© AP Photo / Anupam Nath
Com um dos processos eleitorais mais curiosos do mundo, cerca de 900 milhões de indianos vão às urnas entre abril e maio deste ano na maior democracia do mundo. Diante de índices de aprovação acima de 70% nas pesquisas, o pleito será um teste para a popularidade do primeiro-ministro Narendra Modi, que completa dez anos no poder.
País que ultrapassou a China no ano passado e se tornou o mais populoso do mundo com seus 1,412 bilhão de habitantes, essa magnitude de pessoas é uma amostra dos desafios e das peculiaridades da maior eleição do planeta: a da Índia. A votação dura mais de um mês, entre abril e maio, e o país herdou o sistema político britânico, parlamentarista, com cada região elegendo seu representante no Congresso, onde será escolhido o primeiro-ministro.
O doutor em ciência política pela Universidade Católica de Louvain João Paulo Nicolini Gabriel explicou ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, que as regiões votam em diferentes momentos e, apesar do voto cada vez mais digitalizado, em algumas partes do país a cédula de papel ainda é usada.
“Todas as pessoas têm que ter uma urna disponível a dois quilômetros de distância [de onde vive]. É interessante como elas chegam aos locais de votação, já que algumas são levadas até por elefante. Como ainda há muitas pessoas analfabetas [cerca de 25%], há símbolos que facilitam o reconhecimento dos partidos”, resume.
Além disso, após o voto é impresso um comprovante, método de prestação de contas que chegou a ser motivo de embate no Brasil nos últimos anos, e o resultado do pleito demora dias para ser confirmado.
“Cada região vai votando conforme a disponibilidade de urnas disponíveis, além das forças policiais para fazer a proteção do processo. E quando a pessoa vota, também precisa de uma produção de tinta, que põe no dedo e é muito difícil de sair. Isso é para mostrar que o eleitor compareceu, para evitar fraude. É um sistema que tem funcionado razoavelmente bem e tem sido gradativamente, digamos, digitalizado com o tempo”, acrescenta.
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Qual é maior o partido político da Índia?
No poder há quase dez anos, as eleições serão um teste de popularidade para o primeiro-ministro Narendra Modi, do Partido do Povo Indiano, que ostenta índices de aprovação de 70%.
“Isso inviabiliza, às vezes, alguma formação mais robusta de coalizão contra ele. Temos visto nas últimas eleições regionais que a tendência é que Modi acabe ganhando, o Partido Novo Indiano ganhando sucessivamente mais espaço até dentro de outras regiões em que ele não era tão favorito. Mantém-se, claro, uma grande oposição nos estados do Sul, que tem cunho mais de esquerda, das regiões mais desenvolvidas”, pontua o cientista político.
O principal adversário ainda é o partido Congresso Nacional Indiano, que governou o país desde a independência, em 1947, até meados de 2000. Porém, por conta de escândalos de corrupção e dificuldades diplomáticas, não conseguiu mais formar maioria para voltar ao governo. A atual liderança mais emblemática é Rahul Gandhi. Porém, é considerado inelegível após ter perdido o cargo no Parlamento, por decisão da Suprema Corte do país, diante de difamações contra Modi nas redes sociais.
“Ele organizou uma tentativa de revigorar [o partido] que, na última eleição, foi muito mal e conseguiu ter menos de 60 cadeiras no Parlamento, uma coisa absurdamente ruim. O Congresso conseguiu agora uma vitória regional, mas ainda mostra uma dificuldade muito grande. Essa aliança [para as eleições] é uma tentativa de juntar partidos de cunho nacional. O problema é que está faltando liderança porque a figura principal foi considerada inelegível”, detalha.
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Qual a situação atual da Índia?
Considerada a quinta maior economia do mundo em 2023, com um produto interno bruto (PIB) de US$ 3,73 trilhões (R$ 18,3 trilhões), conforme o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Índia se consolida cada vez mais como uma potência mundial. Prova disso, para além da intensa produção tecnológica, é que o país entrou para o seleto grupo de nações que pousaram na Lua: foi a quarta, após o sucesso de sua missão espacial no ano passado.
Tudo isso torna Nova Deli um importante ator no tabuleiro internacional. Porém, nos últimos anos, a política externa do governo Modi é considerada ambígua, aponta João Paulo Nicolini Gabriel. Ao mesmo tempo que faz parte do BRICS, que também conta com África do Sul, Brasil, Rússia, China, Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã, e demonstra vontade de fortalecer o grupo, a Índia também tenta se aproximar do Ocidente.
“O Modi já disse que o governo dele não tem um alinhamento. Então, ora está mais próximo das políticas de revisão das atuais estruturas internacionais, ora está alinhado às políticas que os ocidentais esperam, como a contenção da China”, enfatiza.
O especialista lembra que a Rússia tem sido um dos principais parceiros do país, com o objetivo de fortalecer a industrialização e ajudar no fornecimento de matéria-prima — o país importa mais de 80% do petróleo que consume.
“Então não vejo talvez um problema com o BRICS [a continuidade do Partido do Povo Indiano no poder], o Modi sempre vai ser alguém que vai tentar fazer a Índia ter uma visão muito autônoma da sua política externa, mas isso não quer dizer que o Congresso Nacional Indiano também não tenha”, diz.
Além disso, até as questões latino-americanas estão mais fortes no radar geopolítico da Índia. “Há antigos interesses no petróleo venezuelano, inclusive refinarias indianas têm desenvolvido tecnologias para refinar o petróleo mais bruto que tem no país, e estabelecer formas de pagamento que burlem o sistema norte-americano de pressões e restrições. O desenrolar da questão entre Guiana e Venezuela também vai entrar no mapa geopolítico do próximo governo”, afirma.
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Tensões diplomáticas com a China
Já a professora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IRID/UFRJ) Marianna Albuquerque lembra que há tensões diplomáticas do país com a China, mas que não chegam ao campo militar.
“É uma questão que, na verdade, ficou mal resolvida da guerra sino-indiana, uma guerra de grandes proporções militares entre os dois países, que começou em 1962. E a Índia sofreu uma derrota humilhante, digamos, dentro desse contexto e perdeu uma parte do seu território. Então, tem ali uma disputa sobre qual é a verdadeira fronteira, a Índia querendo ir mais ao norte e a China reivindicando a atual demarcação”, explica.
Outro atrito é com relação ao reconhecimento indiano do Tibete como país, o que não é visto com bons olhos pela China, que considera a região uma parte do seu território.
“Não só reconhece como deu asilo a Dalai Lama, que mora atualmente em território indiano. Então, essa é uma questão que, de vez em quando, a gente tem os picos de tensões entre os dois países. A questão hoje em dia não é tanto de tensões militares, é mais nesse nível simbólico, nesse nível diplomático.”
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Quantos muçulmanos existem na Índia?
Apesar de serem minoria no país, a Índia conta com mais de 200 milhões de muçulmanos, grupo que tradicionalmente tem relações difíceis com o primeiro-ministro Narendra Modi, defensor da supremacia hindu. Além disso, a figura do político é ligada ao massacre de 2002, quando mais de 1 mil pessoas da religião foram mortas em Gujarat, estado que na época era governado justamente por Modi.
“E isso continua muito atrelado à figura dele […]. Em 2014 [quando Modi chegou ao poder], tivemos um recorde de ataques registrados a mesquitas, por exemplo. Em 2020, logo no início do ano, vários grupos sociais fizeram manifestações pacíficas contra algumas medidas do governo Modi, inclusive sobre a liberdade de culto e outros pontos nessa linha. E essas manifestações escalaram, mais de 50 pessoas foram mortas”, argumenta a especialista.
Sendo Modi ou não no governo, o país tem uma série de problemas desafiadores para enfrentar: baixo índice de desenvolvimento humano (IDH), falta de acesso ao saneamento básico, concentração de renda e produção rural de baixa produtividade.
“É um país que tem muitas pessoas abaixo da linha da pobreza, e isso acarreta questões sanitárias e de dificuldade de aumento da qualidade de vida da população. Também tem problemas para se adaptar às novas demandas em relação à mudança climática e transição energética, com uma matriz ainda muito suja”, finaliza.
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