A cena ocorrida no palanque eleitoral de Rio Branco, no Acre, onde Jair Bolsonaro simulou o massacre de petistas com tiros de metralhadora, é um efeito previsível do veto do TSE à presença de Lula na campanha, decisão oficializada menos de 48 horas antes em sinistra decisão do TSE.
O impacto real da medida foi diagnosticado pelo colunista Bernardo Mello Franco, do Globo: "concorde-se ou não com o resultado, a sessão do TSE será lembrada como a maior interferência do Judiciário numa sucessão presidencial desde o fim da ditadura".
Em junho de 1964, a ditadura se consolidou quando Castello Branco cassou os direitos políticos de Juscelino Kubitschek, deixando claro que o compromisso inicial de respeitar calendário eleitoral que previa eleições diretas para outubro de 1965 jamais seria cumprido. O resto foi decorrência, inclusive a institucionalização da perseguição à oposição, que logo iria incluir a tortura sistemática de prisioneiros, e o cancelamento de eleições para presidente, que só voltariam em 1989.
Em agosto de 2018, quando o país enfrenta uma semi-ditadura, "a maior interferência do Judiciário numa sucessão presidencial" é acima de tudo uma operação politicamente dirigida, o ato mais recente de uma sequencia que teve início em 2005, com a AP 470, conhecida como Mensalão. Embora Lula tenha direito a recorrer, com um pedido de liminar a ser apresentado no Supremo Tribunal Federal, a cena de Rio Branco mostrou, menos de 48 horas depois do 6 a 1 no TSE, que seu primeiro efeito foi diminuir inibições e liberar os piores instintos do fascismo na campanha presidencial.
Viu-se no palanque uma encenação despudorada, sem freios nem inibições, típica de quem já comemora a chegada da barbárie como etapa seguinte à avacalhação geral.
Para empregar uma imagem literária clássica, pode-se dizer que a selvageria no palanque é comparável à uma célebre frase do romance "Irmãos Karamazov", de Dostoievsky, no qual um personagem sublinha o caráter civilizatório da religião em sociedades culturalmente atrasadas com uma frase que se tornou referência universal: "Se Deus não existe, tudo é permitido".
(A frase, obviamente, não deve ser tomada no sentido literal nem religioso. Mas basta substituir a palavra "Deus"por "soberania popular" para se entender o drama à espreita do Brasil em 2018).
Nunca é demais lembrar que o início do processo que levou ao veto a Lula é a condenação precária do tríplex, que contraria a documentação disponível nos autos. No meio do caminho, aboliu-se o transito em julgado para o cumprimento de sentença penal condenatória, como exige o artigo 5 da Constituição. Já a cena de 6a. feira afronta uma decisão da Organização das Nações Unidas com base num Pacto no qual o Congresso, um dos três poderes da República, reconhece valor de lei.
Contra tudo isso, a candidatura Lula, mesmo na prisão, se afirmou como escolha democrática de 40% dos brasileiros. Barbada nas urnas, quem sabe no primeiro turno.
Graças à "maior intervenção desde a ditadura", não é de espantar que Bolsonaro tenha exibido o novo estado de ânimo na primeira oportunidade.
Antes do 6 a 1, era obrigatório registrar seu esforço para assumir uma postura mais discreta, após sucessivos vexames em aparições mais recentes.
Até o economista Paulo Guedes, encarregado de atuar como uma espécie de tutor ideológico, acabou atrapalhando ao revelar ao país inteiro que o plano de Bolsonaro é "seguir o que Temer vem fazendo, só que mais rápido".
A violência encenada no domingo é a festa do liberou geral.
Alguma dúvida?
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