Três decisões estratégicas do governo, anunciadas
há cerca de dez dias, vão ao encontro de um dos principais braços da
política de incentivo à indústria: o Complexo Econômico-Industrial da
Saúde (Ceis), que, ao mesmo tempo, busca fortalecer a produção
industrial e prover o Sistema Único de Saúde (SUS).

Em cerimônia na cidade mineira de Montes Claros, com a presença do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a multinacional dinamarquesa Novo
Nordisk, anunciou o investimento de R$ 6,4 bilhões para produzir remédios no Brasil.
A farmacêutica é importante fornecedora para o SUS de insulina e medicamentos para o tratamento de hemofilia. Atualmente, é responsável por 2,65 mil empregos diretos e indiretos, que devem ser acrescidos de mais 600.
O objetivo do investimento anunciado é aumentar a capacidade
de produção de tratamentos injetáveis para pessoas com obesidade,
diabetes e outras doenças crônicas graves.
Parceria tripartite
No mesmo dia, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a Fundação
Butantan, responsável pela gestão de recursos do Instituto Butantan,
informaram que vão investir pelo menos R$ 200 milhões em micro, pequenas e médias empresas inovadoras na área de saúde.
O esforço conjunto será para a criação de um fundo que vai
mirar em startups, empresas com potencial de inovação e grande uso de
tecnologia. As três instituições buscam fortalecer a cadeia de
suprimentos do SUS.
O BNDES, banco público ligado ao Ministério do Desenvolvimento,
Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), é um dos braços do governo que
fomentam o Complexo Econômico-Industrial da Saúde. O banco deve aportar de R$ 50 milhões a R$ 125 milhões ao fundo.
A Finep, empresa pública ligada ao Ministério da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI), destinará até R$ 60
milhões. Já o Butantan ─ maior produtor de vacinas e soros da América
Latina ─ é ligado ao governo de São Paulo e aportará ao menos R$ 50
milhões..
A empresa, sediada em Aparecida de Goiânia (GO), venderá ao
governo itens como stent farmacológico coronário, cateter e fio guia
dirigível para angioplastia e balão periférico.
Stent é um pequeno dispositivo médico em forma de tubo, inserido em
artérias para prevenir e evitar a obstrução do fluxo sanguíneo, ou seja,
é diretamente ligado a intervenções cardiovasculares.
Complexo Industrial da Saúde
A política industrial do governo, batizada de Nova Indústria Brasil (NIB),
foi lançada em janeiro de 2024. É dentro deste conjunto de incentivo
que estão as ações voltadas ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde,
que faz parte da chamada Missão 2 da NIB.
Além de gerar emprego e desenvolvimento econômico, a meta da política
de incentivo é elevar a produção nacional de 45% para 70% da
necessidade de medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos
médicos, materiais e outros insumos e tecnologias em saúde, até 2033.
Procurado pela Agência Brasil, o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços informou que os valores
direcionados à Missão 2 superam R$ 57 bilhões, entre investimentos
públicos e privados. É dinheiro que vai potencializar produção em
laboratórios e indústrias.
Ao defender a política de incentivo na fábrica de Montes
Claros, o presidente Lula afirmou que há “uma revolução na recuperação
da indústria deste país”, particularmente nas indústrias vinculadas ao
Complexo Econômico-Industrial da Saúde”.
“Isso é possível porque o SUS é um grande comprador de tudo o que a gente fabrica aqui”, completou o presidente.
Resultados práticos
Uma das faces do efeito prático do investimento no Complexo
Econômico-Industrial da Saúde é a redução da dependência externa,
desafio que ficou visível durante a pandemia de covid-19, quando o
Brasil dependeu da importação de vacina, equipamentos hospitalares, como
ventiladores mecânicos, e insumos, como máscaras.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição referência em saúde pública, é uma das beneficiadas direta da Missão 2 da NIB.
A Fiocruz informou que, “por meio de Instituto de Tecnologia em
Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), investe continuamente em inovação e
desenvolvimento tecnológico para melhorar suas capacidades produtivas”.
Um dos projetos mais significativos é o Complexo Industrial
de Biotecnologia em Saúde, que está sendo construído em um terreno de
580 mil metros quadrados – equivalente a cerca de 80 campos de futebol -
no Rio de Janeiro.
A unidade terá capacidade de produção anual estimada em 120
milhões de frascos de vacinas e biofármacos, para atender
prioritariamente às demandas da população brasileira por meio do SUS.
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal
prevê investimento de cerca de R$ 2 bilhões em quatro anos para a
construção. A Fiocruz informou à Agência Brasil que ainda estão sendo captados aproximadamente R$4 bilhões de investidores e parceiros diversos.
A Fiocruz acrescentou que, entre as medidas para buscar
autossuficiência do país, tem investido em tecnologias avançadas, como a
plataforma de RNA mensageiro (mRNA - transporta informações genéticas
do vírus), incluindo uma vacina contra a covid-19, que está em fase
pré-clínica.
Efeito multiplicador
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) classifica o
Complexo Econômico-Industrial da Saúde como “estratégico para o
desenvolvimento econômico e social do país”.
Na definição da especialista de Política Industrial da CNI, Caroline
Giusti de Araújo, o complexo articula uma ampla base produtiva e
tecnológica, que abrange desde a indústria farmoquímica e farmacêutica
até vacinas, testes diagnósticos, terapias avançadas, hemoderivados e
dispositivos médicos.
O setor representa, descreve ela, cerca de 10% do Produto
Interno Bruto (PIB – conjunto de bens e serviços produzidos no país) e
mais de 30% do esforço de ciência, tecnologia e inovação. A especialista
aponta que investimentos no setor têm um efeito multiplicador.
“A cada R$ 1 milhão produzidos no setor farmoquímico e farmacêutico,
geram-se, em média, R$ 2,46 milhões em valor bruto da produção”,
calcula.
Relembrando que a pandemia de covid-19 expôs dependências do
Brasil a fornecedores estrangeiros, a CNI afirma que políticas de
incentivo industrial se tornaram essenciais para reduzir
vulnerabilidades, assegurar a segurança sanitária e impulsionar a
industrialização com base em inovação.
“Acreditamos que políticas como essas que integram o Complexo
Econômico-Industrial da Saúde estimulam os investimentos em pesquisa e
desenvolvimento por parte do setor, que já se destaca como um dos
maiores na indústria de transformação brasileira”, avalia Caroline
Araújo.
Ambiente econômico estável
O presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos
Farmacêuticos (Sindusfarma), Nelson Mussolini, aprova a política de
incentivo industrial, e enfatiza que o setor farmacêutico atua tanto na
promoção da saúde e da qualidade de vida da população brasileira, assim
como no desenvolvimento econômico.
“A cadeia produtiva farmacêutica representa um polo industrial,
tecnológico e científico de ponta, que emprega cerca de 900 mil pessoas
de forma direta e indireta”, apontou ele à Agência Brasil.
O representante de farmacêuticas nacionais e internacionais que
produzem no Brasil defende que o incentivo ao setor deve ser tratado
como política de Estado, baseada em regras claras e constantes.
“Uma política de desenvolvimento do complexo industrial da saúde
necessariamente tem que ser uma política de Estado e, por isso, precisa
ter marcos legais bem estabelecidos”, diz.