Gestão quer alterar "regra de ouro" que impede endividamento maior que investimento.
Bomba relógio das contas públicas é pano de fundo que impactará no próximo Governo
Brasília / Rio de Janeiro 5 JAN 2018 - 21:35 BRST
Michel Temer durante caminhada no Palácio do Jaburu, no dia 4. EVARISTO SA AFP
Desde 1988 o Governo brasileiro está impossibilitado de se endividar para custear as despesas correntes como o pagamento de servidores ou pagamento de contas de luz ou telefone. A gestão federal não pode emitir dívida em valores maiores do que o que investe, por exemplo, em obras e equipamentos, que contribuem mais diretamente para o crescimento da economia. É a chamada "regra de ouro", prevista na Constituição Federal, que, em tese, impediria o Estado de se endividar de maneira temerária comprometendo as gerações futuras. Ocorre que esta norma está em vias de ser extinta. A gestão Michel Temer (MDB) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), negociam uma proposta de emenda constitucional para permitir que ela possa ser quebrada, ao menos por um período. Por trás dessa manobra, além da sofrível situação das contas públicas, há o claro empenho de evitar que as autoridades envolvidas, incluindo Temer, violem o artigo e venham a responder por delitos que possam ser enquadrados como crime de responsabilidade, o que poderia resultar até na abertura de um processo de impeachment.
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Tanto Temer quanto Maia têm interesse direto na questão. O primeiro, caso a regra de ouro seja descumprida em 2018, poderia ser denunciado. O segundo ainda desponta como potencial candidato à presidência ou vice-presidência nas eleições de outubro e, se chegar ao Planalto, também seria um beneficiário direto. Além deles, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), outro pré-candidato, é entusiasta da mudança. Os três debateram o tema em reuniões ao longo desta semana.
Apesar de parecer apenas um afrouxamento na lei fiscal, a mudança é mais profunda, segundo o economista Hélio Tollini, consultor de orçamento da Câmara dos Deputadose ex-secretário de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento. “O Brasil acaba de passar uma mensagem de fraqueza fiscal, mas as mudanças na regra de ouro têm de ser feitas”. Para a bancada do PT na Câmara, há uma "tentativa golpista de mudar a Constituição para salvar Temer".
Os cálculos do Tesouro mostram que para se adequar à regra de ouro neste ano seriam necessários ter um extra de 184 bilhões de reais no orçamento. Parte disso, 148,6 bilhões de reais, está garantido com devoluções que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) fará ao longo do ano. Restariam 35,4 milhões de reais, que teriam de ser economizados de outra maneira. No próximo ano, contudo, não estão previstos repasses extras e a regra teria de ser quebrada, uma perspectiva nada animadora para o presidente que será eleito neste ano.
Se não conseguir derrubar essa regra com a mudança constitucional, que precisa dos votos de 308 dos 513 deputados, caberia ao Governo tentar aprovar créditos suplementares por meio de votações no Congresso. Neste caso, esses créditos teriam de ser aprovados ano a ano, o que seria um teste de estresse para a força política do presidente, fosse ele quem fosse. “O importante é que a classe política percebeu a gravidade da situação neste momento. Agora, não se pode querer tirar o proveito político. Se for olhar os culpados pela crise, acaba-se pegando quem hoje é oposição”, critica Tollini.
Apesar de anunciado agora, nos primeiros dias de 2018, as alterações na regra de ouro já são discutidas desde o início de dezembro. Consultores da Câmara foram escalados por Rodrigo Maia para ajudarem o deputado federal Pedro Paulo (MDB-RJ) a elaborar o projeto de emenda constitucional. O principal empecilho, neste momento, seriam as contrapartidas de rigor que teriam de ser apresentadas para a suspensão dessa regra. Em princípio, discutiu-se que as sanções poderiam ser semelhantes às implantadas pela PEC do Teto de Gastos. Algumas delas seriam a proibição de contratação de novos servidores pelo período de dez anos ou a de impedir os reajustes salariais deles pelo mesmo período. Outra hipótese, citada pelo jornal Valor Econômico, seria propor flexibilizar itens de despesa obrigatória - aquilo que o Governo tem que obrigatoriamente aplicar, como em saúde.
Com o período de festas e o recesso do Legislativo, no entanto, as negociações entraram em modo de espera. Agora, a expectativa é que a PEC esteja pronta para ser votada no início de março, logo após a análise da reforma da Previdência, a também incerta aposta do Governo Temer para o mês que vem.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/05/politica/1515177344_484294.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM
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