Bodas de ouro: há 50 anos, Brasil e China desafiam o Ocidente no quesito produção
16:13 15.08.2024 (atualizado: 17:01 15.08.2024)
Nesta
quinta-feira (15), o Brasil e a China completam 50 anos de uma relação
marcada por muitas mudanças e parcerias comerciais, culturais,
econômicas e sociais.
Para
entender mais um pouco sobre como essa relação funciona, o podcast
Mundioka, da Sputnik Brasil, convidou especialistas para detalharem um
pouco como se deu a relação Brasil e China.
Brasil e China na linha do tempo: momentos de uma relação duradoura
O
professor Renato Ungaretti, doutorando em estudos estratégicos pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), destacou marcos
cruciais e as complexidades dessa parceria estratégica.
"São
50 anos de relações que passaram por diferentes estágios. […] O
restabelecimento das relações ocorreu em 1974, durante o governo
[Ernesto] Geisel, um momento crucial em que o Brasil buscava afirmar sua
autonomia no cenário internacional, mesmo em meio à ditadura militar",
observou o professor.
Naquele período, a China enfrentava um isolamento internacional, e a reaproximação com os Estados Unidos no início dos anos 1970
ajudou a abrir portas para novas relações diplomáticas. O analista
explicou que "a China estava tentando superar seu isolamento e, ao mesmo
tempo, o Brasil via a China como um parceiro importante para assegurar sua autonomia e enfrentar desafios como o choque do petróleo".
O professor destacou que, apesar das diferenças ideológicas, "o pragmatismo responsável"
do governo brasileiro facilitou o restabelecimento das relações. A
partir de então, a parceria se consolidou, especialmente com a criação
da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban) e a assinatura de planos de ação conjunta.
A entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, marcou um ponto de inflexão significativo.
"Com
a ascensão econômica da China e a demanda crescente por commodities, o
Brasil se tornou um fornecedor crucial", explicou Ungaretti.
Mas
as relações comerciais entre os dois países explodiu mesmo a partir de
2004, conforme indica Marina Moreno, bacharel em relações
internacionais, mestranda em economia política internacional pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista residente
no think tank Observa China.
"Entre
2004 e 2014 as relações acabaram atingindo um novo patamar. São os
governos do PT, principalmente o governo Lula, que transformam a relação
com a China expandindo de maneira sem precedentes o comércio e os
investimentos bilaterais."
Além
disso, a especialista reafirma que não somente as relações comerciais
expandiram nesse período, mas houve uma aproximação mais estratégica,
"uma sinergia mais política", descreve, citando como exemplo da
consolidação de uma parceria estratégica a criação de mecanismos como a Cosban, a cooperação em vários fóruns internacionais, inclusive o G20 e a criação do BRICS.
Foi
justamente nesse período, mais precisamente em 2008, durante a crise
financeira global, que China e Brasil tiveram um momento de aproximação
mais forte, recorda Moreno.
"Essa
crise acaba não atingindo muito a China, e é nesse momento que o país
vai desenvolver uma relação comercial e de investimento diferenciada",
ou seja, ao contrário das outras economias, a China "estava em um
processo de crescimento liderado pelo investimento, demandando cada vez
mais insumos e mais commodities. Ela [a China] não só continua a
importar como aumenta as importações e seus investimentos externos, e o
Brasil vai surfar nessa onda. [O Brasil] é
um desses países
que se torna um dos principais parceiros comerciais da China naquela
época, ainda que a posição de parceiro número um tenha se consolidado
depois."
19 de junho, 13:12
Atualmente,
o comércio entre os dois países ultrapassa os US$ 150 bilhões (R$
821,89 milhões), com produtos como soja, petróleo e minério de ferro
dominando as exportações brasileiras para a China. No entanto, Ungaretti
alertou para a necessidade de diversificar as
exportações brasileiras, a fim de evitar a dependência excessiva de poucos produtos.
Quanto à adesão do Brasil à
Iniciativa Cinturão e Rota, conhecida também como
Nova Rota da Seda, o analista relembrou que, até agora, o país não assinou o memorando de entendimento. "
O Brasil ainda avalia os custos e benefícios dessa adesão.
Embora haja vantagens potenciais, como investimentos em infraestrutura,
também existem riscos associados à percepção geopolítica e à eficácia
dos compromissos", comentou.
Ele também abordou a questão da influência cultural chinesa no Brasil. "A distância geográfica e cultural, além do idioma, limita a penetração do soft power chinês no Brasil",
afirmou. No entanto, reconheceu que a crescente interação entre os dois
países pode fortalecer esses laços culturais no futuro.
Por
fim, Ungaretti refletiu sobre os primeiros contatos entre Brasil e
China antes do restabelecimento formal das relações. "Nos anos 60, houve
trocas e diálogos, mas
a relação foi limitada
pelo isolamento da China e pelas políticas anticomunistas da Guerra
Fria. Foi apenas nos anos 70, com um contexto internacional mais
favorável, que a relação começou a se consolidar."
O Brasil depende hoje mais da China do que o contrário?
Para Moreno, o Brasil depende, sim, muito mais da China do que vice-versa.
"A
gente está falando aí de uma aproximação comercial muito grande que,
claro, a gente pode falar em superávit em termos de valores, mas
a China está muito mais bem posicionada nas cadeias globais de valor. A China tem um poder de
paridade de compra maior do que os Estados Unidos,
se a gente for falar de BRICS, por exemplo. A China figura como muito
mais importante, maior e mais profunda economicamente em termos de
investimento do que o Brasil", explica.
10 de abril, 13:07
A
especialista destaca que a importância do Brasil para a China reflete,
entre outras coisas, a preferência dos produtos que eles importam.
"O
Brasil é importante porque a China talvez tivesse que importar de outro
país com quem ela tem uma relação que é um pouco mais belicosa, por
exemplo, os Estados Unidos", enfatiza.Moreno
ainda destaca que a tendência é que essa dependência brasileira
continue, sobretudo se o país seguir caminhando para um processo de
"reprimarização da pauta exportadora", em vez de fazer transferência de
tecnologia e avanços técnicos.
Qual será a agenda entre os países para os próximos 50 anos?
Como novidade na relação entre os países, Moreno aposta que a agenda de sustentabilidade, sobretudo relacionada à transição energética justa, restauração de biodiversidade e países mais ricos que mais poluem, pagarem a conta pela poluição, deve ganhar força nos próximos anos. Segundo a especialista, a China já está agindo nesses temas.
"A
China está criando um processo de desenvolvimento verde muito grande.
Inclusive existe a parte da Rota da Seda, que é a Rota da Seda verde. O
Brasil também está nessa fronteira […] e, principalmente, na verdade,
dentro do G20. É uma pauta superimportante que permeia todas as
discussões do G20, discussões da governança global."
Nas relações comerciais, a especialista entende que as exportações de commodities e produtos do setor primário para a China devem continuar a figurar com destaque. Por outro lado, espera-se que setores
mais tecnológicos e de maior valor agregado sejam importados do gigante
asiático para ajudar em temas como o da transição energética.
Fonte: https://noticiabrasil.net.br/20240815/bodas-de-ouro-ha-50-anos-brasil-e-china-desafiam-o-ocidente-no-quesito-producao-36048788.html
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