
© AP Photo / Andy Wong
EUA
e países aliados estudam medidas para restringir o acesso de seus
cidadãos à inteligência artificial chinesa DeepSeek. Apesar de o desafio
colocado pelo app chinês aos EUA ser tecnológico e comercial,
Washington usará instrumentos ideológicos para combatê-lo, disseram
analistas à Sputnik Brasil.
Nesta
segunda-feira (17), a Coreia do Sul confirmou sua decisão de suspender o
acesso ao aplicativo de inteligência artificial chinês DeepSeek. De
acordo com o governo de Seul, o aplicativo foi removido das versões
locais da App Store e Google Play.
Autoridades sul-coreanas alegam que o DeepSeek não atende aos requisitos de privacidade do país e reconhecem que o retorno do aplicativo chinês ao seu mercado "inevitavelmente tomará algum tempo", reportou a Al Jazeera.
Anteriormente,
o Ministério do Comércio, Indústria e Energia da Coreia do Sul já havia
banido seus funcionários de usar a tecnologia chinesa, citando preocupações de segurança e privacidade.

Espectadores
assistem a noticiário sobre o bloqueio do aplicativo chinês DeepSeek,
em Seul, Coreia do Sul, 17 de fevereiro de 2025
© AP Photo / Ahn Young-joon
Os
EUA estudam implementar bloqueios federais ao uso do DeepSeek por
agências governamentais. Em janeiro, a agência espacial NASA proibiu o
uso do aplicativo pelos seus funcionários. A Marinha dos EUA
alertou seus membros a não usar o aplicativo, dadas as "preocupações
éticas e de segurança sobre a origem e uso dos modelos", reportou o Wall Street Journal.
Suspensões similares são esperadas em outros países com fortes laços com os EUA. Austrália e Taiwan já baniram o uso do DeepSeek for funcionários governamentais, enquanto a Itália quer restringir o acesso do app a dados pessoais de seus cidadãos.

Visitantes vestidos com trajes tradicionais posam para fotos na Cidade Proibida, em Pequim, 21 de fevereiro de 2025
© AP Photo / Ng Han Guan
Para o doutor
em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) e analista de relações internacionais Diego Pautasso, a resposta de países do Ocidente coletivo ao uso da tecnologia chinesa é de fundo comercial e ideológico.
"Podemos
considerar o DeepSeek uma tecnologia disruptiva, já que ela utiliza
menos investimento, menos hardware e chips alternativos que fogem ao
bloqueio dos EUA", disse Pautasso à Sputnik Brasil. "Por ser aberto, o
DeepSeek ainda gera um tombo no modelo de negócios das big techs
norte-americanas."
O DeepSeek surpreendeu a indústria de alta tecnologia
ao desenvolver modelo de inteligência artificial generativa com
resultados análogos aos norte-americanos, utilizando uma fração de
capital e capacidade computacional.

Visitantes
tiram fotos ao longo do cênico Lago Oeste durante o crepúsculo em
Hangzhou, cidade-sede da empresa chinesa de inteligência artificial
DeepSeek, na província de Zhejiang, 2 de dezembro de 2024
© AP Photo / Ng Han Guan
"O DeepSeek é na verdade a ponta do iceberg do gigantesco programa de inteligência artificial da China,
que faz parte do desenvolvimento de sua economia digital", declarou
Pautasso. "As big techs norte-americanas, que exercem monopólio sobre a
economia de dados e todas as suas aplicações econômicas, comerciais,
financeiras e políticas, agora deverão enfrentar a concorrência da
China."

11 de fevereiro, 12:49
O mercado interno chinês conta com outras empresas que têm capacidade de competir com o DeepSeek, como a Tepfun, Zhipu, Minimax, Moonshot, 01.AI e Baichuan, apelidadas de "seis tigres".
Ameaça chinesa?
Em
uma economia de mercado, a competição deveria ser celebrada como fonte
de preços baixos e estímulo à inovação. No caso chinês, no entanto, o Ocidente mobiliza narrativas ideológicas para justificar a imposição de barreiras que dificultam o acesso ao DeepSeek.
"Essa
questão da percepção do DeepSeek ou outras tecnologias chinesas como
ameaça não é nada de novo e, obviamente, está baseado muito mais na
construção de uma mentalidade de Guerra Fria do que na realidade", disse
Pautasso.
A diretora do Curso de Relações Internacionais da PUC-Campinas, Kelly Ferreira, concorda, e diz que a narrativa antichinesa se consolida também no Brasil.
"Quando
uma nova tecnologia norte-americana é anunciada, dificilmente os
brasileiros encaram como uma potencial ameaça. Agora, se a tecnologia é
chinesa, mesmo que o produto ofereça as mesmas facilidades, mesmo que
ele contribua com o dia a dia do usuário, ele será recebido como uma
ameaça" disse Ferreira à Sputnik Brasil. "Nesse sentido, podemos dizer
que Hollywood fez o seu trabalho, porque já existe uma narrativa muito
forte em relação a isso."
Aplicativos norte-americanos análogos ao DeepSeek têm acesso similar aos dados pessoais de seus usuários,
e também se utilizam da interação com o internauta para treinar e
aprimorar seus algoritmos. Enquanto o acesso a informações pessoais por
aplicativos norte-americanos é considerado parte do modelo de negócios,
no caso chinês é visto como uma fonte de controle social, argumentou
Ferreira.

19 de fevereiro, 11:51
"Os
economistas sempre dizem que em economia não importa como de fato ela
é, mas sim como ela parece ser. Na política é a mesma coisa. Por mais que aplicativos dos EUA tenham acesso quase irrestrito às nossas informações – inclusive porque nós mesmos liberamos muitas delas – as pessoas continuam achando que os EUA utilizarão essas informações para fins nobres, como combater o terrorismo, enquanto a China utilizará para controlar a sociedade", considerou Ferreira.
A
dissonância é ainda mais notável se considerarmos que as únicas big
techs que sabidamente interferiram em processos políticos em países
terceiros são norte-americanas. Por exemplo, comunicações de altos funcionários da antiga rede social Twitter com o FBI e a CIA documentam o uso de contas falsas pelo governo dos EUA para influenciar o debate político no Oriente Médio.
"As únicas big techs que foram utilizadas amplamente para o domínio dos dados e para desestabilização de governos que se tem notícias são as big techs ocidentais. O resto são suposições", notou Pautasso.

21 de janeiro 2023, 11:38
Por outro lado, internautas notaram respostas evasivas do DeepSeek sobre assuntos sensíveis ao governo de Pequim
– notadamente temas de política interna chinesa. "Vamos que o
aplicativo é bastante cauteloso em relação a temas domésticos", disse
Ferreira.
"Toda
linguagem e todo algoritmo tem um viés. Não existe tecnologia neutra. E
assim como o ChatGPT, o DeepSeek também tem seus padrões regulatórios e
suas escolhas", considerou Pautasso. "Mas a China bate na tecla da
autodeterminação, que cada país deve buscar seu próprio modelo de
desenvolvimento. Não temos evidências de que a China vá usar o DeepSeek
para promover mudanças de regime, guerra híbrida ou revoluções
coloridas."
Segundo
a professora Ferreira, a política externa chinesa não coloca como
objetivo exportar a ideologia comunista ou o modelo político centrado em
partido único. "Um olhar mais atento revela que a diplomacia chinesa é extremamente pragmática e focada sobretudo nos seus interesses econômicos e de segurança."
Brasil
O
Brasil ainda não desenvolveu modelos próprios de inteligência
artificial e segue atrás na corrida pela nova tecnologia. Por isso,
poderá utilizar plataformas abertas como o DeepSeek para desenvolver
soluções próprias, sugere Pautasso.
"O
modelo do DeepSeek, que é aberto e barato, permite que países
retardatários como o Brasil possam pegar atalhos e construir seus
modelos de inteligência artificial local, adaptado ao padrão regulatório
do nosso país", disse Pautasso. "As big techs norte-americanas não
oferecem essa alternativa."
O
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação lançou um programa
abrangente de desenvolvimento de inteligência artificial, atestando o
interesse do governo federal no tema. No âmbito da diplomacia, a inteligência artificial foi citada pelo Itamaraty como tema prioritário para a presidência brasileira do BRICS em 2025.

13 de fevereiro, 20:42
A professora Ferreira não acredita que o Brasil irá impor restrições ao uso do DeepSeek em território nacional. As boas relações com a China no âmbito do BRICS e a ampliação do uso de inteligência artificial no país, pelo contrário, podem beneficiar o Brasil.
"De forma geral, a estratégia dos EUA para frear o uso de inteligência artificial chinesa provavelmente não dará certo.
Já não deu certo com a internet 5G da Huawei. Já não deu certo em
relação à restrição do uso de semicondutores pela China. Então, não tem
por que dar certo com o DeepSeek", concluiu Pautasso.
Fonte: https://noticiabrasil.net.br/20250221/brasil-pode-usar-atalho-do-chines-deepseek-para-desenvolver-inteligencia-artificial-diz-analista-38614690.html
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