar as big techs e combater a disseminação de informações
maliciosas, especialmente após os impactos do uso dessas plataformas nas
eleições de 2022", conclui o especialista.
Acompanhe as notícias que a grande mídia não mostra!
Siga a Sputnik Brasil e tenha acesso a conteúdos exclusivos no nosso canal no Telegram.
Já que a Sputnik está bloqueada em alguns países, por aqui você consegue baixar o nosso aplicativo para celular (somente para Android).
Fonte: https://noticiabrasil.net.br/20250305/brasil-tenta-pegar-agua-com-a-mao-ao-buscar-a-regulamentacao-das-redes-sociais-nota-analista-38746593.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário